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Moramos há mais de 50 (cinquenta) anos no imóvel que pertence à Rede Ferroviária Federal. Consigo regularizar por Usucapião?

11-04-2024

Em alguns casos mesmo os imóveis registrados em nome da Rede Ferroviária Federal S/A poderão ser objeto de Usucapião (judicial ou extrajudicial)

USUCAPIÃO é uma forma de aquisição da propriedade imobiliária, como aduz o artigo 1.238 do CCB. Os bens móveis, como sabemos também podem ser adquiridos por Usucapião e o Código Civil trata da aquisição deles no art. 1.260 e seguintes. Importa nesse momento, ainda sobre a aquisição de bens imóveis via Usucapião relembrar os requisitos que são base à toda forma de Usucapião e um caso específico que com certa frequência nos deparamos: os imóveis pertencentes à extinta “Rede Ferroviária Federal” – RFFSA, que por ocasião da Lei 11.483/2007 foram transferidos à União Federal.

Inicialmente é preciso ter em mente que os imóveis que pertencem à UNIÃO não são passíveis de Usucapião, como decretam com clareza solar os § 3º do art. 183 e parágrafo único do art. 191 da Constituição Federal vigente (além da inafastável Súmula 340 do STF): “Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”. Como matriz de toda espécie de Usucapião temos a tríade “POSSE” (que deve ser qualificada), “TEMPO” (que é o período exigido do exercício da posse qualificada) e “COISA HÁBIL” (já que algumas coisas são imunes aos efeitos da Usucapião). Conforme as espécies de Usucapião são descortinadas, outros requisitos são revelados, como por exemplo a necessidade de JUSTO TÍTULO e BOA-FÉ – que, repetimos, são aspectos irrelevantes e desnecessários em algumas modalidades.

Como se viu acima, os bens da União não são passíveis de Usucapião, todavia, especificamente no caso dos bens pertencentes à RFFSA (que hoje são titularizados pela União) não é possível descartar a POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO já que, como aponta doutrina e jurisprudência, uma vez completados os requisitos para a Usucapião ela se forma e a aquisição se impõe, independentemente de Sentença para sua “constituição”, ou mesmo “registro” em Cartório. É que a ocorrência da Usucapião se dá não com a “assinatura” de uma Sentença Judicial ou mesmo com o Registro na Matrícula Imobiliária. Esses “atos” judiciais ou extrajudiciais na verdade têm sua importância na questão para outros efeitos porém passam longe de servir para a constituição da aquisição do imóvel via usucapião: a aquisição se dá com a reunião dos requisitos exigidos em Lei – tanto é assim que a sentença que reconhece a aquisição por Usucapião é de natureza inequivocamente DECLARATÓRIA – como ensina o Especialista, Advogado e Desembargador Aposentado, Dr. BENEDITO SILVÉRIO RIBEIRO (Tratado de Usucapião. 2012):

“A Sentença proferida no processo de Usucapião tem cunho DECLARATÓRIO. Não busca o usucapiente tornar-se proprietário, CONDIÇÃO QUE JÁ DETÉM, seu objetivo é a declaração formal dessa qualidade, com a SEGURANÇA necessária [que só o RGI pode oferecer] e os efeitos da coisa julgada. (…) Não há direito constituído em favor do prescribente, mas sim declaratório preexistente da propriedade, cuja aquisição terá ocorrido com o perfazimento dos REQUISITOS assinalados em lei”.

Na hipótese em que o preenchimento dos requisitos exigidos para a aquisição por Usucapião tenham ocorrido antes da incorporação dos bens da Sociedade de Economia Mista (Rede Ferroviária Federal – RFFSA) poderá ser viável e reconhecida a propriedade em favor do particular (com base inclusive no inciso II do par.2º do art. 173 da mesma CF) e tudo isso precisa ficar cabalmente comprovado no processo de Usucapião (ou no procedimento extrajudicial de Usucapião perante o Cartório, caso a via extrajudicial seja escolhida, nos moldes do art. 216-A da Lei de Registros Públicos c/c Provimento CNJ 149/2023).

Uma vez preenchidos os requisitos até efetivamente a data de 22/01/2007 – e não sendo afetados os bens em questão à prestação de serviço público ferroviário – haverá possibilidade de aquisição por usucapião, ainda que no RGI o imóvel ainda conste em nome da RFFSA. Dessa forma, com toda prudência que deve permear a análise de todos os casos de regularização imobiliária – e com muito mais razão aqueles que envolverem imóveis ainda constantes em nome da RFFSA – não parece prudente descartar a possibilidade de Usucapião para tais bens, como inclusive sinaliza a jurisprudência do TRF da 4ª Região:

“TRF-4. 5000075-56.2016.404.7109. J. em: 08/06/2016. ADMINISTRATIVO. USUCAPIÃO. IMÓVEL DA EXTINTA RFFSA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE DESDE QUE PREENCHIDOS OS REQUISITOS. CASO CONCRETO. EXERCÍCIO DA POSSE ANTES DA INCORPORAÇÃO DOS BENS À UNIÃO. MP Nº 353/2007. 1. A Medida Provisória nº 353 de 22 de janeiro de 2007, a qual foi convertida na Lei nº 11.483/2007, dispôs acerca da liquidação da extinta a Rede Ferroviária Federal – RFFSA, sendo que restou determinado que cabia à União a sucessão das ações envolvendo a referida sociedade de economia mista. 2. Alinho-me ao entendimento de que é inviável a usucapião de bens públicos. Contudo, o caso dos autos é peculiar na medida em que o autor já havia preenchido o prazo para a prescrição aquisitiva antes mesmo da incorporação dos bens à União. 3. Preenchidos os requisitos da prescrição aquisitiva. 4. Apelo e remessa oficial desprovidos”.

“TRF-4. 5000872-59.2021.404.7205. J. em: 07/06/2022. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. BENS DA RFFSA TRANSFERIDOS PARA A UNIÃO. LEI Nº 11.483/2007. REQUISITOS PARA A USUCAPIÃO NÃO COMPROVADOS. 1. Em se tratando de bem imóvel que pertencia à extinta RFFSA e foi transferido ao patrimônio da União, os requisitos da usucapião devem ter ocorrido, comprovadamente, até 22/01/2007, data em que os bens da RFFSA foram para a União, por meio da edição da Lei n. 11.483/2007 (art. 2º, inciso II). 2. Caso em que o conjunto probatório, com documentação escassa e a prova testemunhal inconsistente não comprovaram o preenchimento dos requisitos para a usucapião”.

Sobre os autores: Júlio Martins (OAB/RJ 197.250) é Advogado com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ – OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Fonte: JornalJurid