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Rota Jurídica – Artigo: Publicidade e proteção de dados: valores constitucionais resguardados pela atividade notarial e registral – Por Silmar Lopes
A publicidade é uma palavra derivada do latim “publicus” e traduz a ideia daquilo que é relativo ao povo, ou seja, algo que não é privado, que não é sigiloso.
Um dos pilares de sustentação da atividade Notarial e Registral é exatamente o princípio da publicidade, previsto tanto na lei 6.015/73 quanto na lei 8.935/94 e que se materializa, em regra, com a emissão de certidões e, excepcionalmente, com a concessão de informações verbais todos àqueles que buscam informação relativa a algum ato notarial ou registral.
Pelos nobres ensinamentos do Ilustre Professor Vitor Frederico Kümpel, em se artigo intitulado “Publicidade passiva X publicidade ativa”¹, a publicidade ativa “é aquela na qual o registrador tem que ir ao encontro do particular a fim de garantir-lhe determinada informação” ao ponto que a publicidade passiva “é a situação em que o registrador aguarda a consulta a ser formulada na sua serventia”.
A publicidade nos atos notariais e registrais é ampla e abrange tanto a publicização (publicidade passiva) quanto a publicação (publicidade ativa).
Bem andou o legislador, na redação da lei 14.382/2022, ao utilizar o termo PUBLICIZAR² para se referir à publicidade passiva, enquanto que para a publicidade ativa, o melhor se utilizar é o termo PUBLICAR.
Apesar de ser um direito fundamental, a publicidade não é um direito absoluto e deve sempre estar em consonância com os demais valores constitucionais. Atualmente, um dos maiores desafios da aplicação da publicidade no âmbito notarial e registral, é a necessidade da proteção de dados que, com o advento da Emenda Constitucional 115/2022, se tornou um Direito Fundamental com previsão no artigo 5º, LXXIX. Vejamos:
LXXIX – é assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 115, de 2022)
Um fato interessante e que é imperioso salientar é o de que, quando da promulgação da Emenda Constitucional 115/2022, já havia sido editada e publicada a lei regulamentadora da proteção de dados. Trata-se da famigerada lei 13.709/2018, denominada de Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD. Temos aqui um raro caso em que uma norma constitucional de eficácia limitada já “nasceu” regulamentada.
Dada a importância da publicidade – ativa e passiva – no âmbito da atividade notarial e registral, um dos maiores desafios que vem sendo enfrentando pelos responsáveis pelas serventias, repita-se, é a adequação do exercício da atividade à proteção de dados.
Eis que estamos diante de dois axiomas constitucionais – publicidade e proteção de dados – e, ante tal situação, insuficientes são as técnicas de resolução de conflitos normativos aparentes (hierarquia, cronologia, especialidade), pois não são apenas regras, mas sim PRINCÍPIOS que, além da regra em si contida, possuem também uma alta carga valorativa em seu fundamento.
Este desafio, de garantir a publicidade e a proteção de dados, deve ser encarado, tanto pelos órgãos regulamentadores da atividade notarial e registral quanto pelos próprios responsáveis pelas serventias, com a utilização da TÉCNICA DA PONDERAÇÃO DE VALORES associada ao PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE.
A teoria do sopesamento ou pondereção, desenvolvida por Robert Alexy, foi brilhantemente sistematizada por Canotilho.
Eis a exposição de Canotilho:
“Os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não é cumprida (nos termos de Dworkin: aplicable in all-or-nothing fashion); a convivência dos princípios é conflitual (Zagrebelsky), a convivência das regras é antinómica; os princípios coexistem, as regras antinómicas excluem-se. Consequentemente, os princípios, ao constituírem exigências de optimização, permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem, como as regras, à ‘lógica do tudo ou nada’), consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes; as regras não deixam espaço para qualquer outra solução, pois se uma regra vale (tem validade) deve cumprir-se na exacta medida das suas prescrições, nem mais nem menos. Como se verá mais adiante, em caso de conflito entre princípios, estes podem ser objeto de ponderação e de harmonização, pois eles contêm apenas ‘exigências’ ou ‘standards’ que, em ‘primeira linha’ (prima facie), devem ser realizados; as regras contêm ‘fixações normativas’ definitivas, sendo insustentável a validade simultânea de regras contraditórias. Realça-se também que os princípios suscitam problemas de validade e peso (importância, ponderação, valia); as regras colocam apenas questões de validade (se elas não são correctas devem ser alteradas)” (2003, p. 1161-1162).
Conjuntamente com a teoria da ponderação dos valores, mister que se aplique, conjuntamente, o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, que consiste em atribuir, ao se interpretar as normas constitucionais, o sentido de maior eficácia, utilizando todas as suas potencialidades.
Logo, a publicidade e a proteção de dados não configura simplesmente de uma aparente antinomia jurídica ou um caso comum onde se pode afastar um princípio para que outro seja aplicado. Não é simplesmente escolher, em cada caso, ou a publicidade ou a proteção de dados, mas sim equalizar a aplicação destes dois princípios.
Trata-se de se buscar, em cada situação, a aplicação, até o limite máximo, a publicidade e a proteção de dados, devendo o responsável pela serventia, para tanto, se valer dos critérios de justiça e equidade, de forma prudente, para se chegar à melhor solução.
Por fim, ressalta-se que a atuação do notário e do registrador, essencialmente em casos em que envolva a necessidade desse tipo de atuação, deve ser pautada pela sua independência e, principalmente, pela coragem de decidir confiando em seu próprio senso de justiça e equidade.
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1 Disponível aqui. Acessado em 21/10/2022 às 16h 48min.
2 Artigo 1º; § 3º Os registros serão escriturados, publicizados e conservados em meio eletrônico, nos termos estabelecidos pela Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça, em especial quanto aos (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022)
*Silmar de Oliveira Lopes é advogado e professor.
Fonte: Rota Jurídica