Notícias

Novela Travessia toca em adoção irregular com falsificação de documentos e especialistas alertam para perigo da prática

Cartórios de registro civil enfatizam que certidões falsificadas são facilmente reconhecidas e podem acarretar em prisão

12-12-2022

Em exibição na TV Globo, a novela Travessia traz para as casas brasileiras temas do Direito da Família, como a adoção irregular da personagem principal Chiara, interpretada pela atriz e influenciadora Jade Picon. No drama, o empresário Guerra (Humberto Martins) falsifica a certidão de nascimento da personagem após a morte da mãe (Grazi Massafera).

A história fictícia lembra que práticas como essa trazem graves consequências. A pesquisadora do Departamento de Pesquisas Judiciárias e integrante do Comitê Gestor dos Cadastros Nacionais do CNJ, Isabely Fontana da Mota, faz um alerta para quem opta pela adoção irregular.

“Quando a entrega envolve ainda a falsificação de documentos, como a história da novela mostra, pode haver responsabilidade criminal, tipificada no art. 297 do CP. Há também o crime que trata o 242 do Código Penal, que descreve o delito de dar parto alheio como próprio. Além das questões penais, a adoção irregular pode gerar a necessidade de reparação cível, em ação por danos morais coletivos ajuizados pelo Ministério Público”, enfatizou em entrevista para a Arpen-Brasil.

A 1ª tesoureira da Arpen/SP, Andreia Gagliardi, explica que a história da novela seria de difícil reprodução na realidade brasileira, uma vez que os cartórios de registro civil facilmente identificariam a certidão fraudulenta. Caso seja identificada uma suspeita de adoção irregular, o caso deve ser enviado para o Ministério Público, que poderá ajuizar uma ação de busca e apreensão da criança, caso haja indícios que apoiem a decisão.

Desde a criação da DNV (Declaração de Nascido Vivo), tornou-se muito mais difícil realizar fraudes. Nas hipóteses em que o nascimento ocorre sem a assistência de profissional de saúde, e, portanto, não há DNV emitida, o Ministério Público é informado pelos cartórios. O intuito é justamente evitar essas falsidades.

“Existe uma diferença muito grande em falsificar uma certidão e falsificar um registro. Falsificar a certidão é facilmente descoberto, porque quando uma pessoa pedir uma segunda via, vai descobrir a falsidade. Diferente, se houver uma declaração falsa para a lavratura do registro, qualquer certidão vai sempre demonstrar a mesma fraude, porque o conteúdo do registro é falso. Nesse caso, de falsidade da declaração prestada perante o Registro Civil, o declarante pode inclusive responder por crime”, pontua.

O número de crianças aptas para a adoção no Brasil é de 3,7 mil, segundo dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) de 2021. Apesar disso, Mota revela que ainda ocorrem adoções com a entrega direta de criança para a família adotiva sem participação do poder judiciário. Segundo a pesquisadora, esse processo pode trazer diversos problemas para a mãe biológica e até mesmo para o menor.

“Nesses casos não há o atendimento à mulher que realiza a entrega, o que inviabiliza que seja oferecido apoio psicossocial e socioassistencial, visando evitar que fatores socioculturais e/ou socioeconômicos e as condições emocionais e psicológicas, inclusive eventuais efeitos do estado gestacional e puerperal, impeçam a tomada de uma decisão amadurecida. Muitas vezes também é negada à criança o seu direito à sua origem biológica. Por fim, enquanto não deferida a adoção a família adotiva também está em situação de risco jurídico, pois a qualquer momento a família biológica pode requerer a guarda da criança”, explicou.

Isabely pontua ainda que a adoção irregular, à primeira vista, parece garantir o melhor para a criança, mas apenas evidencia a carência de políticas públicas de proteção social da família. “Isso porque o Estatuto determina que deve ser priorizada a manutenção de vínculos da criança com sua família de origem, sendo a adoção medida excepcional, aplicada apenas quando esgotados todos os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa”, completou.

Além disso, a família biológica pode requerer a guarda da criança enquanto a adoção não é deferida. Outro problema levantado pela pesquisadora é que os direitos hereditários e previdenciários da criança, como pensão, podem ser inviabilizados em razão da ausência de documentação.

Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento

O SNA consolida todos os dados fornecidos pelos Tribunais de Justiça referentes ao acolhimento institucional e familiar, à adoção, incluindo as intuitu personae, e a outras modalidades de colocação em família substituta, bem como sobre pretendentes nacionais e estrangeiros habilitados à adoção.

“O sistema foi idealizado tendo em mente a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente. Assim, ele busca registrar e controlar todos os fatos relevantes, desde a entrada das crianças e adolescentes nos serviços de acolhimento até sua efetiva saída do Sistema, seja por adoção, reintegração familiar ou por outro motivo”, explicou Isabely.

Com o registro de adoções no SNA, é possível pensar em políticas públicas que apoiem a entrega voluntária das mães biológicas à casais previamente habilitados.

Fonte: Assessoria de Comunicação – Arpen-Brasil