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O Estado de S.Paulo – Artigo: Fauna silvestre merece proteção – Por José Renato Nalini
O registrador imobiliário Marcelo Augusto Santana de Melo se doutorou pela PUC-SP, apresentando a tese “A proteção da fauna silvestre nas propriedades privadas”. Era orientando do saudoso Professor José Manoel de Arruda Alvim, e com sua partida, passou a ser orientado pelo Professor Francisco José Cahali.
Sua tese é original. Ele entende que o serviço extrajudicial de registro de imóveis é predestinado a efetivar a proteção da fauna silvestre, da qual o Brasil é campeão em números de espécies.
Elaborou exaustiva pesquisa e procedeu a excelente retrospecto sobre a propriedade e sua função social, que considera parte integrante do conceito. O alerta sobre as espécies de fauna silvestre brasileira ameaçada de extinção é um brado que deveria ecoar por todo o Brasil.
Visitou a legislação estrangeira e encontrou sistemas tutelares bem interessantes e que podem servir de orientação para o Brasil. Numa abordagem instigante, analisa a assimetria comunicativa entre ciência e direito, para concluir que a tutela da fauna silvestre envolve um leque de áreas de conhecimento. Propõe a disseminação dos “corredores ecológicos”, a partir da experiência paulista no Morro do Diabo em Teodoro Sampaio e isso é a alternativa que reduz a crítica aos “cogumelos” de vegetação, isolados e sem comunicação, insuficientes para garantir preservação de fauna e flora.
O mais importante é que a tese do Doutor Marcelo Augusto Santana de Melo oferece um anteprojeto que institui o Sistema Eletrônico de Fauna Silvestre – SEFAUNAS, impactando de fato a realidade e não se resumindo a mais uma contribuição meramente teórica, a permanecer à espera de que algum interessado venha a folheá-la.
Participar dessa Banca, a convite do Professor Francisco José Cahali e ao lado dos professores Adriano Ferriani, Everaldo Augusto Cambler e João Ricardo Brandão Aguirre foi uma experiência gratificante. Propiciou-me também refletir a respeito da importância dos animais para a vida humana. Aliás, objeto de questionamento do Prof. Everaldo Augusto Cambler, que inquiriu o doutorando a respeito de considerar sencientes os irracionais, que o direito civil considera semoventes.
Lembrei-me de Jacques Maritain, que ao mostrar a existência de obrigações sem direitos correspondentes, fala dos deveres em relação aos animais: “Temos deveres para com os animais, ou deveres concernentes aos animais? No segundo caso, tratar-se-ia, em realidade, de deveras para com os seres humanos, ou para com a sociedade, ou para comigo mesmo no sentido de que a crueldade para com os animais desenvolve sentimentos e hábitos de insensibilidade ou de sadismo, que viciam o sujeito e ameaçam os outros”.
Maritan sustenta que “temos deveres para com certos seres, sem direitos correspondentes por parte deles”. Ele aborda o dever do proprietário em relação ao cão, ao cavalo, ao gato. Mas o mesmo raciocínio vale para o animal silvestre. Este também merece não ser morto desnecessariamente. Pois “são esboços de pessoas, e como os sentidos internos, nos mais elevados dentre eles, são uma sombra de inteligência, assim também há neles uma sombra, um esboço daquilo que serão os direitos propriamente ditos no agente livre. Trata-se, porém apenas de uma sombra, de um esboço: ao passo que os deveres que para com eles temos são verdadeiros deveres. Qual é o fundamento de tais deveres? O respeito pela vida, pelo ser, a piedade natural, o sentido da solidariedade cósmica, tão desenvolvida na Índia”.
Outro autor que tenho lido, Richard Holloway, observa “quem ama os animais logo se acostuma com a tristeza, que é o protesto perplexo da vida perante o fato da morte”. Quem vive em comunidade muito urbanizada, “onde a nossa alienação da natureza é quase completa e onde a medicalização da nossa vida nos distanciou até da nossa própria morte”, pode pensar que é impossível “compreender como os animais entendem a morte, mas eles certamente sofrem. Os elefantes passam muito tempo de luto, bem como as baleias. Muitas aves que perdem o par nunca voltam a ter outro. Os cachorros, que são animais de bando, são mais fortes no tocante à chegada e à partida de outros membros. Mas quando perdem o líder, seu luto é profundo”.
Aprovado com distinção e louvor, com recomendação de que a densa tese venha a ser publicada, Marcelo Augusto Santana de Melo continua a oferecer o seu talento para evidenciar que a delegação extrajudicial encarregada do registro de imóveis é um celeiro de excelentes profissionais, que conciliam trabalho e academia, sendo exemplares em ambas.
*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras – 2021-2022.
Fonte: O Estado de S.Paulo