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Opinião – Consultoria em Direito Minerário é importante na negociação de imóveis – por Talden Farias e Pedro Ataíde

13-03-2018

A consultoria em Direito Minerário raramente é utilizada nos contratos de compra e venda de imóveis, inclusive os rurais, cuja extensão (e, por conseguinte, a probabilidade de existência de jazida) costuma ser maior. Entretanto, a eventual existência de atividade mineral pode alterar substancialmente o valor e a destinação do bem, de maneira que o serviço parece pertinente.

É sabido que o exercício da mineração (com a única exceção do regime de licenciamento[1]) independe de consentimento do proprietário do imóvel em que estiver localizada a jazida, pois esta pertence à União. Contudo, isso não quer dizer que o minerador pode ingressar na propriedade alheia de forma desmedida e aleatória, sem qualquer “satisfação” ao proprietário do solo.

Com efeito, embora a mineração seja dotada de utilidade pública e de interesse nacional[2] e possua inquestionável relevância econômica e social[3], a sua realização não poderá ignorar a propriedade, pois também se trata de direito assegurado constitucionalmente[4]. Comumente, fala-se que o solo pertence ao proprietário, e o subsolo, à União; tal afirmativa, contudo, é equivocada. Nos termos do artigo 1.229 do Código Civil, “a propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidades úteis ao seu exercício”. A União, na verdade, é titular do domínio sobre as jazidas que possivelmente existam no solo ou no subsolo, tanto que os minérios que ocorrem na superfície terrestre (como a areia e a argila) também constituem bens da União.

Durante a fase de pesquisa mineral[5], o proprietário do imóvel em que estiver situada a jazida tem direito a receber indenização pelos danos previamente identificados e renda pela ocupação da área. Para tanto, o minerador deverá procurar o proprietário no intuito de firmar acordo acerca de tais valores e do modo de pagamento. Se não houver consenso, a Agência Nacional de Mineral (ANM) enviará ofício ao juiz da comarca (Justiça comum estadual) para que este arbitre os valores, nos termos do artigo 27 do Código de Mineração. Após essa etapa, o minerador deverá depositar em juízo os valores estabelecidos em sentença, e, ato contínuo, o proprietário/posseiro será intimado para permitir que o minerador ingresse na área e promova os trabalhos de pesquisa (podendo existir auxílio da autoridade policial local em caso de resistência, oposição ou descumprimento da decisão judicial). A renda não poderá exceder o rendimento líquido máximo do espaço territorial a ser ocupado; por sua vez, a indenização não poderá ser superior ao valor venal da propriedade ocupada[6].

Já na fase de lavra (efetiva extração do minério), o proprietário do imóvel em que estiver localizada a jazida fará jus ao recebimento de indenização, renda e participação nos resultados da lavra; os valores desta última serão devidos após a negociação do minério (primeira venda, arrematação, primeira aquisição ou consumo) e variarão de acordo com a substância mineral e com o volume extraído. É importante mencionar que a indenização a que se refere o presente texto é oriunda dos danos previamente identificados; eventuais danos ocorridos no decorrer da atividade mineral deverão merecer indenização própria, que será apurada à parte. Também não se confunde com a recuperação da área degradada, porque essa já é uma obrigação constitucional (artigo 225, parágrafo 2º) imposta ao minerador[7].

É nesse contexto que se vislumbra a importância da consultoria em Direito Minerário durante a aquisição/alienação de imóveis. Não são raras as vezes em que a área de determinada propriedade está sendo objeto de direitos minerários, e o respectivo proprietário ainda não tomou ciência do fato, o que se dá normalmente apenas quando os trabalhos exigem o ingresso no imóvel. Nesse sentido, o advogado mineralista poderá informar, com precisão (a partir de documentos e de dados georreferenciados), se o imóvel objeto de negociação está ou não onerado por tais títulos. Também poderá consultar os processos administrativos e mencionar a fase em que se encontra, bem como se existe expectativa próxima para a realização de atividade minerária efetiva no local.

Acrescente-se que não apenas o local exato da jazida estará sujeito à servidão mineral, mas também as estruturas acessórias, como vias de transporte, linhas de comunicação, oficinas e moradia. A atividade minerária deve ser considerada de maneira ampla, uma vez que essa estrutura é indispensável ao seu adequado desenvolvimento. Nas poligonais da jazida, o próprio título minerário enseja acordo ou avaliação judicial para fins de servidão mineral; já nas estruturas acessórias da mina, a servidão dependerá de delimitação pela ANM, após análise do requerimento do minerador[8].

Destarte, o valor e a destinação do imóvel irão variar bastante. Se o comprador estivesse adquirindo área com baixo potencial produtivo, a mineração poderá ser considerada um atrativo no valor do bem; isso porque serão pagos indenização, renda e participação nos resultados da lavra (se o empreendimento houver alcançado a fase de extração).

Por outro lado, se o pretenso adquirente do imóvel tiver a pretensão de instalar um complexo industrial ou qualquer outra atividade de considerável valor agregado, a oneração por direitos minerários possivelmente será um empecilho; isso porque a mineração terá prevalência em relação aos interesses privados do proprietário. Ou seja, bastará a existência de título minerário que a área será ocupada pela atividade. Em tais casos, é possível que a ocupação do imóvel perdure por décadas, até a exaustão da mina. Dependendo da forma em que for feita a pesquisa ou extração, e das peculiaridades do caso concreto, a mineração poderá conviver, no mesmo imóvel, com outras atividades econômicas desempenhadas pelo minerador ou pelo superficiário.

O advogado mineralista poderá alertar o cliente a respeito da possibilidade de existência de minerais na sua propriedade, caso ele conheça o potencial da região em questão ou apenas vislumbre a existência de muitos títulos minerários no entorno. Se houver interesse, o causídico vai apresentá-lo aos profissionais corretos, como consultores na área de mineração e de meio ambiente (geólogos, engenheiros de minas, engenheiros ambientais etc.), que poderão viabilizar a empreitada.

O advogado também poderá sugerir o aproveitamento dos minerais de uso imediato na construção civil (areia, cascalho e brita) na própria construção que o cliente pretende levar adiante ou em obra de terceiros. No caso da implementação de um condomínio horizontal ou de um loteamento, ele pode sugerir a exploração do mineral antes da implementação do empreendimento, impedindo assim que se perca a jazida, uma vez que muitos desperdícios ocorrem por falta de pesquisa mineral.

A respeito da importância do jurista minerário, vale dizer também que a existência de títulos minerários, ainda que de terceiros, pode servir como argumento para tentar impedir a desapropriação da área para fins de reforma agrária. Com efeito, é de se questionar se a propriedade onde a atividade minerária está ocorrendo (ou em vias de ocorrer) cumpre ou não a sua função social, mormente em função do status constitucional da atividade.

Isso significa que um bom trabalho de consultoria jurídica imobiliária não poderá deixar de levar em consideração a incidência ou não de direitos minerários sobre o imóvel, especialmente quando se tratar de imóveis rurais.

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Nosso agradecimento ao consultor minerário Manoel Régis de Moura Neto, que fez a gentileza de ler e de contribuir para o aprimoramento do presente artigo.

[1] Os regimes de aproveitamento das substâncias minerais são os processos administrativos que têm “como objetivo a outorga de títulos minerários, conferidos ou registrados pelo DNPM/MME [leia-se: ANM/MME] no exercício da regulação minerária” [ATAÍDE, Pedro. Direito Minerário. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 157]. O art. 2º do Código de Mineração traz os seguintes regimes: autorização, concessão, licenciamento, permissão de lavra garimpeira, monopolização e registro de extração. Os regimes mais comuns são os dois primeiros (autorização para a fase de pesquisa e concessão para a etapa de lavra), já que podem ser utilizados na maior parte das substâncias minerais. O regime de licenciamento, em geral, dispensa a fase prévia de pesquisa; por isso, possui algumas limitações: é restrito a poucas substâncias minerais (em sua maioria agregados da construção civil), bem como exige licença exarada pela autoridade municipal e anuência do proprietário do imóvel em que realizada a atividade.

[2] Constituição Federal de 1988: “Art. 176 […] § 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o “caput” deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas” (Redação dada pela Emenda Constitucional 6, de 1995).

[3] “Os recursos minerais são bens de suma importância ao desenvolvimento econômico, social e político de qualquer país. Diferentemente do imaginário popular, a atividade minerária não se restringe às pedras preciosas, mas abrange a água mineral, os agregados da construção civil (areia, cascalho, brita, caulim etc.), calcário, mármore, ferro, terras raras, minerais energéticos (a exemplo de petróleo, urânio e gás natural), dentre outros. Dessa forma, grande parte dos bens de consumo existentes no mundo depende direta ou indiretamente dos minérios. […] No Brasil, o setor mineral foi responsável por 23,5% das exportações nacionais no ano de 2013, sem o qual a balança comercial fecharia o ano com déficit de aproximadamente US$ 25 bilhões” [ATAÍDE, Pedro. Direito Minerário. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 36-38].

“O combate à fome depende da agricultura e esta dos fertilizantes. Também dependem de produtos minerais a habitação, o saneamento básico e as obras de infra-estrutura viária, os meios de transportes e de comunicação. Para os padrões, métodos e processos de desenvolvimento econômico e social, com qualidade ambiental, hoje existentes no mundo, a disponibilidade de bens minerais é simplesmente essencial: não há progresso sem a mineração e seus produtos [SOUZA, José Mendo Mizael de.Brasil, país mineiro. In: SOUZA, M. G. (coord.). Direito Minerário aplicado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 29-30].

[4] Constituição Federal de 1988: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] XXII – é garantido o direito de propriedade”.

[5] Código de Mineração: “Art. 14 Entende-se por pesquisa mineral a execução dos trabalhos necessários à definição da jazida, sua avaliação e a determinação da exequibilidade do seu aproveitamento econômico”.

[6] Código de Mineração: “Art. 27. O titular de autorização de pesquisa poderá realizar os trabalhos respectivos, e também as obras e serviços auxiliares necessários, em terrenos de domínio público ou particular, abrangidos pelas áreas a pesquisar, desde que pague aos respectivos proprietários ou posseiros uma renda pela ocupação dos terrenos e uma indenização pelos danos e prejuízos que possam ser causados pelos trabalhos de pesquisa, observadas as seguintes regras: I – A renda não poderá exceder ao montante do rendimento líquido máximo da propriedade na extensão da área a ser realmente ocupada; II – A indenização por danos causados não poderá exceder o valor venal da propriedade na extensão da área efetivamente ocupada pelos trabalhos de pesquisa, salvo no caso previsto no inciso seguinte; III – Quando os danos forem de molde a inutilizar para fins agrícolas e pastoris toda a propriedade em que estiver encravada a área necessária aos trabalhos de pesquisa, a indenização correspondente a tais danos poderá atingir o valor venal máximo de toda a propriedade; IV – Os valores venais a que se referem os incisos II e III serão obtidos por comparação com valores venais de propriedade da mesma espécie, na mesma região; V – No caso de terrenos públicos, é dispensado o pagamento da renda, ficando o titular da pesquisa sujeito apenas ao pagamento relativo a danos e prejuízos; VI – Se o titular do Alvará de Pesquisa, até a data da transcrição do título de autorização, não juntar ao respectivo processo prova de acordo com os proprietários ou posseiros do solo acerca da renda e indenização de que trata este artigo, o Diretor-Geral do D. N. P. M., dentro de 3 (três) dias dessa data, enviará ao Juiz de Direito da Comarca onde estiver situada a jazida, cópia do referido título; VII – Dentro de 15 (quinze) dias, a partir da data do recebimento dessa comunicação, o Juiz mandará proceder à avaliação da renda e dos danos e prejuízos a que se refere este artigo, na forma prescrita no Código de Processo Civil; VIII – O Promotor de Justiça da Comarca será citado para os termos da ação, como representante da União; IX – A avaliação será julgada pelo Juiz no prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados da data do despacho a que se refere o inciso VII, não tendo efeito suspensivo os recursos que forem apresentados; X – As despesas judiciais com o processo de avaliação serão pagas pelo titular da autorização de pesquisa; XI – Julgada a avaliação, o Juiz, dentro de 8 (oito) dias, intimará o titular a depositar quantia correspondente ao valor da renda de 2 (dois) anos e a caução para pagamento da indenização; XII – Feitos esses depósitos, o Juiz, dentro de 8 (oito) dias, intimará os proprietários ou posseiros do solo a permitirem os trabalhos de pesquisa, e comunicará seu despacho ao Diretor-Geral do D. N. P. M. e, mediante requerimento do titular da pesquisa, às autoridades policiais locais, para garantirem a execução dos trabalhos; XIII – Se o prazo da pesquisa for prorrogado, o Diretor-Geral do D. N. P. M. o comunicará ao Juiz, no prazo e condições indicadas no inciso VI deste artigo; XIV – Dentro de 8 (oito) dias do recebimento da comunicação a que se refere o inciso anterior, o Juiz intimará o titular da pesquisa a depositar nova quantia correspondente ao valor da renda relativa ao prazo de prorrogação; XV – Feito esse depósito, o Juiz intimará os proprietários ou posseiros do solo, dentro de 8 (oito) dias, a permitirem a continuação dos trabalhos de pesquisa no prazo da prorrogação, e comunicará seu despacho ao Diretor-Geral do D. N. P. M. e às autoridades locais; XVI – Concluídos os trabalhos de pesquisa, o titular da respectiva autorização e o Diretor-Geral do D. N. P. M. Comunicarão o fato ao Juiz, a fim de ser encerrada a ação judicial referente ao pagamento das indenizações e da renda”.

[7] “O fato de a atividade minerária independer da vontade do superficiário […] é um motivo a mais para tamanha cautela, uma vez que os não proprietários tendem a ser mais descuidados com a terra” [FARIAS, Talden. A atividade minerária e a obrigação de recuperar a área degradada. Revista de Direito Ambiental, vol. 79, ano 20, p. 157-187. São Paulo: Ed. RT, jul.-set. 2015, p. 171].

[8] FREIRE, William. Avaliação judicial de rendas e danos para pesquisa e lavra. In: AZEVEDO, M.; HONÓRIO, P.; MATTOS, T.; FREIRE, W. (coord.). Direito da mineração: questões minerárias, ambientais e tributárias. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017, p. 60.

 

Talden Farias é advogado e professor da UFPB, mestre em Ciências Jurídicas (UFPB), doutor em Recursos Naturais (UFCG) e em Direito da Cidade (Uerj). Autor de publicações nas áreas de Direito Ambiental e Minerário.

Pedro Ataíde é advogado, mestre em Ciências Jurídicas (UFPB) e autor de publicações nas áreas de Direito Ambiental e Minerário.

Fonte: Conjur