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TJ/SP julga impedimentos ao registro de escritura de inventário e partilha de bens com cláusulas de incomunicabilidade

28-03-2025

Processo 1015614-48.2025.8.26.0100

 

Espécie: PROCESSO

Número: 1015614-48.2025.8.26.0100

 

Processo 1015614-48.2025.8.26.0100

 

Dúvida – Registro de Imóveis – Regiane Ferrabras Alho – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou ho orários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: MARCUS VINICIUS COSTA FALKENBURG (OAB 166239/SP)

 

Íntegra da decisão:

 

SENTENÇA

 

Processo nº: 1015614-48.2025.8.26.0100

 

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

 

Suscitante: 5º Oficial de Registro de Imóveis

 

Suscitado: Regiane Ferrabras Alho

 

Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta

 

Vistos.

 

Trata-se de dúvida suscitada pelo 5º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de Regiane Ferrabrás Alho, diante de negativa em se proceder ao registro de escritura pública de inventário e partilha dos bens deixados por José Carlos da Silva Alho, envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 65.040 daquela serventia.

 

O Oficial informa que a qualificação negativa do título fundou-se nos seguintes motivos: (i) o imóvel objeto de partilha acha-se matriculado sob n. 65.040, de propriedade de José Carlos da Silva, gravado com cláusulas restritivas de incomunicabilidade e impenhorabilidade (Av.5 e Av.10), em virtude dos testamentos deixados por seus pais, Anna Serrano Alho e Antônio da Silva Alho; (ii) dispõe o inciso I do artigo 1.668 do Código Civil, são excluídos da comunhão: os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar; que, desta forma, respeitando a vontade das partes, corrigir o título no que couber, revendo partilha e pagamentos feitos aos herdeiros (artigos 1.668, inciso I, 1.829, inciso I, 1.832 e 1.845, todos do Código Civil; c/c artigos 195 e 237 da Lei n. 6.015/1973); (iii) em decorrência da diferença no plano de partilha, pela cláusula de incomunicabilidade sobre o imóvel, atentar ao recolhimento do ITCMD, havendo excesso de meação/quinhão na partilha é necessário apresentar, no original ou em cópia autenticada, a guia do imposto de transmissão, devidamente recolhido; que a nota devolutiva cingiu-se a apontar os obstáculos para o registro da partilha, pois, de um lado, vislumbra-se a inadequação da reserva de meação do cônjuge supérstite, afinal, os bens são particulares do de cujus, e, por outro, há o problema da sucessão, como concorrente de primeira classe com os herdeiros-filhos, já que o de cujus foi casado pelo regime da comunhão universal de bens, esbarrando na vedação do artigo 1.829, inciso I, do Código Civil.

 

O Oficial esclarece que o imóvel da matrícula 65.040 era de propriedade de José Carlos da Silva Alho, recebido pela sucessão de seus pais e gravado com as cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade; que, por ocasião da aquisição mortis causa (R.4 e R.9), o bem não se comunicou com o seu cônjuge em virtude justamente das cláusulas impostas nos testamentos; que, com o falecimento de José Carlos, herdariam unicamente os descendentes (Victor e Camila), já que o cônjuge sobrevivente era casado pelo regime da comunhão universal de bens, e, nos termos do artigo 1.829, inciso I, do Código Civil, não herda; que a questão central que se eleva como obstáculo intransponível para acesso do título é o fato de que o cônjuge sobrevivente não pode ser considerado meeiro, tal e como consubstanciado na partilha decorrente do inventário extrajudicial; que, de fato, se há controvérsias acerca da concorrência do cônjuge com os descendentes (inc. I do art. 1.829 do CC), não pode haver qualquer dúvida a respeito da meação; que não havendo bens comuns, não se pode cogitar de meação; que, assim, à míngua do direito de meação em decorrência do regime de bens adotado (comunhão universal, com pacto antenupcial), seria possível, eventualmente, admitir a concorrência com os herdeiros descendentes por se tratar de bens particulares do de cujus; que, entretanto, não é isso que consta da escritura pública de inventário e partilha apresentada a registro; que, de fato, deduziu-se a meação e se levou a partilha ¼ para cada um dos herdeiros- filhos, sendo necessário alterar o plano de partilha em observância à lei; que, como salientado na nota devolutiva, incidirá o ITCMD na parte que eventualmente poderá caber ao cônjuge supérstite na condição de coerdeira ou de cessionária (fls. 01/06).

 

Documentos vieram às fls. 07/74.

 

Em impugnação apresentada nos autos, a parte suscitada alega que a questão central da presente dúvida consiste em definir se a cláusula de incomunicabilidade imposta pelos pais do de cujus em testamento impede a transmissão do bem por sucessão causa mortis à viúva meeira e herdeira; que a finalidade da cláusula de incomunicabilidade é proteger o patrimônio durante a vida do beneficiário, impedindo sua comunicação ao cônjuge em razão do regime de bens do casamento, não tendo o condão de afetar a transmissão causa mortis aos herdeiros necessários; que, no caso, embora o regime de bens fosse o da comunhão universal, a existência de bem gravado com cláusula de incomunicabilidade o torna particular, atraindo a incidência da regra geral de concorrência do cônjuge com os herdeiros; que o E. STJ já reconheceu o direito de concorrência do cônjuge sobrevivente sobre os bens particulares; que, neste caso, o cônjuge não terá direito a herança mas terá direito a meação justamente por já ser proprietário de 50% do patrimônio em comum conforme o artigo 1667 do Código Civil, ou seja, os outros 50% serão divididos entre os filhos ou ascendentes do falecido; que, portanto, no regime de casamento em que vigorar a comunhão universal de bens, no que tange ao direito sucessório o cônjuge sobrevivente não terá direito a herdar os bens em conjunto com os demais descendentes, pois é este declarado apenas meeiro sendo já titular de 50% dos bens do casal, não concorrendo na parte da herança sucessória; que, nestes termos, requer a improcedência da dúvida suscitada, determinando-se o registro da escritura de inventário e partilha na forma apresentada (fls. 15/20 e 75/80).

 

O Ministério Público ofertou parecer, opinando pela procedência da dúvida (fls. 84/86).

 

É o relatório. FUNDAMENTO e DECIDO.

 

Inicialmente, cumpre ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

 

No sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais. Assim, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

 

É o que se extrai do item 117, Cap. XX, das NSCGJ: “Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

 

No mérito, a dúvida é procedente.

 

No caso concreto, a parte suscitada pretende o registro de escritura pública de inventário e partilha dos bens deixados pelo falecimento de José Carlos da Silva Alho, lavrada em 05 de dezembro de 2024, pelo 2º Tabelião de Notas da Comarca de Guarulhos (livro 1.932, págs. 145/150), envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 65.040 do 5º Registro de Imóveis de São Paulo (fls. 07/12).

 

Consta da referida escritura que, por ocasião da abertura da sucessão, o autor da herança possuía, junto com a cônjuge supérstite, os bens imóveis da matrícula n. 65.040 do 5º RI e da matrícula 21.646 do 17º RI. Pelo item “6. Da Partilha e Pagamento dos Quinhões” constante do título, a totalidade do patrimônio inventariado monta em R$1.091.736,00, que excluindo a meação, perfez a metade ideal pertencente ao autor da herança de R$545.868,000, que foi assim partilhado: à viúva meeira, com quem o falecido era casado pelo regime da comunhão universal de bens, foi atribuída a metade ideal (1/2) da totalidade dos bens imóveis; ao herdeiro filho, Victor Ferrabrás Alho, foi atribuída a parte ideal correspondente a 1/4 dos bens imóveis; e à herdeira filha, Camila Ferrabrás Alho, foi atribuída a parte ideal correspondente a 1/4 dos bens imóveis. (fls. 07/12)

 

O Oficial apontou o óbice ao registro, observando que o imóvel objeto de partilha acha-se matriculado sob n. 65.040, de propriedade de José Carlos da Silva, gravado com cláusulas restritivas de incomunicabilidade e impenhorabilidade (Av.5 e Av.10). Assim, com fundamento nos artigos 1.668, inciso I, 1.829, inciso I, 1.832 e 1.845, todos do Código Civil; c/c artigos 195 e 237 da Lei n. 6.015/1973, formulou exigências para corrigir o título no que couber, respeitando a vontade das partes, revendo partilha e pagamentos feitos aos herdeiros, bem como comprovar o recolhimento do ITCMD, em decorrência da diferença no plano de partilha, havendo excesso de meação/quinhão na partilha.

 

Verifica-se da matrícula n. 65.040 que o imóvel, de propriedade de José Carlos da Silva, foi por ele adquirido pela sucessão de seus genitores, Anna Serrano Alho e Antônio da Silva Alho (R.4 e R.9, de 27 de outubro de 2023), e está gravado com cláusulas restritivas de incomunicabilidade e impenhorabilidade (Av.5 e Av.10, de 27 de outubro de 2023), em virtude dos testamentos deixados pelos pais.

 

Nota-se, assim, que por ocasião da aquisição “mortis causa” (R.4 e R.9, de 27 de outubro de 2023), José Carlos da Silva era casado sob o regime da comunhão universal de bens. No entanto, o bem não se comunicou com a cônjuge, justamente em razão das cláusulas restritivas impostas nos testamentos, nos exatos termos do que dispõe o inciso I do artigo 1.668 do Código Civil:

 

“Art. 1.668. São excluídos da comunhão:

 

I – os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar;”

 

Trata-se, à evidência, de bem excluído da comunhão resultante do regime de bens do casamento, sem direito à meação. Cabe lembrar que meação não é direito hereditário, mas matéria afeta ao direito de família, que não decorre da morte do “de cujus”.

 

Na escritura apresentada, porém, deduziu-se a meação e se levou a partilha 1/4 para cada um dos filhos herdeiros. Bem por isso, a exigência apontada pelo Oficial dever ser mantida, para a correção do plano de partilha em observância à lei.

 

Do mesmo modo, a exigência relativa à comprovação do recolhimento do ITCMD na parte que eventualmente poderá caber à cônjuge supérstite, na condição de coerdeira ou de cessionária.

 

Como se sabe, para os Registradores vigora ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (artigo 289 da Lei n. 6.015/1973; artigo 134, inciso VI, do CTN; e artigo 30, inciso XI, da Lei n. 8.935/1994).

 

Entretanto, o E. Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a fiscalização devida não vai além da aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo (e não se houve correto recolhimento do valor, sendo tal atribuição exclusiva do ente fiscal, a não ser na hipótese de flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo).

 

Nesse sentido, trago à baila os seguintes julgados do E. Conselho Superior da Magistratura, in verbis:

 

“REGISTRO DE IMÓVEIS. ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA. QUALIFICAÇÃO NEGATIVA. QUESTIONAMENTO A RESPEITO DA BASE DE CÁLCULO UTILIZADA PARA RECOLHIMENTO DO IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS – ITBI. ANÁLISE DO OFICIAL REGISTRADOR, NA MATÉRIA CONCERNENTE AO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO, QUE DEVE SE ATER AO SEU RECOLHIMENTO, SEM ALCANÇAR O VALOR NÃO CONFIGURAÇÃO DE FLAGRANTE IRREGULARIDADE NO RECOLHIMENTO PRECEDENTES DO C. CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA DÁ-SE PROVIMENTO À APELAÇÃO PARA JULGAR A DÚVIDA IMPROCEDENTE.” (TJSP; Apelação Cível 1014481-63.2023.8.26.0577; Relator (a): Fernando Torres Garcia (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de São José dos Campos – 8ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/12/2023; Data de Registro: 19/12/2023).

 

Nessa mesma linha, este Juízo vem decidindo pela insubsistência do óbice quando não caracterizada flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo (processos ns. 1115167-78.2019.8.26.0100, 1116491-06.2019.8.26.0100, 1059178-53.2020.8.26.0100, 1079550-52.2022.8.26.0100, 1063599-18.2022.8.26.0100, 1039109-29.2022.8.26.0100 e 1039015-81.2022.8.26.0100).

 

A propósito, o E. Conselho Superior da Magistratura, em voto proferido pelo Corregedor Geral da Justiça, Des. Francisco Eduardo Loureiro, já asseverou que: “As sucessões devem ser feitas corretamente, de modo individualizado, e, cumulados inventários, com declarações e partilhas feitas em separado e pagamento de tributos devidos para cada uma das hipóteses de incidência previstas em lei. As partilhas devem observar a ordem de falecimentos, a disponibilidade e o quinhão atribuído a cada sucessor, ressalvadas hipóteses de comoriência.” (CSMSP – Apelação Cível: 1110734-55.2024.8.26.0100; Localidade: São Paulo; Data de Julgamento: 05/12/2024; Data DJ: 12/12/2024; Relator: Francisco Loureiro).

 

Em suma, as exigências formuladas na nota de devolução do título (fls.61/62) devem ser mantidas.

 

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário.

 

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

 

Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C.

 

São Paulo, 25 de março de 2025.

 

Renata Pinto Lima Zanetta

 

Juíza de Direito(DJe de 27.03.2025 – SP)

 

Fonte: DJE