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Valor Econômico – Cartórios registram números recordes de divórcios e inventários
Pandemia e popularização de lei contribuíram para crescimento, segundo especialistas
O movimento nos cartórios foi intenso em 2021. Em meio à pandemia da covid-19, registraram números recordes: 77,1 mil divórcios e 226 mil inventários. Os volumes são os maiores desde 2007, quando passou a ser possível realizar esses procedimentos fora do Judiciário – a autorização está na Lei nº 11.441, que completou neste mês 15 anos.
Os recordes não são creditados pelos especialistas apenas à pandemia, que elevou os registros de mortes e acirrou a convivência entre casais, mas também à popularização da lei. Os números, de acordo com o Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo (CNB-SP), crescem desde 2007.
O período de reclusão, dizem os especialistas, também incentivou as pessoas a colocarem a casa em ordem: inventários antigos foram, enfim, levados aos tabeliães. Nos últimos dois anos, foram 385,7 mil – 159, 6 mil em 2020.
Fernando Blasco, diretor de tecnologia do CNB-SP, estima que metade dos inventários no país já é feita em cartórios. Uma das explicações, segundo ele, é a rapidez. Podem levar de uma a duas semanas para serem concluídos.
Um divórcio pode ser feito ainda mais rapidamente: em apenas um dia, se não envolver partilha. Relações com filhos menores, porém, devem ser levadas necessariamente ao Judiciário. Nos últimos dois anos, foram realizados quase 154 mil – 76,8 mil em 2020.
“O divórcio, quando não envolve partilha, é bem simples”, afirma Daniel Paes de Almeida, presidente do CNB-SP. “Os dados mostram que os cartórios conseguiram atender com eficiência as novas demandas.”
Os custos também compensam o uso de cartório, de acordo com Almeida. “Se o inventário fica cinco anos parado no Judiciário, o patrimônio dentro dele fica fora de circulação durante todo esse período. Quando o cartório resolve em 15 dias, o patrimônio já entra em circulação”, diz.
Fredie Didier, professor na Universidade Federal da Bahia e especialista em processo civil, lembra que “antes tudo tinha que ser feito no Judiciário”. A lei de 2007, acrescenta, foi mais uma etapa na desjudicialização. “A solução de problemas fora da Justiça foi incentivada pelo próprio Código de Processo Civil em 2015. A lei não impõe o uso de cartórios, mas dá a opção”, diz.
De acordo com Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), a lei foi um avanço, já que o Judiciário não consegue mais dar resposta ao número excessivo de processos que recebe. Pereira destaca que já existem decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que permitem, mesmo com testamento, a realização de inventário em cartório.
O advogado faz a ressalva de que o inventário nem sempre é feito em cartório pelo fato de a rapidez antecipar o pagamento do ITCMD. Quando não há dinheiro para quitar o imposto, o caminho, acrescenta, é o Judiciário. “Os herdeiros podem vender bens para pagar o ITCMD. Esse é um dos motivos para fazer no Judiciário, obter autorização para vendê-los”, afirma. O imposto varia de acordo com o Estado e pode atingir 8% sobre o valor do bem.
Pereira observa que há cartórios que cobram, como taxa, um percentual sobre o valor dos bens. Em outros, o valor é fixo. O inventário, acrescenta, já foi considerado o “filé mignon da advocacia”, com honorários altos. “Agora ficou mais simples e o maior custo é com os impostos.”
Desde 2007 já foram realizados 3,1 milhões de atos com base na Lei n° 11.441, segundo o CNB-SP. Além de inventários e divórcios, a lei autorizou a realização de partilha e separação em cartórios. A separação pode ser considerada uma etapa anterior ao divórcio e, desde que deixou de ser obrigatória, vem caindo em desuso, segundo advogados.
“Ano a ano o número desses atos praticados extrajudicialmente cresce”, afirma Giselle Oliveira de Barros, presidente do Conselho Federal do Colégio Notarial do Brasil. Para ela, o aumento não se deve exclusivamente à pandemia. “As pessoas acabaram formalizando atos durante a pandemia, quando pararam e organizaram a vida.”
A tendência, segundo Giselle, é que a procura pelos cartórios para divórcio e inventários cresça. Há, no país, 13,2 mil unidades que, nos últimos anos, faturaram em média cerca de R$ 18 bilhões, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Apesar de incidirem impostos e multas, não existe um prazo limite para a realização de um inventário, segundo Giselle. “Durante a pandemia fizemos alguns inventários que eram muito antigos. As pessoas perceberam coletivamente a possibilidade da morte e quiseram deixar tudo em ordem”, diz.
Tabeliã de notas em São Paulo, Giselle destaca que muitos dos inventários que fez no período de pandemia eram decorrentes de mortes que aconteceram há anos, mas a família só conseguiu organizar os documentos agora.
De acordo com Otávio Rodrigues, professor de direito civil da Universidade de São Paulo (USP), ainda é baixo o conhecimento geral sobre a possibilidade de realização de divórcios e inventários em cartório. “A mentalidade das pessoas ainda é de judicializar. O advogado é o vetor do processo de retirada do Judiciário”, afirma. “No cartório, o procedimento costuma ser mais barato porque é mais rápido.”
A lei de 2007, ainda segundo Rodrigues, traz a chamada “contratualização” do direito de família, que consiste em retirar alguns procedimentos do Judiciário e do próprio Estado. “Tem funcionado bem. Não conheço casos de problemas ou reclamações”, diz o professor.
Fonte: Valor Econômico