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STF determina mudança na Declaração de Nascido Vivo para incluir pessoas trans
O Supremo Tribunal Federal – STF decidiu que a Declaração de Nascido Vivo – DNV deve incluir os termos “parturiente/mãe” no lugar de apenas “parturiente”, após o parto de uma criança nascida viva. A decisão também estabelece a mudança do campo “responsável legal” para “responsável legal/pai”. O julgamento chegou ao fim em 17 de outubro.
A controvérsia se deu no contexto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 787, na qual a Corte determinou que o Ministério da Saúde deve garantir atendimento médico a pessoas trans e travestis em especialidades relativas ao sexo biológico. Segundo a decisão, todos os sistemas de informação do Sistema Único de Saúde – SUS devem ser alterados para assegurar à população trans o acesso pleno, em condições de igualdade, às ações e aos serviços de saúde.
Para a advogada Gisele Alessandra Szmidt e Silva, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a decisão representa um avanço na tutela dos direitos da população LGBTQIA+ e das diversas formações familiares. “O papel contramajoritário do STF mais uma vez se destaca ao assegurar o respeito às pluralidades de identidade de gênero, promovendo a dignidade e inclusão de grupos historicamente marginalizados”, afirma.
A especialista traça um paralelo entre a ADPF 787 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 4275, que, ao permitir a retificação do prenome e gênero em documentos oficiais, trouxe consequências inesperadas para herdeiros e até mesmo a perda de benefícios, como homens trans que, após a retificação, perderam a pensão paga a filhas e esposas de militares.
“Esses casos mostram que direitos adquiridos trazem obrigações, e em matéria de documentação, superar entraves burocráticos é necessário para acolher as pessoas e suas identidades de forma plena”, afirma.
No contexto da saúde, a decisão também destaca a importância de um atendimento multidisciplinar. A advogada defende que o sistema de saúde precisa estar preparado para acolher homens trans com útero, trompas, ovários, e mulheres trans que, por exemplo, possuem próstata e necessitam de exames urológicos.
“A principal medida é desvincular o sexo biológico do gênero e prestar os serviços adequados ao sexo biológico da pessoa, respeitando sua identidade de gênero”, esclarece.
Segundo ela, um dos maiores desafios enfrentados pelas instituições de saúde está relacionado à capacitação dos profissionais, muitos dos quais ainda não compreendem plenamente as questões de identidade de gênero.
“A resistência maior vem da falta de entendimento, e isso só será superado com cursos de capacitação e informes adequados”, pontua.
Além disso, entraves burocráticos nos sistemas eletrônicos e formulários são, para ela, problemas adicionais que precisam ser enfrentados para garantir que a dignidade e o respeito à diversidade humana prevaleçam em todos os níveis do atendimento.
Como foi o julgamento?
Em 2021, quando a ADPF foi apresentada, a DNV trazia o termo “mãe”, mesmo se um homem trans tivesse dado à luz. Em julho daquele ano, o relator da ação, ministro Gilmar Mendes, em decisão liminar, determinou que o Ministério da Saúde alterasse o documento para constar a categoria “parturiente”, independentemente dos nomes dos genitores de acordo com sua identidade de gênero.
Em julho de 2024, em sessão virtual, a ADPF foi julgada procedente. No voto, o ministro Gilmar Mendes observou que, após o ajuizamento da ação, o SUS mudou o cadastro do DNV e, com isso, considerou inicialmente que o STF não teria mais de discutir esse ponto.
Todavia, na proclamação do julgamento, na sessão de 18 de setembro passado, o ministro Edson Fachin ponderou que, como a troca se deu em caráter administrativo, poderia ser desfeita se não houvesse uma ordem judicial para torná-la obrigatória.
Na sessão do dia 17 de outubro, o ministro Gilmar Mendes reajustou o voto para que a DNV utilize as expressões “parturiente/mãe” e “responsável legal/pai”, no lugar de um único termo, como sugeriram os ministros André Mendonça e Nunes Marques. O colegiado entendeu que esse formato harmoniza direitos, ao não excluir pessoas que desejam constar como “mãe” e “pai” no documento.