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STJ Jurisprudência: Regimes de resolução de instituições financeiras – Liquidação Extrajudicial

09-05-2024

PROCESSO

REsp 1852165 / MG

 

RECURSO ESPECIAL

2019/0362773-6

 

RELATOR

Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA (1146)

 

ÓRGÃO JULGADOR

T4 – QUARTA TURMA

 

DATA DO JULGAMENTO

23/04/2024

 

DATA DA PUBLICAÇÃO/FONTE

DJe 30/04/2024

 

EMENTA

DIREITO EMPRESARIAL E FALIMENTAR. RECURSO ESPECIAL. FALÊNCIA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. REGIMES DE RESOLUÇÃO DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. PRÉVIA SUBMISSÃO A REGIME DE LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL. RISCO SISTÊMICO DE PREJUÍZOS SOCIOECONÔMICOS. PEDIDO DE FALÊNCIA PELO LIQUIDANTE. AUTORIZAÇÃO DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. ART. 21, ALÍNEA “B”, DA LEI 6.024/1976. ACIONISTAS EX-ADMINISTRADORES E CONTROLADORES. LEGITIMIDADE. ASSISTÊNCIA LITISCONSORCIAL SUI GENERIS. ART. 103 DA LEI N. 11.101/2005. FALÊNCIA COMO PROCESSO ESTRUTURAL. AUTORIZAÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL PARA O PEDIDO DE AUTOFALÊNCIA. ART. 122, IX, DA LEI N. 6.404/1976. DESNECESSIDADE. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. ATRIBUIÇÃO EXCLUSIVA DO LIQUIDANTE. TEORIA DA CAUSA MADURA. REQUISITOS. IMPOSSIBILIDADE DE REANÁLISE. CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7 DO STJ. RECURSO PROVIDO EM PARTE.

  1. Cinge-se a controvérsia jurídica a definir se os acionistas ex-administradores e controladores da instituição financeira têm legitimidade para intervir no processo de falência instaurado a pedido do liquidante e se há necessidade de previa autorização da assembleia geral.
  2. Instituição financeira submetida a regime especial de liquidação extrajudicial decretado pelo Banco Central do Brasil, fundado no comprometimento de sua situação econômico-financeira e na existência de graves violações às normas legais e estatutárias que disciplinam sua atividade, além da ocorrência de sucessivos prejuízos que sujeitavam seus credores quirografários a riscos anormais.

Posteriormente, devido à existência de integração, manifestada pela administração comum e pela relação de controle, foi decretada a liquidação extrajudicial, por extensão, a outras instituições financeiras.

  1. Em primeiro grau de jurisdição o processo foi extinto, sem resolução do mérito, em virtude da ausência de autorização da assembleia geral, nos termos do art. 122, IX, da Lei n. 6.404/1976.

Apelação dos acionistas ex-administradores e controladores, na qualidade de terceiros interessados, não conhecida.

  1. Admitida a existência de interesse jurídico apto a permitir a intervenção de terceiro pela assistência em qualquer fase do processo judicial, não se pode repeli-la em relação aos mesmos intervenientes na fase recursal, ao argumento de que não demonstrado o interesse jurídico. Ademais, a intervenção da falida – ou dos acionistas ex-administradores ou controladores – constitui modalidade de assistência litisconsorcial sui generis, em razão da possibilidade de colisão ou divergência com os interesses da massa.
  2. Os direitos do falido foram expressamente previstos no art. 103 da Lei n. 11.101/2005 porque, com a decretação da quebra, ele perde o direito de administrar seus bens ou deles dispor, passando a geri-los o administrador judicial nomeado pelo juiz ou, na hipótese de falência de instituição financeira, o liquidante previamente nomeado pelo Banco Central do Brasil.

5.1. Isso não significa, contudo, que o empresário ou sociedade falida sejam extintos ou percam a capacidade processual, tanto que os dispositivos legais em referência permitem fiscalizar a administração da falência, adotar providências necessárias para a conservação de seus direitos ou dos bens arrecadados ou ainda intervir nos processos em que a massa falida seja parte ou interessada.

  1. Não se pode recusar, outrossim, a legitimidade da falida ainda na fase cognitiva ou pré-falimentar. Com efeito, se a lei confere determinados direitos à massa falida no que tange à fiscalização da administração da massa e ao zelo pela conservação de seus direitos e bens arrecadados, com muito mais razão pode opor-se à própria decretação da falência, momento em que o Poder Judiciário se volta a verificar o estado patrimonial do devedor e a constatação da insolvência.
  2. Diversos efeitos jurídicos da quebra em relação aos acionistas ex-administradores e controladores revelam interesse jurídico em intervir no feito e impugnar a decretação da falência. Doutrina e precedentes do STJ.
  3. A falência constitui processo em que se relacionam múltiplos interesses que circundam a companhia e mesmo o interesse público de tutela do crédito e do saneamento do mercado em contraposição ao interesse da própria falida, muitas vezes colidente com o destino liquidatório, permitindo-se qualificá-la como processo estrutural, multifacetado e policêntrico, com interesses plurais e setoriais que demandam um desencadeamento decisório especial que contemple os diversos atores e perfis envolvidos. Nesse contexto, é imperioso reconhecer a legitimidade dos sócios e, sobretudo, dos administradores, para acompanhar o procedimento e conduzir seus interesses para que sejam sopesados na arena decisional.
  4. A criação de regimes de resolução específicos para as instituições financeiras – intervenção, liquidação extrajudicial e regime de administração especial temporária – justifica-se pela peculiar função que estas entidades exercem no sistema de crédito e sua liquidez. A legislação atribui um conjunto de prerrogativas e deveres ao Banco Central do Brasil para monitorar e assegurar o regular funcionamento das instituições que compõem o Sistema Financeiro Nacional, com procedimentos especiais no caso de riscos sistêmicos de prejuízos socioeconômicos, cabendo à autarquia a sua condução.
  5. O regime de liquidação extrajudicial constitui uma das modalidades do sistema de resolução das instituições financeiras, procedimento administrativo que se assemelha à falência – especialmente em razão de sua finalidade – e visa, por conseguinte, à remoção da instituição financeira e à paralisação de suas atividades.
  6. A decretação da liquidação extrajudicial implica, automaticamente, o afastamento dos administradores da instituição financeira (art. 50 da Lei n. 6.024/1976). Consequentemente, o pedido de falência da instituição financeira submetida a regime de liquidação extrajudicial compete exclusivamente ao liquidante, mediante autorização do Banco Central do Brasil, excluindo-se, a partir da decretação da liquidação, a legitimidade da própria instituição financeira, seus acionistas ou credores.
  7. Em se tratando de falência decorrente de anterior procedimento de liquidação extrajudicial, não há exigência da prévia autorização da assembleia geral, como prevê o art. 122, IX, da Lei n. 6.404/1976. A Lei n. 6.024/1976 é norma especial em relação à Lei n. 11.101/2005 – que prevê procedimentos recuperatório e liquidatório da generalidade das sociedades empresárias e empresários -, afastando-se, pelo princípio da especialidade e pelas peculiaridades dos procedimentos resolutórios das instituições financeiras, a disposição da legislação das companhias.
  8. O Tribunal a quo rechaçou a teoria da causa madura, prevista no art. 1.013, § 3º, do CPC/2015, determinando a devolução dos autos ao primeiro grau de jurisdição. Nesse contexto, “a verificação da presença dos requisitos configuradores da causa madura – consistente na circunstância de a instrução probatória estar completa ou ser desnecessária – demandaria o reexame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada na via estreita do recurso especial, ante o óbice da Súmula 7/STJ” (AgInt no REsp 1741282 / SP, Rel. Min. MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgamento 28/11/2022, DJe 02/12/2022).
  9. Ausência de cognição da matéria concernente aos requisitos do pedido de autofalência pelo Tribunal de origem que impede a apreciação da questão em recurso especial.
  10. Recurso provido em parte.

 

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, em sessão de julgamento do dia 23/04/2024, por votação unânime, dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Maria Isabel Gallotti e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Raul Araújo.

 

Fonte: STJ Jurisprudência