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Rota Jurídica – Artigo: Cobrança de ITBI na compra e venda de imóvel rural: possíveis reflexos da nova decisão do STJ – Por Leonardo de Paula

07-03-2022

1. DO CONTEXTO FÁTICO

Tema bastante polêmico é o tal do ITBI.

De forma resumida, ITBI é aquele imposto cobrado pelos Municípios quando há a transmissão, de forma onerosa e entre vivos, de bens imóveis. Há outras hipóteses de incidência, mas, para o presente artigo, iremos nos ater a operação de compra e venda, apenas.

Assim, ao vender um imóvel, seja ele urbano ou rural, incidir-se-á o ITBI (imposto de transmissão sobre bens imóveis).

Salvo convenção em contrário, é de responsabilidade do comprador o pagamento de referido imposto.

Ademais, conforme reafirmado pelo STF quando do julgamento do Agravo em Recurso Extraordinário n° 1.294.969/SP, a cobrança do ITBI somente é devida quando da efetiva transferência da propriedade. Ou seja, ilegal é a cobrança na lavratura da escritura de compra e venda, por exemplo, sendo devida apenas no momento de seu registro.

Mas, quando se fala em ITBI, questão afeta que gera polêmica: qual a base de cálculo? Ou melhor, sobre qual valor o imposto deve ser cobrado?

Várias são, ou pelo menos eram, as situações: (i) o ITBI será cobrado sobre o valor venal do bem; (ii) o ITBI será cobrado sobre o valor real da operação; (iii) o ITBI será cobrado sobre o valor de mercado do bem e (iv) o ITBI, em se tratando de imóveis rurais, será cobrado pelo seu VTN. Enfim, essas e outras eram alguma das previsões municipais.

Acontece que, no último dia 24/02, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do REsp n° 1937821/SP, de relatoria do Ministro Gurgel de Faria, estabeleceu três conclusões, a saber:

a) “a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculado à base de cálculo do IPTU”;

b) “O valor da transação declarada pelo contribuinte goza de presunção de que é condizente com o valor de mercado e somente pode ser afastada pelo Fisco mediante regular instauração de processo administrativo próprio.”

c) “o município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI”.

Quais os possíveis reflexos dessas conclusões, nas operações de compra e venda de imóvel rural? É o que tentaremos apresentar.

2. DOS POSSÍVEIS REFLEXOS NAS OPERAÇÕES DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL RURAL

A primeira conclusão, ou tese estabelecida, foi de que a base de cálculo do ITBI não pode ser vinculada à base de cálculo do IPTU, leia-se: valor venal, e sim do valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado.
Pois bem.

Quanto a vinculação da base de cálculo ao valor do IPTU, tal qual não tem aplicação a imóveis rurais, por questões óbvias.

Mas, segundo o próprio STJ, o município “não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI”, isto é, não pode o município se valer, por exemplo, de pautas de referência, o que, na prática, era bem comum.

Alguns municípios possuíam uma pauta interna de valores e, consequentemente, a base de cálculo do ITBI já estava previamente arbitrada, antes mesmo da operação.

Por um lado, referida tese é vista com bons olhos.

Isso porque, na prática, os Municípios simplesmente arbitravam o valor que entendiam devido à título de base de cálculo, baseado em uma pauta de referência (que referência algum existia) e restava ao contribuinte apenas duas opções: submeter-se ao valor arbitrado ou gastar com laudos de avaliação, que, bem se sabe, são dispendiosos, a fim de desconstituir o valor, onde, na maioria das vezes, não obtinha êxito.

Por outro lado, alguns municípios utilizavam-se do VTN como referência para base de cálculo. Obviamente que o VTN é menor que o valor real do imóvel. Ou seja, por uma visão estritamente econômica, com certeza, seria melhor que a pauta de referência fosse utilizada, desde que, evidente, tal pauta fosse a do VTN!

Já em relação a outra premissa estabelecida, onde a base de cálculo deve ser aquela representativa do valor do imóvel “transmitido em condições normais de mercado”, duas situações possíveis podem surgir, no nosso entender:

A uma, o valor da operação é o valor sobre o qual o ITBI incidirá. Se eu vendi meu imóvel por X milhões, conforme escritura de compra e venda e/ou compromisso particular, é sobre esses X milhões que o imposto recairá.

A duas: mesmo que a operação, conforme contrato de compra e venda, tenha sido de X milhões, porém, o Fisco entenda que, em situações normais de mercado, não seria esse valor e sim Y milhões, é sobre Y milhões que o ITBI deve incidir. Porém, como decidiu o STJ, a declaração do contribuinte possui presunção de veracidade.

Assim, se o contribuinte declarou que a operação foi de tantos reais, tal qual há de prevalecer, até que o FISCO comprove o contrário, mediante instauração de processo administrativo fiscal, nos moldes do art. 148 do CTN.

Ou seja, o ônus da prova será do Município!

Na verdade, o ônus da prova é e sempre foi do Fisco, pois é ele o autor e, portanto, cabe a ele a prova do fato constitutivo do direito alegado[1].

Acontece que, na prática, não era o que acontecia.

Cabia ao contribuinte comprovar que o valor por ele declarado, de fato, representava a realidade, numa nítida inversão do ônus probatório.

Mas atenção: entendemos que o ônus da prova do Fisco deve ser no sentido de demonstrar que o valor da operação não foi aquele informado pelo contribuinte. Isto é, mesmo que o imóvel tenha sido vendido por um valor menor do que o “normalmente praticado no mercado”, é ele que deve prevalecer, desde que, de fato, tenha sido este o valor da operação.

3. CONCLUSÃO

Em resumo, num primeiro momento, são essas as consequências possíveis do novo entendimento do STJ:

i) não pode o Município se valer de pautas referenciais de valores;

ii) o valor declarado pelo contribuinte tem presunção de veracidade, cabendo ao Município fazer prova em sentindo contrário;

iii) que o valor a ser aplicado é o valor da operação, e não o valor que o Fisco entenda ser o valor “real de mercado”.

Aguardemos os próximos capítulos.

*Leonardo Scopel Macchione de Paula é advogado em Jataí (GO)

[1] MACHADO, Hugo de Brito em Mandado de Segurança em Matéria Tributária. Ed. Dialética, São Paulo, 2003. Pág. 272.

Fonte: Rota Jurídica