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TJ/SP – Campanha ‘Não se Cale’ reforça combate à violência contra crianças e adolescentes

12-06-2020

Subnotificação de casos durante quarentena motivou iniciativa.

                No último mês de abril, o número de processos de estupro contra crianças e adolescentes no Estado de São Paulo caiu 40% em comparação ao mesmo mês do ano anterior. 380 ações foram distribuídas em abril de 2019, contra 235 no mesmo período deste ano. A princípio, esses números poderiam ser motivo de comemoração, apontando para uma redução dos casos, mas são, na verdade, um sinal de alerta.

                Para a juíza Ana Carolina Della Latta Camargo Belmudes, responsável pelo Setor de Atendimento de Crimes da Violência contra Infante, Idoso, Pessoa com Deficiência e Vítima de Tráfico Interno de Pessoas (Sanctvs), do Fórum Criminal Ministro Mário Guimarães, os casos continuam ocorrendo, mas muitos não estão sendo notificados durante o período de quarentena. Ou seja, o isolamento social gerou um quadro de subnotificação, uma vez que, nesse período, jovens e crianças podem estar isoladas, dentro de suas casas, junto de seus agressores. “No caso dos estupros de vulneráveis, mais de 75% deles são praticados dentro de casa, por familiares e pessoas próximas, como pais, padrastos, avós, tios e vizinhos”, explica a magistrada.

                Não se Cale

                Preocupado com esse cenário, o TJSP lançou, no início de maio, a campanha ‘Não se cale!’ em seu site e redes sociais para alertar sobre os crimes, incentivar a denúncia e orientar como ela pode ser realizada. O projeto conta com parceria do grupo Palhaços sem Juízo, que produz vídeos de conscientização e reflexão sobre o tema. Antes da iniciativa, eles já atuavam em fóruns de São Paulo, humanizando o ambiente, especialmente em casos de depoimentos de crianças vítimas ou testemunhas de violência. Para romper o ciclo de violência, sobretudo nesse momento, Ana Carolina considera fundamental que familiares e vizinhos fiquem mais atentos e denunciem os casos, mesmo que seja uma mera suspeita. “Ainda que não haja comprovação do fato, é muito importante denunciar”, afirma a magistrada. “As denúncias são anônimas e, assim que são feitas, uma investigação é aberta justamente para que profissionais competentes e qualificados apurem os fatos.”

                Outro ponto importante é que muitos crimes são noticiados por professores, que acabam identificando mudanças de comportamento das crianças e dos adolescentes que podem estar relacionadas a abusos sexuais, o que faz das escolas veículos fundamentais na revelação dessas situações. Com aulas a distância durante a quarentena, essa percepção e até a denúncia de casos ficaram inviabilizadas.

                Café imaginário e carimbos gigantes

                O primeiro vídeo da campanha foi feito pela própria juíza Ana Carolina Della Latta, em sua casa. Nele, o ursinho Quim (mascote da campanha) percebe que algo estranho está acontecendo com ele e expõe sua preocupação: “Ninguém ouve? Ninguém vê? Estou sozinho. Será que vão acreditar em mim se eu contar?” Os elementos infantis chamam a atenção para o problema. Os demais vídeos foram todos produzidos pelo grupo Palhaços Sem Juízo, que busca tratar do tema de forma lúdica.

                Depois de 26 anos de experiência como atriz e palhaça no Doutores da Alegria (projeto que leva o humor para crianças internadas em hospitais), Soraya Saide conheceu o trabalho do Sanctvs e ficou impressionada com a intenção do Judiciário paulista em ouvir o depoimento das crianças nos processos das Varas da Infância e da Juventude. Assim, o grupo iniciou uma parceria com o Sanctvs em agosto de 2019 e, desde então, com aprovação da Coordenadoria da Infância e da Juventude do TJSP, ela e mais três atores trabalham no acolhimento de crianças e jovens vítimas de agressões no Fórum Criminal Ministro Mário Guimarães e no Foro Regional de São Miguel Paulista, para auxiliar no depoimento.     Os palhaços apresentam o Judiciário de forma lúdica, desconstruindo o ambiente naturalmente sisudo. Para os pequenos, pedem ajuda para marcar papéis com carimbos gigantes e convidam para tomar um cafezinho em mini xícaras. “Num fórum, a criança se sente uma estrangeira. Mas, quando ela vê um palhaço, intui que aquele lugar está preocupado com ela de alguma maneira”, explica Soraya. “A arte tem a capacidade de criar outras possibilidades. O trauma é grande, mas a vida pode seguir.”

                Como parceiros da nova campanha do TJSP, os Palhaços sem Juízo se valem de cursos e palestras e têm chancela da Lei Rouanet, pela qual conseguem patrocinadores. Com estes recursos próprios, o grupo cria e produz os vídeos para a campanha ‘Não se Cale’ sem qualquer ônus para o Poder Judiciário.

                Repercussão na mídia

                A campanha foi largamente divulgada pela mídia. Foi tema de reportagem em telejornais da TV Cultura, Rede Globo, SBT, Record e Bandeirantes, além dos jornais El País e Estadão e dos portais UOL, Conjur e Catraca Livre. A repercussão, além de levar a mensagem ao maior número de pessoas possível, abre caminho para novas parcerias que, nas palavras da juíza Ana Carolina Della Latta, “atuam como multiplicadores”.

                A mais recente foi celebrada com as operadoras de transporte público ligadas à Secretaria dos Transportes Metropolitanos (STM). Por meio dessa parceria, CPTM, Metrô, EMTU, Estrada de Ferro Campos do Jordão e as concessionárias ViaQuatro e ViaMobilidade, que operam as linhas 4-Amarela e 5-Lilás de metrô, respectivamente, afixaram cartazes de apoio à campanha ‘Não se Cale’ nas estações e terminais, além de usarem suas mídias eletrônicas para difundir a iniciativa. As empresas e a STM também divulgam a campanha em suas redes sociais com vídeos e postagens.

                “Por conta do isolamento social durante a pandemia, pessoas vulneráveis têm ainda mais dificuldade de buscar ajuda. Participar dessa campanha é importante para alertar as pessoas e difundir os canais de denúncia que podem salvar crianças e adolescentes de um destino perverso”, afirma o secretário dos Transportes Metropolitanos, Alexandre Baldy.

                Ana Carolina Della Latta revela que há a intenção de celebrar parceria com a Secretaria Estadual de Educação para levar a campanha às escolas, assim que as atividades forem retomadas, após a quarentena. “A escola é um parceiro muito importante no combate ao abuso sexual, pois é um dos principais denunciadores destes casos”, afirma a juíza, que vê no ambiente escolar um campo propício para a conscientização da própria criança com relação a abusos e violências que venha a sofrer ou esteja sofrendo. “Quanto mais educação, menos vulnerável ela estará.”

                Embora o projeto tenha sido pensado para o período específico da pandemia de Covid-19 e o decorrente isolamento social, a ideia é que se torne definitivamente uma agenda do TJSP. “Este tema ainda é um tabu. O assunto da violência infantil é desconfortável e as pessoas não gostam de falar disso, mas é necessário”, argumenta a magistrada. Para ela, a continuidade da campanha é importante para a conscientização da sociedade sobre a necessidade de se estar atento para o problema e para a relevância da denúncia. “Tenho convicção de que as pessoas estarão mais alertas com relação à violência infantil”, diz.

Onde Denunciar

Disque 100 – Mantido pelo Governo Federal, recebe, encaminha e monitora denúncias de violação de direitos humanos. A ligação pode ser feita de telefone fixo ou celular e é gratuita. Funciona 24 horas, mesmos aos finais de semana e feriados. A denúncia pode ser anônima.

Conselho Tutelar – É o principal órgão de proteção a crianças e adolescentes. Há conselhos tutelares em todas as regiões. A denúncia pode ser feita por telefone ou pessoalmente, e as unidades estão funcionando em horários diferenciados. É possível encontrar os contatos pela internet.

Delegacias de Polícia – Seguem abertas 24 horas. Tanto as delegacias comuns quanto as especializadas recebem denúncias de violência contra crianças e adolescentes.

Polícia Militar – Em caso de emergência, disque 190. A ligação é gratuita e o atendimento funciona 24 horas.

Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo