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O Estado de S.Paulo – Artigo: Uma importante mudança no registro de pessoas – Por Rogério Tadeu Romano
I – O NOME CIVIL
Dispõe o artigo 16 do Código Civil que toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome. O nome é o sinal que caracteriza o indivíduo na família e na sociedade e o diferencia, ao lado de outros elementos de individualização, dos demais membros do grupo.
O direito ao nome é um direito subjetivo extrapatrimonial de objeto imaterial.
Serpa Lopes (Tratado dos Registros Públicos, 1960: 167) lecionou: “Não é possível, porém, deixar de considerar que o nome, com o ser um direito, é simultaneamente uma obrigação. Nele colabora um interesse social da maior relevância. Se, de um lado, o interesse individual atua para identificação da pessoa, quer por si só, quer como membro de uma família, por outro lado, há um interesse social na fixação dessa identidade, em relação aos que venham ter relações jurídicas com o seu portador”.
Em artigo onde aborda o tema, Clovis Mendes (O nome civil da pessoa Natural, Ius Navigandi), estudando sobre os elementos constitutivos do nome, disse:
“Podemos classificar os elementos que compõem o nome civil em principais ou fixos e secundários ou circunstanciais ou contingentes. Aqueles são elementos que dão fundamento ao nome, para que atinja sua finalidade básica. Inclui-se, a teor do artigo 16 do Código Civil, o prenome e o sobrenome (também denominado nome ou apelido de família e patronímico). No segundo grupo encontramos o agnome, o cognome (ou alcunha, apelido, hipocorístico, do gr. hypokoristikón). O pseudônimo também é considerado por certos autores, como elemento secundário. Existiria, na composição do nome, segundo alguns estudiosos do assunto, outra categoria na qual se incluem os títulos de nobreza (barão, duque, conde, visconde, marquês, príncipe), os títulos de honra (cavaleiros da Ordem X, comendador), título religioso (papa, arcebispo, cardeal, bispo, monsenhor, cônego, irmão, irmã, frei), título acadêmico (professor, doutor, mestre) e qualificativo de função oficial (presidente, deputado, senador, procurador).”
O prenome é o nome próprio ou nome de batismo, escolhido pelos pais por ocasião do registro de nascimento, para individualizar seu portador.
O sobrenome serve para indicar a procedência da pessoa. Será simples, quando provir apenas do sobrenome materno ou paterno e composto quando provir de ambos. Mas a lei não impõe o uso do sobrenome de ambos os pais.
Por sua vez, o agnome é o sinal que se acrescenta ao nome. Assim, temos expressões como filho, júnior, Neto e sobrinho.
II – A POSSIBILIDADE DE MUDANÇA DO PRENOME E SOBRENOME
Os oficiais do registro civil não deverão registrar prenomes que venham expor seus portadores ao ridículo. Restando os pais irresignados, o oficial submeterá o caso ao juiz competente (art. 55, parágrafo único, da Lei Federal nº 6.015/73 – Lei de Registros Públicos)
O prenome civil, em regra, é imutável. Todavia, a lei admite exceções em determinadas circunstâncias, autorizando a alteração. Assim o art. 58 da Lei nº 6.015, cuja redação foi dada pela Lei nº 9.078, de 1998, dispõe: O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos e notórios.
Dessa forma, a possibilidade de alteração do prenome acaba por relativizar o princípio da sua imutabilidade e tem o condão de resguardar um direito da personalidade, pois o nome civil é fator que além de designar o indivíduo, o identifica perante a comunidade onde vive. Nesse sentido, ensina Caio Mário da Silva Pereira, em Instituições de direito civil, 20ª. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. I, p. 243:
“Elemento designativo do indivíduo e fator de sua identificação na sociedade, o nome integra a personalidade, individualiza a pessoa e indica grosso modo a sua procedência familiar.”
Mas é possível a retificação, no Registro Público, do prenome em juízo.
Observe-se a decisão do Superior Tribunal de Justiça na matéria:
Civil. Registro Público. Nome Civil. Prenome. Retificação. Possibilidade. Motivação suficiente. Permissão legal. Lei 6.015/1973, art. 57. Hermenêutica. Evolução da doutrina e da jurisprudência. Recurso provido. I- O nome pode ser modificado desde que motivadamente justificado no caso, além do abandono pelo pai, o autor sempre foi conhecido por outro patronímico. II – A jurisprudência, como registrou Benedito Silvério Ribeiro, ao buscar a correta inteligência da lei, afinada com a “lógica do razoável”, tem sido sensível ao entendimento de que o que se pretende com o nome civil é a real individualização da pessoa perante a família e a sociedade. (Ac. no REsp. nº 66.643 – SP, Quarta Turma, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 21.10.1997, in DJU de 09.12.1997, p. 64.707).
Há o que chamamos de erro gráfico do prenome.
O erro gráfico ocorre quando há uma evidente eiva na grafia do assento de nascimento que torne possível requerer-se a retificação do registro.
Será caso de requerimento à Justiça, não sendo válido o ato do oficial de proceder de oficio para retificar o registro do prenome.
O art. 58, parágrafo único, da Lei n. 6.015/73, ao tratar do assunto em questão, previa que: “Quando, entretanto, for evidente o erro gráfico do prenome, admite-se a retificação, bem como a sua mudança mediante sentença do juiz, a requerimento do interessado, no caso do parágrafo único do art. 55, se o oficial não o houve impugnado”.
Com as alterações trazidas pela Lei n. 9.708/98, o dispositivo acima transcrito foi suprimido, entretanto, não houve a derrogação da parte que trata da correção do nome por erro de grafia na Lei dos Registros Públicos, subsistindo sua regulamentação no art. 213, que prevê: “A requerimento do interessado, poderá ser retificado o erro constante do registro, desde que tal retificação não acarrete prejuízo a terceiro”.
O procedimento para a retificação do registro por erro gráfico processar-se-á no próprio serviço de registro civil, que o autuará e o submeterá ao órgão do Ministério Público, fazendo os autos conclusos ao juiz competente da comarca, e, após sentença, o oficial averbará a retificação à margem do registro (art. 110 da Lei n. 6.015/73).
Afirma-se que a modificação do nome no assentamento do registro civil é admitida em caráter excepcional e deve ser motivada nos casos em que se constatar equívoco capaz de provocar conflito, insegurança ou violação ao princípio da veracidade. A tese foi estabelecida na análise do REsp 1.217.166, na Quarta Turma, e teve o ministro Marco Buzzi como relator.
A alteração do prenome é, portanto, excepcional, nos limites da antiga Lei nº 6.015/73, no que concerne a pedidos de jurisdição voluntária apresentados perante o Judiciário.
A Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), em seu artigo 47, § 5º, estabelece a possibilidade de alteração do nome no caso de adoção, se assim quiser o adotante. Nesse caso serão incluídos também os nomes dos adotantes e dos novos avós.
A Lei nº 6.815/80, no artigo 43, possibilita a mudança de nome de estrangeiro quando comprovadamente errado, apresentar sentido pejorativo de forma a expor seu titular ao ridículo e for de compreensão e pronúncia difíceis. Podem ser traduzidos ou adaptados à prosódia da língua portuguesa. A competência para autorizar a alteração nesses casos é do Ministro da Justiça.
III – A LEI 14.384/2022
A situação mudou para pior com relação a preservação do nome civil.
A Lei 14.384/2022, recentemente sancionada e promulgada, criou um procedimento extrajudicial, em cartório, para a mudança de nome.
Até então, a legislação só permitia que a alteração do nome fosse feita no primeiro ano da maioridade, ou seja, somente pela pessoa entre 18 e 19 anos. Além disso, também era permitida a alteração para transgêneros e transexuais, em casos de proteção a testemunhas e mediante a existência de apelidos notórios e reconhecidos – sendo que a última só ocorria a partir de autorização judicial.
Razões até tolas, insensatas, movidas por caprichos, permitem que uma pessoa queira a sua mudança de nome. A nova Lei, portanto, permite uma alteração imotivada no prenome.
Pelas facilidades dadas pela nova Lei estamos diante de um caminho que vai “lotar” os já lotados cartórios. É mais uma vitória do sistema cartorário sobre o Judiciário.
A mudança foi trazida pela Lei Federal nº 14.382/2022, responsável por modernizar e simplificar os procedimentos relativos aos registros públicos, aplicando-se às relações jurídicas que envolvam oficiais dos registros públicos e aos usuários dos serviços de registros públicos.
Segundo a nova norma, qualquer pessoa com mais de 18 anos pode ir diretamente no cartório e, a qualquer tempo, requisitar a alteração de nome. Não precisa justificar a mudança, pois a lei não exige uma motivação. Assim, foi eliminada a necessidade de se provar que o nome causa constrangimento e prejuízos à vida da pessoa, por exemplo.
A nova lei possibilita a inclusão do sobrenome do cônjuge, dos pais, avós e até mesmo madrastas e padrastos também sem precisar de autorização judicial. Nesse caso, não há limitação de quantidade. É permitido, ainda, retirar sobrenome de cônjuge ou ex-cônjuge.
Art. 56. A pessoa registrada poderá, após ter atingido a maioridade civil, requerer pessoalmente e imotivadamente a alteração de seu prenome, independentemente de decisão judicial, e a alteração será averbada e publicada em meio eletrônico.
§ 1º A alteração imotivada de prenome poderá ser feita na via extrajudicial apenas 1 (uma) vez, e sua desconstituição dependerá de sentença judicial.
§ 2º A averbação de alteração de prenome conterá, obrigatoriamente, o prenome anterior, os números de documento de identidade, de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, de passaporte e de título de eleitor do registrado, dados esses que deverão constar expressamente de todas as certidões solicitadas.
§ 3º Finalizado o procedimento de alteração no assento, o ofício de registro civil de pessoas naturais no qual se processou a alteração, a expensas do requerente, comunicará o ato oficialmente aos órgãos expedidores do documento de identidade, do CPF e do passaporte, bem como ao Tribunal Superior Eleitoral, preferencialmente por meio eletrônico.
§ 4º Se suspeitar de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade ou simulação quanto à real intenção da pessoa requerente, o oficial de registro civil fundamentadamente recusará a retificação”.
O artigo 56, § 1º é claro: “A alteração imotivada de prenome poderá ser feita na via extrajudicial apenas 1 (uma) vez, e sua desconstituição dependerá de sentença judicial”. Na averbação devem constar o prenome anterior, os números de documento de identidade, de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), de passaporte e de título de eleitor do registrado.
Quanto a possibilidade de mudança no sobrenome, tem-se:
Art. 57. A alteração posterior de sobrenomes poderá ser requerida pessoalmente perante o oficial de registro civil, com a apresentação de certidões e de documentos necessários, e será averbada nos assentos de nascimento e casamento, independentemente de autorização judicial, a fim de:
I – inclusão de sobrenomes familiares;
II – inclusão ou exclusão de sobrenome do cônjuge, na constância do casamento;
III – exclusão de sobrenome do ex-cônjuge, após a dissolução da sociedade conjugal, por qualquer de suas causas;
IV – inclusão e exclusão de sobrenomes em razão de alteração das relações de filiação, inclusive para os descendentes, cônjuge ou companheiro da pessoa que teve seu estado alterado”;
A lei traz alguns critérios como a exigência de apresentação dos principais documentos da pessoa e a limitação de que a alteração em cartório possa ser feita somente uma vez.
Júlio Martins (Você sabia que as regras para mudança do nome e sobrenome mudaram com a Lei 13.382/22?) faz interessante observação ao dizer:
“A alteração de PRENOME pode ser feita também por menores (como reconhece a jurisprudência, por exemplo, TJPR. Proc. 0003165-55.2018.8.16.0179. J. em 13/10/2020, bem como STJ. REsp 220.059/SP. J. em 22/11/2000), todavia mediante PROCESSO JUDICIAL. Não há mais a limitação de tempo para que o pedido imotivado de alteração do nome seja feito como ocorria antes, quando o art. 56 definia que o mesmo devia ser feito somente NO PRIMEIRO ANO após ter atingido a maioridade civil (ou seja, a partir dos 18 até a véspera de completar 19 anos). Tão certo quanto a possibilidade de o Oficial justificadamente poder recusar a retificação é o direito do requerente de postular a SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA nos moldes do art. 198 da mesma LRP.”
Por outro lado, a mudança legislativa pode facilitar o caminho para fraudes.
Disse bem Alan Bousso, em artigo divulgado no site Política do Estadão, em 7 de agosto de 2022:
“A burocracia tem limitado tanto as vidas pessoais e os negócios ao longo de nossa história que todo passo rumo para reduzi-la é celebrado e deve ser mesmo. Mas a cautela demanda que tais passos sejam graduais e que juristas, o poder público e os prestadores de serviço nos cartórios estejam atentos às possíveis consequências e às medidas que podem ser necessárias na adaptação a essa nova lei.”
Com a Lei 14.382/22 fica aberto o caminho para fraudes, estelionatos, falsidades ideológicas em condutas que levarão o Judiciário a refletir sobre a efetividade dessa nova Lei. Afinal, a imaginação para o crime não tem limites. Os vazamentos de dados pessoais em redes sociais estão aí para mostrar o perigo em que vivemos.
Lembro da lição de Miguel Reale.
Na lição de Miguel Reale (Filosofia do Direito, 19ª edição, pág. 463), eficácia do direito significa que os homens realmente se conduzem de acordo com as normas ou que ditas normas são realmente aplicadas e cumpridas. Assim como a validade é uma qualidade do Direito, a chamada eficácia é atributo da conduta real dos homens.
Ensinou ainda Miguel Reale (obra citada, pág. 611) que o problema da eficácia pode verificar-se em quatro hipóteses: ou a lei encontra logo correspondência na vida social, harmonizando-se vigência e eficácia; ou a lei, embora vigente e por ser vigente, deve subordinar-se a um “processo fático” para produzir todos seu efeitos, ou então, pode dar-se um fenômeno delicado; – o das leis que durante um certo período, mais ou menos longo, têm eficácia e depois a perdem, e, finalmente, o caso mais delicado ainda da vigência puramente abstrata, que, não prenuncia uma experiência possível, e, como tal, sem qualquer efetividade.
Advertiu, por fim, Miguel Reale:
“Cabe aos homens de Estado evitar o divórcio entre a realidade social e certas normas, que não têm ou jamais tiveram razão de ser, porque em conflito com as tendências e os legítimos interesses dominantes no seio da coletividade. Infelizmente, muito facilmente se olvida que leis falhas ou nocivas, além do mal que lhes é próprio, redundam no desprestígio de leis boas”.
De toda sorte, deverá ser apresentado ao Judiciário, na Vara de Registro Público competente pela Lei de Organização Judiciária, um pedido, não ação, pois é caso de procedimento de jurisdição voluntária, onde não há lide, nem partes, mas interessados, visando a desconstituição dos atos extrajudiciais feitos.
*Rogério Tadeu Romano é advogado, procurador Regional da República aposentado e professor de Processo Penal e Direito Penal.
Fonte: O Estado de S.Paulo