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STJ Jurisprudência: Regimes de resolução de instituições financeiras – Liquidação Extrajudicial
PROCESSO
REsp 1852165 / MG
RECURSO ESPECIAL
2019/0362773-6
RELATOR
Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA (1146)
ÓRGÃO JULGADOR
T4 – QUARTA TURMA
DATA DO JULGAMENTO
23/04/2024
DATA DA PUBLICAÇÃO/FONTE
DJe 30/04/2024
EMENTA
DIREITO EMPRESARIAL E FALIMENTAR. RECURSO ESPECIAL. FALÊNCIA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. REGIMES DE RESOLUÇÃO DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. PRÉVIA SUBMISSÃO A REGIME DE LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL. RISCO SISTÊMICO DE PREJUÍZOS SOCIOECONÔMICOS. PEDIDO DE FALÊNCIA PELO LIQUIDANTE. AUTORIZAÇÃO DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. ART. 21, ALÍNEA “B”, DA LEI 6.024/1976. ACIONISTAS EX-ADMINISTRADORES E CONTROLADORES. LEGITIMIDADE. ASSISTÊNCIA LITISCONSORCIAL SUI GENERIS. ART. 103 DA LEI N. 11.101/2005. FALÊNCIA COMO PROCESSO ESTRUTURAL. AUTORIZAÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL PARA O PEDIDO DE AUTOFALÊNCIA. ART. 122, IX, DA LEI N. 6.404/1976. DESNECESSIDADE. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. ATRIBUIÇÃO EXCLUSIVA DO LIQUIDANTE. TEORIA DA CAUSA MADURA. REQUISITOS. IMPOSSIBILIDADE DE REANÁLISE. CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7 DO STJ. RECURSO PROVIDO EM PARTE.
- Cinge-se a controvérsia jurídica a definir se os acionistas ex-administradores e controladores da instituição financeira têm legitimidade para intervir no processo de falência instaurado a pedido do liquidante e se há necessidade de previa autorização da assembleia geral.
- Instituição financeira submetida a regime especial de liquidação extrajudicial decretado pelo Banco Central do Brasil, fundado no comprometimento de sua situação econômico-financeira e na existência de graves violações às normas legais e estatutárias que disciplinam sua atividade, além da ocorrência de sucessivos prejuízos que sujeitavam seus credores quirografários a riscos anormais.
Posteriormente, devido à existência de integração, manifestada pela administração comum e pela relação de controle, foi decretada a liquidação extrajudicial, por extensão, a outras instituições financeiras.
- Em primeiro grau de jurisdição o processo foi extinto, sem resolução do mérito, em virtude da ausência de autorização da assembleia geral, nos termos do art. 122, IX, da Lei n. 6.404/1976.
Apelação dos acionistas ex-administradores e controladores, na qualidade de terceiros interessados, não conhecida.
- Admitida a existência de interesse jurídico apto a permitir a intervenção de terceiro pela assistência em qualquer fase do processo judicial, não se pode repeli-la em relação aos mesmos intervenientes na fase recursal, ao argumento de que não demonstrado o interesse jurídico. Ademais, a intervenção da falida – ou dos acionistas ex-administradores ou controladores – constitui modalidade de assistência litisconsorcial sui generis, em razão da possibilidade de colisão ou divergência com os interesses da massa.
- Os direitos do falido foram expressamente previstos no art. 103 da Lei n. 11.101/2005 porque, com a decretação da quebra, ele perde o direito de administrar seus bens ou deles dispor, passando a geri-los o administrador judicial nomeado pelo juiz ou, na hipótese de falência de instituição financeira, o liquidante previamente nomeado pelo Banco Central do Brasil.
5.1. Isso não significa, contudo, que o empresário ou sociedade falida sejam extintos ou percam a capacidade processual, tanto que os dispositivos legais em referência permitem fiscalizar a administração da falência, adotar providências necessárias para a conservação de seus direitos ou dos bens arrecadados ou ainda intervir nos processos em que a massa falida seja parte ou interessada.
- Não se pode recusar, outrossim, a legitimidade da falida ainda na fase cognitiva ou pré-falimentar. Com efeito, se a lei confere determinados direitos à massa falida no que tange à fiscalização da administração da massa e ao zelo pela conservação de seus direitos e bens arrecadados, com muito mais razão pode opor-se à própria decretação da falência, momento em que o Poder Judiciário se volta a verificar o estado patrimonial do devedor e a constatação da insolvência.
- Diversos efeitos jurídicos da quebra em relação aos acionistas ex-administradores e controladores revelam interesse jurídico em intervir no feito e impugnar a decretação da falência. Doutrina e precedentes do STJ.
- A falência constitui processo em que se relacionam múltiplos interesses que circundam a companhia e mesmo o interesse público de tutela do crédito e do saneamento do mercado em contraposição ao interesse da própria falida, muitas vezes colidente com o destino liquidatório, permitindo-se qualificá-la como processo estrutural, multifacetado e policêntrico, com interesses plurais e setoriais que demandam um desencadeamento decisório especial que contemple os diversos atores e perfis envolvidos. Nesse contexto, é imperioso reconhecer a legitimidade dos sócios e, sobretudo, dos administradores, para acompanhar o procedimento e conduzir seus interesses para que sejam sopesados na arena decisional.
- A criação de regimes de resolução específicos para as instituições financeiras – intervenção, liquidação extrajudicial e regime de administração especial temporária – justifica-se pela peculiar função que estas entidades exercem no sistema de crédito e sua liquidez. A legislação atribui um conjunto de prerrogativas e deveres ao Banco Central do Brasil para monitorar e assegurar o regular funcionamento das instituições que compõem o Sistema Financeiro Nacional, com procedimentos especiais no caso de riscos sistêmicos de prejuízos socioeconômicos, cabendo à autarquia a sua condução.
- O regime de liquidação extrajudicial constitui uma das modalidades do sistema de resolução das instituições financeiras, procedimento administrativo que se assemelha à falência – especialmente em razão de sua finalidade – e visa, por conseguinte, à remoção da instituição financeira e à paralisação de suas atividades.
- A decretação da liquidação extrajudicial implica, automaticamente, o afastamento dos administradores da instituição financeira (art. 50 da Lei n. 6.024/1976). Consequentemente, o pedido de falência da instituição financeira submetida a regime de liquidação extrajudicial compete exclusivamente ao liquidante, mediante autorização do Banco Central do Brasil, excluindo-se, a partir da decretação da liquidação, a legitimidade da própria instituição financeira, seus acionistas ou credores.
- Em se tratando de falência decorrente de anterior procedimento de liquidação extrajudicial, não há exigência da prévia autorização da assembleia geral, como prevê o art. 122, IX, da Lei n. 6.404/1976. A Lei n. 6.024/1976 é norma especial em relação à Lei n. 11.101/2005 – que prevê procedimentos recuperatório e liquidatório da generalidade das sociedades empresárias e empresários -, afastando-se, pelo princípio da especialidade e pelas peculiaridades dos procedimentos resolutórios das instituições financeiras, a disposição da legislação das companhias.
- O Tribunal a quo rechaçou a teoria da causa madura, prevista no art. 1.013, § 3º, do CPC/2015, determinando a devolução dos autos ao primeiro grau de jurisdição. Nesse contexto, “a verificação da presença dos requisitos configuradores da causa madura – consistente na circunstância de a instrução probatória estar completa ou ser desnecessária – demandaria o reexame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada na via estreita do recurso especial, ante o óbice da Súmula 7/STJ” (AgInt no REsp 1741282 / SP, Rel. Min. MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgamento 28/11/2022, DJe 02/12/2022).
- Ausência de cognição da matéria concernente aos requisitos do pedido de autofalência pelo Tribunal de origem que impede a apreciação da questão em recurso especial.
- Recurso provido em parte.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, em sessão de julgamento do dia 23/04/2024, por votação unânime, dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Maria Isabel Gallotti e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Raul Araújo.
Fonte: STJ Jurisprudência