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Registro de imóvel não pode ser burocrático nem inseguro

21-02-2015

por Marcelo Guimarães Rodrigues

A edição da recente Lei 11.382, de 6 de dezembro de 2006, cuja entrada em vigor se deu em 22 de janeiro 1, com notável repercussão no registro imobiliário, ocorre em contexto no qual se evidencia, em primeiro plano, a preocupação do legislador em aprimorar a área da execução, justamente a que maior desgaste proporciona ao Judiciário, notadamente quando o título executivo é a sentença. Nela se constata com freqüência inconveniente, após anos de processo, o sentimento de frustração geral, seja da parte do credor, seja do magistrado, do advogado e da própria Justiça.

Com efeito, a um custo social altíssimo, movimenta-se a complexa e pesada máquina judiciária, demandando o precioso – porque escasso – tempo dos magistrados – às voltas com absurdas condições de trabalho – com as intermináveis idas e vindas da fase de cumprimento da sentença, quase sempre por força de simples despachos ordinatórios ou de mero expediente, dado o cunho predominantemente administrativo do processo executivo, em que raros são os atos com carga de jurisdição contenciosa. E o pior, geralmente, sem correspondência útil ao jurisdicionado, pelas conhecidas dificuldades em dar efetividade ao cumprimento de obrigações previamente declaradas ou constituídas pelo sistema legal vigente. Traduz-se em exemplo emblemático de ineficiência do aparelhamento público até então disponível para o efetivo exercício desta específica e importantíssima parcela da soberania estatal.

Assim, com o deliberado propósito de aparelhar o Judiciário de mecanismos formais, capazes de eliminar entraves burocráticos pré e coexistentes no plano dos ritos e procedimentos legais, profundas alterações são apresentadas ao livro II do Código de Processo Civil. Visam sua contextualização ao reclamo contemporâneo no qual a efetividade e celeridade do processo são içadas textualmente ao posto de princípio constitucional e irradiadas no inciso LXXVIII do artigo 5º da CR, a partir do marco histórico da EC 45, de 2005. Aliados a outros princípios igualmente relevantes, buscam oferecer ao jurisdicionado uma Justiça acessível, efetiva, justa e de duração razoável.

Neste descortino, adquire especial relevo a norma que visa destacar na execução a satisfação do credor, relativizando, em certos aspectos, o princípio de que se processará de forma menos gravosa em relação ao devedor (artigo 620 CPC), bem como promover o realinhamento das partes como autênticos protagonistas e não mero coadjuvantes do processo executivo, na medida em que são municiadas com poderes e deveres que lhes habilitam interagir, juntamente com o Estado-juiz, na definição do procedimento que levará à composição do conflito.

Dado que, por um lado, foi ampliado o prazo para pagamento, de 24 h para três dias, por outro, permite-se agora a realização da penhora e da avaliação em um mesmo ato; defere-se ao credor indicar já na inicial os bens a serem penhorados com preferência, admite-se a defesa do executado independentemente de penhora, depósito ou caução. Porém, via de regra, sem o atributo de suspender a execução, oficializou-se a penhora online de depósitos e aplicações financeiras e imprimiu-se agilidade à alienação judicial ao se permitir a venda por iniciativa particular ou por meio de agentes credenciados, estimulando a arrematação judicial, dentre outros aspectos.

O objetivo é claro, pois visa inverter uma lógica irracional, segundo a qual os autores de uma ação judicial não têm razão, até prova em contrário. Constata-se que o sistema processual é concebido para privilegiar o réu, que pode discutir, argumentar, recorrer, discutir novamente, retrucar, sem nada pagar, a um custo zero, pois nada indeniza o autor pela mora e demora do processo judicial, caso vencido, resultado perverso que vai de encontro ao que preconiza Chiovenda e obviamente gera descrédito ao aparelho judiciário, incrementa o custo das transações, desperdiça riquezas e semeia insegurança.

2. Prestigiar a tutela do terceiro de boa-fé é tendência contemporânea irreversível. Ruma nosso direito ao princípio absoluto da fé pública da inscrição?

A meu aviso, o que se percebe, de fato, é a constante, ainda que lenta, aproximação de nosso sistema jurídico ao denominado princípio da fé pública, proveniente do direito germânico, através do qual admite-se que a inscrição se torne saneadora em face do terceiro de boa-fé, que nela confiando, adquire o direito. Evidentemente que a adoção deste princípio importa, além da proteção do terceiro de boa-fé, imune que se torna à ação de retificação, no estímulo do comércio jurídico, o que se traduz em manifesta vantagem dos pontos de vista social e econômico.

Lembre-se que, no Brasil, por falta de apoio do registro fundiário, o Código Civil de 1916 adotou apenas o princípio da presunção (artigo 859), que, por não atingir o direito material, apenas o processual, inverte o ônus de prova. A regra foi na essência outra vez assimilada no parágrafo 1º do artigo 1.245 e no caput do artigo 1.247 do Código Civil de 2002. A sinalização do registro prevalece até que prova em contrário seja produzida, resguardando somente o interesse do titular do domínio, pois importa que nenhuma mutação jurídico-real se realize sem sua vontade, em detrimento da segurança do comércio.

Assim, diante da inexistência, à época da codificação de 1916, do fólio real e do cadastro, a regra possível foi tutelar o direito subjetivo ou a segurança jurídica, remanescendo como exceção a tutela do terceiro de boa-fé, ou a segurança do comércio.

Todavia, desde a Lei dos Registros Públicos (6.015)que entrou em vigor em 1976, cumpriu-se importante aperfeiçoamento técnico com a introdução em nosso direito registral do fólio real, em que cada matrícula corresponde a um imóvel e vice-versa, rompendo com o padrão dos antigos livros fundiários.

Pavimentado o caminho com a obrigatoriedade da matrícula, vicejou infra-estrutura legal para que nosso sistema registral incorporasse outras importantes providências necessárias a clarear as informações prestadas e fortalecer a segurança, entre as quais a mais recente, a Lei 10.267 de 2001. Passo a passo, como desdobramento lógico e natural, o próximo degrau em direção ao princípio absoluto da fé pública será promover, a partir do apoio oferecido por um cadastro verdadeiramente estruturado, sua necessária interconexão com o registro, pois enquanto este último recepciona direitos, respondendo às perguntas: quem é o proprietário? Como o imóvel foi adquirido? – o primeiro oferece solução a outras indagações, tais como, onde o imóvel está localizado?

Quanto mede?

As respostas, além de precisas, são necessárias para que se estabeleça a plena garantia sobre a efetiva correspondência entre a situação real e a situação registrada, de forma a abrandar a segurança jurídica que importa apenas ao titular do domínio, pela segurança do comércio, essa sim com potencial para irradiar efeitos multiplicadores na economia, tal qual se dá no direito alemão. Nesse sistema, o adquirente sempre faz a aquisição regular pelo verdadeiro proprietário e na eventualidade de isso não acontecer, acudirá em seu favor a indenização, que na Alemanha é de responsabilidade civil do Estado.

Em sintonia, a constante flexão que o processo civil experimenta desde a edição da Lei 8.853, de 1994, seguindo-se a reforma da Lei 10.144, de 2002, até o advento da Lei 11.382, de 2006, procura prestigiar exatamente a tutela do terceiro adquirente de boa-fé. Anote-se que mesmo o Código Civil de 2002 alça o princípio da boa-fé objetiva como norte a pautar as relações jurídicas (artigo 113) e cláusula geral em matéria de integração de contratos, relativamente a qual tem se admitido um efeito
expansivo para atingir inclusive as fases pré e pós-contratual (artigo 422).

Também o Código de Defesa do Consumidor confere especial relevo à boa-fé como princípio norteador da política nacional das relações de consumo (artigo 4º, III), traduzindo-se tal cenário em um concerto sistêmico de interação das legislações de direitos material e instrumental neste sentido.

Compreende-se que a evolução dos registros de imóveis implica a dispensa de mecanismos burocráticos, inseguros e custosos – tais como o instituto da fraude à execução – para aclarar a situação jurídica da propriedade e do alienante, ou mesmo para garantia de direitos provenientes de ações de conhecimento, execução, cautelares e outras de natureza administrativa, em proveito da segurança do comércio.

3. Princípio da concentração da matrícula e fim do clandestinismo jurídico: necessidades imperiosas de ontem e hoje para eliminar a opacidade do registro.

O princípio da concentração na matrícula que possibilite a averbação premonitória de todo e qualquer evento suscetível de afetar o direito de propriedade imobiliária – sinônimo de risco na aquisição imobiliária no registro, que deságua em ágio do preço – quando adotado em sua integralidade, abarcando inclusive ações administrativas de órgãos públicos, resultará em segurança jurídica completa para o tráfico jurídico-imobiliário. Implica a diminuição de custos, drástica redução na exigência de certidões e eliminação da prática de contratos de gaveta, cuja existência teimosamente é reconhecida em alguns casos, até mesmo quando há hipoteca anterior.

Sublinhe-se que a doutrina brasileira especializada há muito vem sustentando a imperiosa necessidade do acesso dos títulos judiciais ao registro, e desde Clóvis, Philadelpho Azevedo, Serpa Lopes, dentre outros grandes juristas pátrios, formula-se ações que visam obviar o ponto de fragilidade essencial do sistema, chamado de “clandestinismo jurídico”.

Busca-se combater os ônus ocultos, eliminar os gravames opacos, atacar as constrições que transcendem os limites subjetivos da lide, posto que repercutem perante terceiros, tomando de assalto o adquirente de boa-fé.

Em verdade, o acesso e publicidade registral de atos judiciais, consoante anotou Philadelpho Azevedo, têm previsão legislativa desde o Decreto 737, de 25/11/1850, que, além de determinar a ordem do juízo no processo comercial, assume especial relevo na compreensão das origens de outro instituto, qual seja, a fraude à execução, que a exemplo do samba e da caipirinha, porém não com o mesmo orgulho desses últimos, na opinião um tanto perplexa de Enrico Tullio Liebman, é criação genuinamente nacional, derivada de um sistema registral até certo ponto opaco e fissurado (cit. por Sérgio Jacomino. São Paulo: B.E. Irib 2.834, 8/2/07, p. 6).

Ultrapassada a situação verificada até o início do século XIX, na qual a propriedade imobilizada pertencia, há décadas, à mesma pessoa ou família e, por conseqüência, era excluída do mercado e não se tornava objeto de contratação, o que dispensava a necessidade de um registro, deparou-se a sociedade moderna com uma série de novas situações comuns que imbuíram, nos legisladores de então, a firme intenção de acabar com o clandestinismo jurídico, com suas hipotecas, constrições judiciais e ocultas onerações para o fim precípuo de blindar o tráfico jurídico-imobiliário da necessidade de se empreender uma peregrinação aos distribuidores e outras instâncias administrativas. Assim nasceu o sistema registral imobiliário, não apenas no Brasil, mas em várias partes do planeta.

Por isso, não se pode olvidar que o registro de todas as vicissitudes judiciais, que possam atingir terceiros, foi e continua sendo condição obrigatória para cumprir com os preceitos básicos dos registros públicos que são autenticidade, segurança, eficácia e publicidade de atos ou fatos jurídicos, blindando o tráfico-jurídico imobiliário desnecessários. Estas são as condições indispensáveis para se estabelecer um cenário favorável à promoção do crédito, atração de investimentos de capital, redução das taxas de juros, eliminação dos empréstimos usurários, simplificação dos procedimentos legais e, sobretudo, proteger as pessoas das fraudes na contratação imobiliária.

4. O artigo 615-A do CPC reflete a importância do registro imobiliário na geração e conservação de ambiente de segurança jurídica.

Em que nos interessa mais de perto, concebeu a Lei 11.382, de 2006, o artigo 615-A, do Código de Processo Civil, que outorga ao credor, munido de certidão comprobatória do ajuizamento da execução, a prerrogativa de averbá-la nos registros de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos à penhora ou arresto, destacando presumir em fraude à execução (artigo 593 CPC) a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação (parágrafo 3º).

Com efeito, a averbação na matrícula do imóvel, antes mesmo da penhora, da simples propositura de execução judicial, providência a cargo do exeqüente, resguarda o terceiro adquirente. Sua não ocorrência resulta em seu favor as presunções legais de boa-fé e da fé pública que emanam do registro, transferindo o ônus de destruir tais presunções ao credor negligente, especialmente quando referir-se à fraude à execução.

As transações imobiliárias ficaram mais seguras. A nova legislação representou um avanço histórico em prol da segurança do tráfico jurídico-imobiliário, resguardando o terceiro adquirente de boa-fé da perda do imóvel por desconhecer ações de execução de dívida contra o vendedor, passíveis de resultar em penhora do bem. Valorizou-se, assim, a chamada segurança jurídica preventiva.

O registro imobiliário desempenha papel importantíssimo para o desenvolvimento econômico e social do país, uma vez que proporciona segurança jurídica nas transações imobiliárias. E somente a partir de um ambiente juridicamente seguro é que se estabelece um cenário favorável para o desenvolvimento do mercado imobiliário, que por sua vez fomenta o crédito imobiliário, com efeito multiplicador e abrangente na atividade econômica como um todo.

Tenha-se em conta que, em termos econômicos, paga-se alto pela insegurança jurídica. Até então, constatava-se a progressiva redução no número de compradores e vendedores aptos a passar a escritura definitiva, valendo-se cada vez mais de outros instrumentos como contratos de gaveta e procuração sucessiva. A venda de imóveis esbarra na falta de liquidez, pois o negócio não é nem rápido, nem tão seguro, fruto de exigências exageradas, quantidade absurda de certidões, seja do vendedor, do comprador e do próprio imóvel, o que estimula a depreciação do valor do bem. Este cenário espelha um contra-senso que traz conseqüências econômicas perversas a um país que quer e precisa desenvolver seu mercado imobiliário, pois a lógica caminha em sentido inverso, na medida em que quanto mais custos de transações sejam poupados, mais transações ocorrerão e mais recursos serão canalizados para atividades produtivas.

5- Natureza Jurídica da Averbação Premonitória

A averbação premonitória, de que trata o referido dispositivo legal, é espécie do gênero inscrição declarativa, de cunho cautelar, que surge geralmente como incidente processual. Trata-se de casos avulsos de premonição de riscos em que os mais freqüentes são os constritivos (penhora, arresto e seqüestro) e os citatórios de ações reais e pessoais reipercussórias, mas também às vezes surgindo sob as roupagens de bloqueio da matrícula e de indisponibilidade de bens.

Na autorizada doutrina de Afrânio de Carvalho, “serve para divulgar riscos pendentes sobre direitos inscritos, inclusive o de iminente constituição de gravame, para o fim de chamar a atenção de terceiros acerca de pretensões adversas àqueles, pondo-os de sobr
eaviso quanto ao imóvel atingido por elas. Dada a sua finalidade de premonição de riscos, é chamada com toda a propriedade de inscrição preventiva” (em Registro de Imóveis: Rio de Janeiro, ed. Forense, 1997, p.147).

Trata-se do registro de atos acautelatórios, cujo objetivo é prevenir terceiros de ameaças à titularidade constante do registro, em virtude de atos judiciais ou negociais sob condição suspensiva, permitindo que se inteirem do risco do negócio, tendo por objeto tais imóveis, dentre os quais se situam referidos atos constritivos e outras hipóteses de oneração (artigo 246, caput, c.c. artigos 230, 235, parágrafo único e 247, todos da LRP), cabendo pontuar que nos termos da Lei 6.015, de 1973, diploma esse de cunho instrumental e de natureza pública e cogente, tais registros e averbações são de caráter obrigatório (artigos 169 e 167, I e II).

Com efeito, tanto a averbação referida no recente artigo 615-A do Código de Processo Civil, quanto as demais hipóteses anteriormente previstas na Lei dos Registros Públicos e outros dispositivos legais, tais como, exemplificativamente, nas Liquidações Extrajudiciais, na Lei de Falências e no Decreto-lei 58, de 1937 (artigo 2º, das disposições transitórias) apenas para citar alguns, referem-se a um mesmo rol, que tem por escopo não apenas advertir, prevenir e acautelar terceiros de boa-fé, mas também deflagrar importantes efeitos familiares aos registradores imobiliários, quais sejam, o de gerar oponibilidade e inoponibilidade no bojo de um inteligente sistema de presunções legais, cuja finalidade, em última instância, é inverter o ônus da prova. Porém, fazendo com o intuito maior de promover a boa-fé do terceiro adquirente, reforçando, em boa hora, o comércio jurídico, tendo em conta a grave repercussão que determinados atos jurídicos e certas vicissitudes judiciais podem produzir no tráfico-jurídico imobiliário. Assim, têm eficácia para inquinar de má-fé o respectivo adquirente, servindo de prova pré-constituída da sua fraude.

A rigor, desde o século XIX, o nosso sistema jurídico maneja tal instituto, a começar pelo Decreto 177-A, de 1893, artigo 4º e parágrafo 2º, passando pelo primeiro Regulamento dos Registros Públicos (Decreto 4.827, de 1924) e os que o sucederam (Decretos 18.542, de 1928 e 4.857, de 1939), até alcançar a vigente Lei 6.015, de 1973 (artigo 167, I e II, c.c. artigos 169 e 240), não sem mencionar os Códigos de Processo Civil de 1939 (artigo 348) e o atual (artigo 659, parágrafo 4º, com a redação que já lhe dera a Lei 8.953, de 1994).

Percebe-se, então, ser da tradição do Direito brasileiro recepcionar e inscrever no registro de imóveis determinados atos ou circunstâncias judiciais, tais como penhoras, arrestos, seqüestros, citações de ações reais e pessoais reipercussórias.

Portanto, equivoca-se, no particular, quem sustenta que a premonição de riscos foi introduzida em nosso direito pela Lei 11.382 de 2006; afirma que tal diploma tornou “mais explícito” o comando do artigo 240, da Lei 6.015, de 1973; ou ainda considerou a Lei 8.953, de 1994, responsável pela obrigatoriedade da inscrição da penhora no registro imobiliário.

6. Efeitos típicos da averbação premonitória: Publicidade e inversão do ônus de prova. Presunção relativa. Oponibilidade e inoponibilidade: Duas faces da mesma moeda.

Como se sabe, o registro público é o único serviço estatal inteiramente comprometido com a consecução das garantias da publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos (CR, artigo 236; LRP, artigo 1º; Lei n. 8.935, de 1994, artigo 1º).

O registro no sistema brasileiro cria presunção relativa de verdade. Não dá autenticidade ao negócio causal ou ao fato jurídico de que se origina. Autenticidade é a qualidade daquilo que é confirmado por ato de autoridade e deriva do poder certificante que à autoridade é inerente.

É um dos objetivos dos registros públicos proporcionar segurança às relações jurídicas, a partir do aprimoramento de seus sistemas de controle, especialmente com a obrigatoriedade das remissões recíprocas, criando uma rede fina, atualizada e completa de dados e informações. É por meio da publicidade oponível a todos os terceiros, que os registros públicos podem afirmar a boa-fé dos que praticam atos jurídicos, amparados na presunção de certeza irradiada a partir de tais registros. Publicidade é elemento essencial dos registros públicos, diante de certos atos ou fatos da vida civil jurídica. É obrigatória por exigência legal, conforme já anotado, nos registros e averbações relativos a imóveis (artigo 167, I e II, c.c. artigo 169, LRP).

Neste contexto, entendo que a eficácia da publicidade registral independe de outras instâncias, como por exemplo, dos distribuidores, já que garantir a publicidade e eficácia dos atos jurídicos são atributos e fins específicos, exclusivamente, dos registros públicos. Natural, portanto, que a averbação premonitória da propositura da ação de execução dispense a apresentação das certidões dos distribuidores cíveis das Justiças Estadual e Federal, sejam comum ou especiais, bem como das Fazendas Públicas, sob pena de se introduzir um paradoxo no sistema.

Observo que, em momento algum, a Lei instituiu os Foros e Tribunais como órgãos de publicidade, pelo contrário, dado que os atos judiciais, via de regra, produzem efeito apenas em relação aos sujeitos da respectiva relação jurídico-processual, não beneficiando nem prejudicando terceiros (artigo 472, primeira parte, CPC), algumas das quais, diga-se de passagem, tramitam inclusive em segredo de Justiça, por força de lei.

Parece absolutamente claro que o artigo 615-A, do Código de Processo Civil, atribui exclusivamente ao credor o ônus de averbar a propositura da ação executiva perante o fólio real, somente a partir da qual, operando a publicidade efeito erga omnes, poupa as partes da impensável via crucis de buscar em todas as Justiças, Foros e Tribunais do País a existência de alguma ação.

O efeito prático é não mais se considerar essencial a apresentação de certidões dos distribuidores cíveis e fiscais, previstas na Lei 7.433, de 1985, e seu Decreto regulamentador 93.241, de 1986, para a lavratura da pública forma. O mesmo vale para os registros do parcelamento do solo e da incorporação imobiliária, dado que o adquirente de boa-fé é mantido na propriedade sem riscos. Em que pese a imensa maioria das transações imobiliárias já se faziam com a dispensa dos distribuidores, assumindo os contratantes a responsabilidade.

Em outro giro, consumada a averbação, forra-se o credor da presunção inerente ao registro público, oponível a terceiros no tocante a premonição do risco de fazer negócio com o imóvel, dada a ameaça à titularidade constante do registro. É a nota não só de publicidade, mas de eficácia contra terceiros, objetivos precípuos da legislação concernente aos registros públicos (artigo 1º LRP). Como toda presunção – esta não é diferente – representa uma ilação criada pela lei para, a partir de um fato conhecido firmar outro desconhecido. Quem a tem a seu favor fica escusado de provar o fato a que ela conduz. E tratando-se – como aqui – de presunção relativa, inverte-se o ônus processual da prova em desfavor daquele que pretende infirmar a exatidão do registro.

O outro lado da mesma moeda, implicando a inação do credor, gera a inoponibilidade de sua pretensão, dado que a presunção de boa-fé será deslocada em prol do terceiro, forrando sua aquisição, suportando, assim, o exeqüente o ônus de sua negligência traduzido no dever de provar a má-fé do terceiro adquirente do imóvel.

Neste sentido, parafraseando um notório comentarista de futebol, a regra é clara: os fatos sujeitos ao registro e não registrados são inoponíveis a terceiros, atribuindo-lhes a presunção de boa-fé.

7.Casuísticas do art. 615-A do CPC.

7.1. O fet
ichismo do processo e a antecipação do momento em que a fraude à execução é presumida.

Reflexo de uma cultura jurídica discutível, que não cabe aqui analisar, valoriza-se em nosso país mais o processo do que as relações negociais típicas ou mesmo a legislação concernente aos registros públicos, que também é de ordem instrumental, além de pública e cogente.

Veja-se que foi necessário o Código de Processo Civil sofrer a intervenção da Lei 8.953, de 1994, para alguns destacarem que o registro da penhora passara a ser obrigatório e que sua falta importaria em fraude à execução. Ainda assim, conforme anota Décio Antônio Erpen, professor, advogado e desembargador aposentado do TJ-RS, chegando mesmo a comparar o processo ao Alcorão, “muitos credores desidiosos e omissos foram vencedores nos pleitos judiciais, como autêntica loteria jurídica. Nunca o Direito foi tão injusto para milhares de contratantes de boa-fé, como no instituto da fraude à execução. Prestigiou-se o processo e a suposta dignidade da jurisdição, gerando-se a insegurança jurídica, olvidando-se que a segurança jurídica é um dos valores supremos do direito” (Das novas regras da execução e o registro imobiliário: Porto Alegre, Revista do Advogado, março de 2007, 90, p. 22/33. Os grifos são do original).

Revista Consultor Jurídico, 11 de julho de 2007

Sobre o autor

Marcelo Guimarães Rodrigues: é desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.