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Migalhas – Artigo: Serviços notariais e registrais: mapeamento e algumas propostas de aprimoramento – Parte II – Por Carlos Eduardo Elias de Oliveira

08-09-2021

Esta é a segunda parte do artigo, em continuação ao que foi publicado na semana passada na Coluna Migalhas Notariais e Registrais. 

Experiência em outros países 

Para uma visita no sistema notarial e de registro em outros países, focaremos em duas especialidades: a do notariado e a do registro de imóveis.

Inevitavelmente, diante das restrições de tempo, não é viável uma análise aprofundada de cada sistema notarial e de registro, investida que preencheria confortavelmente longas pesquisas acadêmicas. De qualquer forma, buscaremos focar aqui o que é de mais relevante para servir de experiência comparada para refletirmos sobre o modelo brasileiro.

Notariado no mundo 

O jurista Hércules Alexandre da Costa Benício dá notável visão do notariado em vários países do mundo1 e, por isso, nos apoiaremos neles neste capítulo. Copiamos dele ainda esta advertência sobre as limitações deste estudo comparativo, in verbis:

Desde logo, mostra-se oportuna a reflexão empreendida por Luis CARRAL Y DE TERESA (1970, p. 87), no sentido de que é impossível proceder-se a uma classificação que esgote todos os sistemas de notariado, pois este, que é produto do costume, segue, em cada lugar, especiais tradições e peculiares características.

De um modo geral, os notários se incumbem de formalizar juridicamente as partes e, nesse aspecto, acaba prestando serviços de assessoria jurídica a elas.

Pode-se falar em três categorias de notariados:

a) Notariado de profissionais delegados da fé pública (Alemanha, Espanha, França, Itália, Portugal, Japão e países latinos);

b) Notariado de profissionais livres (Inglaterra e Estados Unidos);

c) Notariado de profissionais funcionários administrativos (sistema da antiga União Soviética, Cuba e Venezuela).

Na Alemanha, em cada Estado-membro (os Bundesländer), pode haver um regime diverso para o notariado diante da autonomia legislativa deles. Coexistem, assim, três regimes principais na Alemanha a depender do Estado-membro:

a) Notariado livre: particulares que preencham os requisitos legais podem ser autorizados a exercer a atividade notarial de forma livre sem qualquer exclusividade. Não há número máximo de notários por região. E, geralmente, o notário exerce a função notarial em concomitância com a advocacia, enquanto sua licença de advogado perdurar. Trata-se de regime presente nos Estados-membros de Macklenburg-Vorpommern, Sanchsen-Anhalt, Bremen e Thüringen).

b) Notariado restrito: o Estado-membro cria serventias em número restrito para ser exercida por tabeliães sem estar inserido na estrutura hierárquica da Administração Pública. Esse regime é adotado nos Estados-membros de Länder de Byern e Hessen).

c) Notariado judicial: os notários são integrantes de magistratura, recebem remuneração do Estado, gozam das prerrogativas de juízes e desempenham funções públicas como “lavratura de testamentos, execuções de sentenças e registro de propriedade”2.

Na Espanha, na França e na Itália, o notário é funcionário público com competência para dar fé aos atos jurídicos. Ressalva-se que o regime jurídico dos notários franceses oscila entre a condição de profissional liberal e de funcionário público.

Especificamente na Itália, o notário “pode converter-se em auxiliar da justiça nos processos civis, em vendas de bens de baixo valor, nas interdições de incapazes (art. 733 do Código de Processo Civil italiano), em inventários judiciais (art. 679), nas partilhas dos bens (arts. 786, 790 e 791) etc.”3

Em Portugal, por meio do Decreto de 23 de dezembro de 1899, o notário lusitano foi incluído na categoria de magistrado de jurisdição voluntária com garantias como inamovibilidade e independência funcional, de modo que dele passou a ser exigida capacidade jurídica adequada mediante bacharelado em Direito ou em curso especial de notário. No ano seguinte, por força do Decreto de 14 de setembro de 1900, o notário deixou de ser catalogado como magistrado de jurisdição voluntária para ser considerado funcionário público. Em 2003, Portugal privatizou o regime notarial por meio do DL 26/2004, de 4 de fevereiro4, que se apoiou no Estatuto do Notariado Português (Lei 49/2003, de 22 de agosto).

No Japão, o notário é agente público nomeado pelo Ministério da Justiça, mas não recebe remuneração do Estado. Ele se remunera por meio dos emolumentos dos interessados. Para ser nomeado, o cidadão precisa atender a estes requisitos: a) estar habilitado para ser juiz, fiscal ou advogado militante, o que exige prévia aprovação no exame da National Bar (que é uma das mais difíceis provas jurídicas no Japão); b) ter amplo conhecimento jurídico e experiência profissional pelo Comitê Notarial; e c) ter nacionalidade japonesa, ter mais de 20 anos de idade, cursar programa de treinamento de duração não inferior a seis meses e ser aprovado em exame de idoneidade moral.

No sistema anglo-saxão – que não se aplica em Londres (onde os notários – scriveners notaries – seguem o modelo do notariado latino) -, o notário não desempenha atividade de formalização jurídica da vontade das partes. Limita-se a atividades de pouca complexidade intelectual, atendo-se a reconhecer firmas, apor o respectivo selo, identificar as partes subscritoras do documento e registrar documentos. O notário, nesse caso, aí não é um agente público nem exercer atividade jurídica. Isso decorre do contexto histórico do direito anglo-saxão, que prestigia a prova oral e não prevê a distinção entre instrumentos particulares e instrumentos públicos para os negócios jurídicos. Algumas leis inglesas (statutes laws) exigem, para determinados atos, como os relativos a direito sobre imóveis (real property), a aposição de um selo para certificado a manifestação de vontade das partes (act under seal). Não há número máximo de notários nem demarcação territorial para os notários ingleses, os quais se enquadram no modelo do notariado livre.

No Uruguai, adota-se um modelo de notariado livre. Qualquer pessoa que preencha os requisitos legais, como ter título universitário específico, pode pedir sua inscrição perante a Suprema Corte de Justiça a fim de desempenhar a atividade de notário. O notário aí é um profissional liberal.

No Chile, os notários são titulares de um ofício público (notarías) mediante nomeação do Presidente da República e lhes cabe formalizar juridicamente a vontade das partes5. Conforme os arts. 399 e seguintes do “Código Orgánico de Tribunales” do Chile6, os notários são considerados auxiliares da administração da justiça e precisam ter título de advogado para desempenhar a função. A quantidade de notários é limitada, e há restrição territorial para o desempenho de suas funções. O notário chileno, além de lavrar escrituras públicas, também atua em inventários solenes, realiza protestos de títulos, promove notificações etc. (art. 401 do “Código Orgánico de Tribunales”).

Registro de Imóveis no mundo 

Na Inglaterra e nos EUA (na maior parte dos Estados norte-americanos), não há um sistema de registro de imóveis como o brasileiro, que é obrigatório. O direito de propriedade lá é transferido apenas por meio de contratos. Como esse sistema gera riscos de conflitos entre diferentes pessoas que podem ter títulos para o mesmo imóvel, é comum que as pessoas paguem valores expressivos a título de prêmio para que uma seguradora as indenize caso alguma outra pessoa apresente um título melhor, além de serem realizados gastos com escritórios de advocacia e com empresas especializadas em fazer pesquisas sobre riscos.

Especificamente nos EUA, levando em conta a realidade da maior parte dos Estados-membros, para comprar um imóvel, o interessado paga uma Companhia de Títulos (Company Title) para ela fazer uma pesquisa sobre os riscos jurídicos do título de propriedade do vendedor, ou seja, para pesquisar se o título está limpo (clear title). No jargão norte-americano, pesquisa-se se há alguma “cloud” (nuvem). Essa companhia faz pesquisas em prefeituras, em bancos etc. Em alguns locais, essas taxas chegam a 1.000 dólares, além de outras despesas adicionais.

Além disso, o interessado faz também um seguro de evicção (Title Insurance) para o caso de perda do imóvel por algum problema jurídico não identificado pela Companhia de Títulos.

Após essas pesquisas, as partes assinam presencialmente um formulário (chamado de HUD-1) perante um responsável da Companhia de Títulos, que, posteriormente, entrega-o ao U.S. Departament of Housing and Urban Development, órgão do governo que apenas faz cadastro7.

Na Inglaterra, porém, há uma tendência de migração do sistema de venda de imóveis para um sistema de registro público, que é tratado por normas específicas, como a Land Registration Act 2002, a Land Registration Rules 2003 e a Limitation Act 1980. Na prática, o registro é operacionalizado perante a HM Land Registry, que funciona como uma espécie de cartórios de imóveis na Inglaterra. O registro é facultativo, mas, conforme conversa que tivemos com um professor britânico, a maior parte dos imóveis na Inglaterra estão registrados no HM Land Registry, especialmente em razão do fato de que isso permite uma maior segurança para conhecer as eventuais restrições existentes sobre o imóvel.

O sistema francês é baseado apenas na celebração de um contrato de compra e venda, que é lavrado por um notário. Esse contrato é suficiente para a transferência do direito de propriedade8.

Em Portugal, o sistema se aproxima do brasileiro. Os notários são oficiais públicos, mas que gerem a atividade de modo privado. Os cartórios de imóveis lá são chamados de Conservatórias, mas atualmente são estatizados9. Em resumo, em Portugal, notariado sujeita-se a regime privatizado, mas registro de imóveis, a regime estatizado.

No Chile10, o sistema também é próximo ao brasileiro. O registrador de imóveis é o Conservador de Bienes Raíces, e os tabeliães de notas são os notarios. 

Os serviços notariais e de registros, também batizados como serventias extrajudiciais, ofícios 

Barreiras para a existência de um sistema unificado de dados no brasil e experiência estrangeira 

As dificuldades para a unificação de dados de todas as serventias extrajudiciais são encontradas na dimensão continental do país – cujo território é povoado por várias serventias sem condições tecnológicas adequadas – e no fato de que apenas recentemente as serventias estão sendo ocupadas por pessoas concursadas (que, segundo a experiência, demonstram maior primor técnico e operacional).

Esses obstáculos, todavia, vêm sendo superados.

Em relação ao registro de imóveis, já há comando legal para a unificação dos dados e para a formação de um registro de imóveis eletrônico; trata-se dos arts. 37 e 39 da lei 11.977, de 7 de julho de 2009. Também foi criado o SINTER (Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais) pelo decreto 8.764, de 10 de maio de 2016, com fundamento no art. 41 da lei 11.977, de 2009, com o objetivo de permitir que a administração pública consiga ter informações concentradas dos imóveis brasileiros.

Em favor disso, a recente lei 13.465, de 11 de julho de 2017, determinou a criação de um Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR), cuja implantação está a depender de atos da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça (art. 76, § 4º, lei 13.465, de 2017).

Igualmente, a Lei da Liberdade Econômica acrescentou o § 3º ao art. 1º da Lei de Registros Públicos (lei 6.015, de 1973) para autorizar a virtualização integral dos registros públicos.

No tocante ao registro civil de pessoas naturais, essa unificação de dados está sendo realizada especialmente por meio da Central de Informações do Registro Civil (CRC), que foi implantada por força do Provimento nº 46, de 16 de junho de 2015, do Conselho Nacional de Justiça.

Em relação ao Registro de Títulos e Documentos (RTD) e ao Registro de Registro Civil das Pessoas Jurídicas (RCPJ), o Provimento nº 48, de 16 de março de 2016, da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu diretrizes gerais para o sistema de registro eletrônico nessas serventias, o que é um convincente passo rumo à unificação de dados. Pelo provimento, as serventias teriam 360 dias para implementar esse sistema eletrônico. E o sistema eletrônico deverá ser integrado em cada Estado, e não nacional. Sabe-se, porém, que há alguns Estados em que a unificação ainda está pendente.

De qualquer forma, a descentralização das informações não tem gerado tanto prejuízo pelo fato de essa serventia se dedicar ao registro de documentos para efeito de conservação e para constituir direitos reais sobre móveis. Quanto ao RCPJ, a falta de unificação nacional de dados é, de certa maneira, suprida pelo cadastro nacional da Receita Federal para a outorga do número de Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ). Sabe-se que, mesmo antes daquele supracitado provimento do CNJ, há Estados que estavam a tentar unificar os dados, como sucedeu em Minas Gerais, em que o Instituto de Registro de Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas de Minas Gerais (IRTDPMinas) mantém uma central de informações disponível na internet11.

Por fim, como experiências estrangeiras, na Espanha, dentre os serviços prestados pelos registradores de imóveis e bens móveis (Registros de la Propiedad, Mercantiles y Bienes Muebles), disponibilizam-se serviços on-line para qualquer cidadão neste site, com possibilidade de consultas cartográficas. A propósito disso, convém consultar a “Ley 2/2011, de 4 de marzo”, que trata desse tema especialmente no “artículo 46″12.

Em Portugal, igualmente a prestação dos serviços de registro de imóveis ocorre também de modo unificado por meio de um portal na internet, especificamente neste sítio eletrônico. A esse propósito convém consultar a lei portuguesa “decreto-lei 116/2008, de 4 de julho”13.

Na Argentina, há notícias de tentativas de esforços na unificação dos dados de registros de imóveis. Por ora, apenas duas províncias entre as vinte e quatro existentes adotaram um sistema de cadastro único e geral14. A situação argentina assemelha-se à brasileira por estar a meio caminho de unificar efetivamente os dados. 

Barreiras para a existência de um sistema unificado de dados no brasil e experiência estrangeira 

Conforme observado na visita ao sistema notarial e de registro de outros países, é inegável que o notário e o registrador ocupam status profissional elevado, ao patamar próximo das carreiras jurídicas mais prestigiadas, como a da magistratura. Em alguns países, eles chegam a ser magistrados, como na Alemanha. Em Portugal, eles já foram, no passado, assim considerados. Daí se extrai uma premissa: a posição de notário e de registrador precisa ser ocupada por profissionais com altíssima qualificação técnico-jurídica, com aptidão de dar roupagem jurídica às manifestações de vontade.

Outra observação importante é a que, em países em que a atividade notarial e de registro não é oferecida pelo Estado, como em vários Estados-membros dos EUA, não há uma segurança jurídica adequada nos títulos de propriedade, o que leva os particulares a gastarem valores elevadíssimos com seguros, advogados e taxas cobradas por Companhias de Títulos. Em um primeiro olhar, esse sistema parece injustificável, mas José Luis Lacruz Berdejo – um dos mais respeitados civilistas espanhóis – deixa implícito que isso decorre certamente do lobby das seguradoras, que perderiam um rentável mercado caso fosse implementado um sistema de registro público. A própria Inglaterra tem migrado, na prática, para utilizar copiosamente o sistema de registro público, apesar de este ser facultativo. Daí extraímos outra premissa: a existência de um sistema de registro público parece ser essencial para a economia e a segurança jurídica.

Em relação ao modelo das atividades notariais e de registro, cada país possui suas peculiaridades. No Brasil, a experiência não foi muito boa com o modelo estatizado, que, conforme já apontado, sofreu com ineficiências (elevados custos, excessiva demora, baixa qualidade dos serviços, corrupções etc.). Nesse contexto, o modelo privatizado adotado pelo Brasil soa adequado, ainda que muito criticado por alguns.

Há, porém, questões a serem enfrentadas e aqui erguemos sugestões:

a) Problema da dificuldade de prover cartórios deficitários: há cartórios que não geram renda suficiente para atrair profissionais com a elevada capacidade técnica que os serviços extrajudiciais exigem. Parece-nos que o melhor modo de enfrentar isso é, após a frustração de provimento dessas serventias mediante dois concursos públicos (sendo o segundo voltado apenas a serventias que não foram providas no primeiro), deveria ser determinada a anexação dessa serventia a alguma serventia muito rentável do Estado, de modo que o titular de um cartório muito rentável terá o dever de, cumulativamente, manter os serviços da serventia deficitária que não foi provida. Pensamos que reflexões nessa trilha poderão gerar bons frutos. A ideia aqui é apenas inicial.

b) Papel das serventias extrajudiciais na desjudicialização: os notários e os registradores são profissionais do Direito, não apenas aqui, mas em todos os lugares do mundo que admitem essa figura. E estão entre os profissionais do direito mais capacitados tecnicamente. No Brasil, há inúmeros oficiais extrajudiciais que já foram juízes, promotores e que são professores universitários. Soma-se a isso o fato de as serventias extrajudiciais serem órgãos auxiliares do Poder Judiciário. Por esse motivo, entendemos que deve ser estimulada a desjudicialização de inúmeros temas que atualmente atolam o Poder Judiciário e que poderiam ser resolvidas na via extrajudicial. É inegável que a quantidade de juízes não é suficiente para dar vazão a todas as demandas. No Brasil, contamos com apenas cerca de 18.000 juízes, ao passo que a quantidade de processos ultrapassa a casa dos cem milhões. É absolutamente inviável ao Poder Judiciário dar conta de tal demanda. É preciso enfrentar essa dura realidade e, para tanto, poderia ser utilizado um órgão auxiliar bem capacitado para dar vazão a demandas próprias do Judiciário, especialmente aquelas que não envolvem litígios. Nesse sentido, temos que procedimentos consensuais de inventário envolvendo testamento ou incapaz bem como procedimentos consensuais de divórcio com guarda de menores deveriam ser praticados nos cartórios, desde que haja a anuência do Ministério Público. Até mesmo o procedimento de execução judicial poderia ocorrer em cartórios, deixando para o Judiciário a resolução de impugnações. Outra ideia fundamental é autorizar os cartórios a atuarem como árbitros, cobrando emolumentos módicos, similares aos das custas judiciais, pois isso teria o condão de popularizar a arbitragem para que esta alcance questões quotidianas (como batida de carro, cobrança de aluguéis etc.). A arbitragem atualmente tem sido bem elitizada em razão dos elevados honorários cobrados pelos árbitros e pelas Câmaras Arbitrais.

c) Falta de virtualização do acervo: os cartórios até hoje não conseguiram virtualizar seus serviços nem os oferecer pela internet. É compreensível que a dimensão continental no País e a heterogeneidade socioeconômica das diferentes regiões dificultem esse processo, mas o mercado do século XXI não pode coexistir com serviços meramente presenciais. Do ponto de vista legislativo, há algumas soluções viáveis, como a de obrigar os cartórios a fornecerem serviços a distância para os usuários, fato que poderá estimular os cartórios a virtualizarem seus acervos.

d) Necessidade de serviços serem oferecidos virtualmente: vivemos em uma época em que, por simples aplicativo de celular, conseguimos fazer operações financeiras de milhões de reais, adquirindo, por exemplo, ações na Bolsa de Valores. É, pois, inadmissível que, nessa Era da Tecnologia, ainda haja serviços públicos que exijam a presença física do consumidor a uma repartição qualquer, perdendo, às vezes, o dia inteiro. Por isso, convém estabelecer que os serviços notariais e de registro sejam disponibilizados virtualmente, com exceção daqueles que, por sua natureza, dependam efetivamente da presença do consumidor. Assim, por exemplo, para cancelar um protesto, o cidadão precisa comparecer pessoalmente ao Cartório de Protesto para pagar os emolumentos, mesmo na hipótese de o credor já ter entregue ao Cartório a autorização de cancelamento do protesto. Outro exemplo é a de que os Cartórios de Notas deveriam disponibilizar um aplicativo por meio do qual as partes poderiam “assinar” escrituras públicas: como dito, há tecnologia para isso, do que dá prova o fato de as corretoras de valores mobiliários e as instituições financeiras permitirem que consumidores façam operações financeiras milionárias “assinando pelo aplicativo”. Aliás, até mesmo por aplicativos de conversa, como WhatsApp, poder-se-ia admitir a prática de atos notariais e de registro, utilizando os telefones cadastrados pelo usuário, em especial quando se tratar de atos de menor valor. A própria intimação em processos judiciais já se quer sejam eletrônicas, conforme o Projeto de Lei do Senado nº 176, de 2018, que foi aprovado pelo Senado em fevereiro de 2020 e que está pendente de envio à Câmara dos Deputados.

e) RÁPIDA APROVAÇÃO DE OUTROS PROJETOS DE LEI: convém que seja dada rápida aprovação a outros projetos de lei que desburocratizam a vida do cidadão, seja aprimorando as atividades dos cartórios, seja afastando burocracias por meio dos cartórios:

e.1) Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 176, de 2015: a proposição acaba com a necessidade de o cidadão ter de ir pessoalmente ao Detran para fazer a comunicação de venda. Bastará ao transferente ir ao Cartório de Notas e, aí mesmo, fazer o reconhecimento de firma por autenticidade no DUT e deixar com a serventia uma cópia autenticada. Caberá à própria serventia comunicar a venda ao pertinente Detran. Não haveria mais necessidade de o transferente gastar tempo (geralmente a ida ao Detran custa um turno inteiro do cidadão), dinheiro (com deslocamento) e paciência para fazer uma comunicação da venda do veículo. A matéria está para análise da CCJ do Senado Federal15 e é similar ao PL 4.879, de 2019 (em trâmite na Câmara dos Deputados) e ao PL 7.163, de 2017 (em trâmite na Câmara dos Deputados);

e.2) Projeto de Lei do Senado 15, de 2018 (ou PL 10.939, de 2018, na Câmara dos Deputados): libera horário de funcionamento do cartório para além do mínimo regulamentar e permite atendimento delivery dos tabeliães de notas. A matéria está na Câmara dos Deputados após ser aprovada pelo Senado16;

e.3.) Projeto de Lei do Senado 17, de 2018 (ou PL 10.903, de 2018, na Câmara dos Deputados): atribui aos serviços notariais e de registro o dever de intermediar pedidos dos usuários relativos a atos de outras serventias. A ideia é que o cidadão consiga pedir serviços de cartórios de outros Estados por meio de uma unidade local. A matéria está na Câmara dos Deputados após ser aprovada pelo Senado17;

e.4.) Projeto de Lei do Senado 18, de 2018 (ou PL 10.902, de 2018, na Câmara dos Deputados): exige uma homogeneização mínima das regras dos Cartórios do Brasil para evitar divergências de procedimentos entre os Estados. A matéria está na Câmara dos Deputados após ser aprovada pelo Senado18;

e.5.) Projeto de Lei do Senado 19, de 2018 (ou PL 10.940, de 2018, na Câmara dos Deputados): deixa claros os títulos que podem ser protestados, o que facilitará a vida do cidadão para a cobrança de dívidas e reduzirá a quantidade de processos judiciais. A matéria está na Câmara dos Deputados após ser aprovada pelo Senado19;

e.6.) Projeto de Lei 5.139, de 2019 (Câmara dos Deputados): estabelece a possibilidade de o cidadão obter dados de registro de imóveis a partir de pedidos a uma central nacional de registro de imóveis. A proposição merece aprovação com algumas adaptações, de modo a deixar mais claro que o que importa é que haja um canal nacional para o cidadão solicitar atos dos cartórios de imóveis. A matéria está em trâmite na Câmara dos Deputados20;

e.7) Projeto de Lei 4.993, de 2019 (Câmara dos Deputados): estabelece que o notário tem de prenotar eletronicamente a escritura no Cartório de Registro de Imóveis. Isso é excelente, pois evita que o usuário tenha de fazer um deslocamento desnecessário entre o cartório de notas e o cartório de imóveis. A matéria está em trâmite na Câmara dos Deputados21;

e.8.) Projeto de Lei 1.623, de 2019 (Câmara dos Deputados): veda o condicionamento da eficácia dos atos praticados pelos serviços notariais e de registro a prévias conferências de sua autenticidade (abono). A matéria está em trâmite na Câmara dos Deputados22;

e.9) Projeto de Lei 9498, de 2018 (Câmara dos Deputados): desjudicializa o procedimento de alteração do regime de bens. A matéria está em trâmite na Câmara dos Deputados23;

e.10) Projeto de Lei 9.504, de 2018 (Câmara dos Deputados): afasta o condicionamento de atos jurídicos notariais e de registro a previas certidões. A matéria está em trâmite na Câmara dos Deputados24;

e.11) Projeto de Lei 9.500, de 2018 (Câmara dos Deputados): desburocratiza o procedimento do casamento. A matéria está em trâmite na Câmara dos Deputados25;

e.12) Projeto de Lei 9.502, de 2018 (Câmara dos Deputados): deixa claro que não é dever do tabelião analisar prescrição ou decadência por se tratar de análise inviável em razão de fatores extradocumentais que suspendem e interrompem a prescrição e em virtude das divergências quanto aos prazos prescricionais. A matéria está em trâmite na Câmara dos Deputados26;

e.13) Projeto de Lei 9.499, de 2018 (Câmara dos Deputados): simplifica a habilitação do casamento. A matéria está em trâmite na Câmara dos Deputados27;

e.14) Projeto de Lei 9.501, de 2018 (Câmara dos Deputados): autoriza tabeliães a emitirem cartas de sentença. A matéria está em trâmite na Câmara dos Deputados28;

e.15) Projeto de Lei 9.496, de 2018 (Câmara dos Deputados): autoriza inventário extrajudicial mesmo com herdeiro incapaz ou testamento. A matéria está em trâmite na Câmara dos Deputados29;

e.16) Projeto de Lei 9.495, de 2018 (Câmara dos Deputados): autoriza divórcio extrajudicial unilateral mesmo quando houver filho menor. A matéria está em trâmite na Câmara dos Deputados30.

Referências:

1 BENÍCIO, Hércules Alexandre da Costa. Responsabilidade Civil do Estado decorrente de atos notariais e de registro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, pp. 57-80.

2 BENÍCIO, Hércules Alexandre da Costa. ob. cit., 2005, p. 59.

3 BENÍCIO, Hércules Alexandre da Costa. ob. cit., 2005, pp. 61-62.

4 Norma de Portugal, frise-se.

5 Disponível aqui.

6 Disponível aqui.

7 Essa sistemática da venda de imóveis foi obtida com conversas com norte-americanos e com pesquisas na internet, especialmente por não existir atos oficiais que detalham o que é feito na prática.

8 Interessante explicação dos costumes de compra e venda de imóveis na França pode ser visto aqui.

9 A propósito, em junho deste ano, houve greve dos funcionários as Conservatórias.

10 Reportamo-nos a este interessante texto.

11 Para consulta, ver este sítio eletrônico.

12 Disponível aqui.

13 Disponível aqui.

14 A propósito, consultar aqui.

15 Disponível aqui.

16 Disponível aqui.

17 Disponível aqui.

18 Disponível aqui.

19 Disponível aqui.

20 Disponível aqui.

21 Disponível aqui.

22 Disponível aqui.

23 Disponível aqui.

24 Disponível aqui.

25 Disponível aqui.

26 Disponível aqui.

27 Disponível aqui.

28 Disponível aqui.

29 Disponível aqui.

30 Disponível aqui.

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Carlos Eduardo Elias de Oliveira é professor de Direito Civil e Direito Notarial e de Registral na Universidade de Brasília e em outras instituições. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário. Advogado/parecerista. Ex-advogado da AGU. Ex-assessor de ministro STJ. Doutorando, mestre e bacharel em Direito pela UnB. Instagram: @profcarloselias e @direitoprivadoestrangeiro. –

Fonte: Migalhas