Notícias
Migalhas – Artigo: Série – Qual a natureza jurídica do direito real de laje? O que é o direito de sobreelevação e qual sua natureza jurídica? – Por Danilo Pacheco, Rafael Cimino e Victor Hugo Silva
O que é o direito de sobreelevação e qual sua natureza jurídica?
O direito de sobreelevação consiste no direito de construir sobre edifício alheio.
No direito português, é previsto no artigo 1526 do Código Civil, situado no título referente ao direito de superfície: “Artigo 1526.º (Direito de construir sobre edifício alheio). O direito de construir sobre edifício alheio está sujeito às disposições deste título e às limitações impostas à constituição da propriedade horizontal; levantado o edifício, são aplicáveis as regras da propriedade horizontal, passando o construtor a ser condómino das partes referidas no artigo 1421.”
A doutrina portuguesa considera o direito de sobreelevação como um “subtipo de superfície”[1], um “tipo especial de direito de superfície”[2]. A diferença que autonomiza a superfície de sobreelevação da superfície geral é o objeto: enquanto no tipo geral o objeto é um terreno, no subtipo de sobreelevação o objeto é um edifício, já construído ou em construção[3], não sendo, assim, atribuídos ao superficiário quaisquer poderes de transformação do solo[4].
A maior parte dos autores aponta, ainda, outra peculiaridade do direito de sobreelevação em relação ao direito de superfície geral: o conteúdo do direito de sobreelevação limita-se à faculdade de construir, não abrangendo a faculdade de manter a construção sobre o edifício alheio, uma vez que, levantado o edifício, a construção passa a ser considerada como fração autônoma do mesmo, adquirindo assim o construtor um direito de propriedade horizontal, sendo considerado um condômino.[5]
No entanto, José Alberto Vieira cogita de três figuras distintas após a construção no edifício alheio. A primeira delas é a prevista na própria norma do art. 1526, tratada acima: após o edifício ser levantado, aplicam-se as regras da propriedade horizontal. Nesta hipótese, a superfície extingue-se e as frações construídas ficam sujeitas ao regime de propriedade horizontal, passando o superficiário a ser condômino.
Uma segunda hipótese aventada como possível se configura caso o edifício não esteja, inicialmente, em regime de propriedade horizontal. Se isso acontecer, o edifício que estava em propriedade singular passa, com a edificação, a estar em compropriedade; se já estava em compropriedade, o superficiário torna-se comproprietário juntamente com os outros comproprietários.
A terceira hipótese sustentada é a da obra erguida em superfície de sobreelevação poder ser objeto de uma propriedade separada do edifício sobre ou sob o qual foi construída. Nesta hipótese, o direito de superfície mantém-se após a conclusão da construção e a propriedade da obra construída sobre ou sob o edifício mantém-se distinta da propriedade do edifício.
Além disso, o autor aponta que embora o artigo 1526 faça referência apenas à constituição de superfície em edifício constituído em propriedade horizontal, entende-se que a superfície de sobreelevação pode ser constituída sobre qualquer edifício, independentemente de estar ou não em propriedade horizontal. Assim, se o proprietário singular ou os comproprietários quiserem instituir uma superfície de sobreelevação a favor de terceiro, podem-no fazer validamente.[6]
Enfim, cogita-se também a hipótese de o superficiário de edifício poder constituir novos direitos de superfície (de sobreelevação) sobre a obra existente ou a construir. Sustenta-se que essa possibilidade depende do título constitutivo da superfície, pois o proprietário do solo deve ter uma palavra a dizer sobre uma construção no seu prédio. Assim, se o superficiário está autorizado pelo título constitutivo da superfície a construir um edifício de dez andares, nada obsta a que o superficiário constitua uma superfície de sobreelevação para a constituição dos dois últimos andares. Nesta hipótese, não havendo lugar à aplicação das regras da propriedade horizontal, constitui-se um novo direito de superfície a favor do construtor.[7]
Em Macau, o direito de sobreelevação é minuciosamente regulado pelo Código Civil nos artigos 1419 e 1420, situados no título referente ao direito de superfície: “Artigo 1420.º (Direito de construir sobre edifício alheio) O direito de construir sobre edifício alheio está sujeito, com as necessárias adaptações, ao disposto no artigo anterior, e, em geral, às disposições deste título. Artigo 1419.º (Construção de obra em propriedade horizontal) 1. O direito de superfície pode ter por objecto a construção de edifício ou conjunto de edifícios em regime de propriedade horizontal, contanto que se preencham as condições próprias para a constituição deste direito. 2. Neste caso, o direito de superfície tem de ser constituído com carácter perpétuo e não pode ser sujeito à estipulação prevista no n.º 2 do artigo 1427.º 3. Efectuada a construção, aplica-se às relações entre os condóminos e entre estes e terceiros o regime da propriedade horizontal, sendo, no entanto, nas relações entre condóminos e proprietário do solo aplicável o regime do direito de superfície, com as especificidades constantes do número anterior. 4. Sendo devida uma prestação anual ao dono do solo, compete à administração do condomínio cobrar de cada condómino a parte correspondente à sua fracção autónoma e proceder ao seu pagamento.”
No direito argentino, o atual Código Civil estabelece em seu artigo 2115 que “Artículo 2115. Modalidades. El superficiario puede realizar construcciones, plantaciones o forestaciones sobre la rasante, vuelo y subsuelo del inmueble ajeno, haciendo propio lo plantado, forestado o construido. También puede constituirse el derecho sobre plantaciones, forestaciones o construcciones ya existentes, atribuyendo al superficiario su propiedad. En ambas modalidades, el derecho del superficiario coexiste con la propiedad separada del titular del suelo.” No dispositivo legal seguinte, estabelece que “Artículo 2116. Emplazamiento. El derecho de superficie puede constituirse sobre todo el inmueble o sobre una parte determinada, con proyección en el espacio aéreo o en el subsuelo, o sobre construcciones ya existentes aun dentro del régimen de propiedad horizontal.” Ambas as normas encontram-se no título referente ao direito de superfície.
Nesse sentido, Liliana Abreut de Begher, ao analisar o direito de superfície no novo Código Civil argentino, assim conclui: “Es un derecho real sobre cosa propia, que suspende el principio de accesión (…). El CCC incluye en el derecho real de superficie el derecho de vuelo, que en otras legislaciones se lo toma en forma separada.” A legislação a que se refere a autora é, justamente, a espanhola.[8]
No direito espanhol, a sobreelevação é tratada pelo Reglamento Hipotecário, em seu artigo 16, 2, que estabelece que “Artículo 16. 2. El derecho de elevar una o más plantas sobre un edificio o el de realizar construcciones bajo su suelo, haciendo suyas las edificaciones resultantes, que, sin constituir derecho de superficie, se reserve el propietario en caso de enajenación de todo o parte de la finca o transmita a un tercero, será inscritible conforme a las normas del apartado 3º. del artículo 8 de la Ley y sus concordantes. En la inscripción se hará constar:a) Las cuotas que hayan de corresponder a las nuevas plantas en los elementos y gastos comunes o las normas para su establecimiento. (…) d) Las normas de régimen de comunidad, si se señalaren, para el caso de hacer la construcción.”
A doutrina espanhola, em razão do exíguo tratamento legal dado ao direito de sobreelevação, diverge na definição de sua natureza jurídica. Para alguns se trata de um direito sobre coisa própria; para outros, de direito real sobre coisa alheia (o imóvel sobre o qual se constitui). Dentre estes últimos, há aqueles que o tratam como direito de superfície e aquelas que o tratam de maneira separada.[9]
Não obstante – e em razão do próprio texto do artigo 16.2 do Reglamento Hipotecário -, prevalece a caracterização do direito de sobreelevação como direito real distinto do direito de superfície. Nesse sentido, por exemplo, é a opinião de Luis Díez-Picazo e Antonio Gullón sobre o direito de sobreelevação:
El precepto reglamentario contempla un derecho de o de sobre una edificación ya existente, en la que se creará una propriedad horizontal (si pertenciese esa edificiación a un solo propietario) o se amplará la actual (si, por el contrario, el edificio fuese de varios y además divido por pisos y locales). Tal derecho no es de superficie, según disse expresamente (<>), y la diferencia se encuentra en que en éste el superficiario se hace dueño de lo construido también, pero con una propriedad temporal o ad tempus, mientras que em aquél no rige limitación temporal alguna. No quiere decir ello, por supuesto, que no quepa un derecho superficiario sobre una edificación actual o bajo su suelo, sino que el especialidad del derecho que estudiamos reside precisamente en esa no sujeción a plazo de la titularidad dominical.
A la vista de lo expuesto, puede afirmarse que el derecho de sobreelevación o de vuelo, o de subsuelo, posee como núcleo fundamental la facultad de elevar una o más plantas sobre o bajo um edificio, y secundariamente realizar todas las obras necesarias para ese resultado, haciéndo propietario de lo construido su titular. Es, como la superficie, una derogación voluntaria del principio de accesión, una renuncia a prori a sua actuación.[10]
Com efeito, são significativas as diferenças entre o direito de sobreelevação (derecho de vuelo) e o direito de superfície no direito espanhol.
Em primeiro lugar, “el concepto derecho de vuelo se vincula a la facultad de construir y recae sobre edificios o suelos urbanos o urbanizables; por el contrario, el derecho de superficie es susceptible de gravar todo tipo de suelos y atribuye las facultades de construir pero también de plantar en suelo de tercero”.[11]
Em segundo lugar, “el derecho de vuelo, que se agota con su propio ejercicio, la construcción, provoca una copropiedad sobre determinados elementos y la necesidad de proceder a la asignación de cuotas de participación; el derecho de superficie sin embargo permanece vigente por el tiempo pactado o de manera ilimitada, y la propiedad superficiaria no provoca ninguna copropiedad con el dominus soli.”
Desse modo, “el derecho de vuelo, uma vez ejercitado se agota, y la propiedad sobre lo edificado comporta automaticamente una copropiedad sobre el suelo y el vuelo, así como la necesidad, enocasiones, de constituirse en propiedad horizontal, circunstancias que no se dan en los derechos de superficie.”[12]
Em terceiro lugar, “el derecho de vuelo es de tracto único. En su devenir pueden vislumbrarse dos momentos: el de su constitución, que confiere a su titular un derecho real limitado; y el de su efectivo ejercicio que le atribuye la propiedad de la construcción. De manera que podría decirse que los derechos de vuelo o subedificación, a diferencia de la superficie, son derechos que se extinguen con su propio ejercicio.”
Assim, enquanto o direito de superfície leva a um “dominio temporal de lo construido o plantado o sembrado directamente sobre el suelo o bajo él, y el del suelo en que se lleva a cabo”, o direito de sobreeleveção leva a um “dominio necessariamente perpetuo (…) sobre la edificación o la subedificación sobre una edificación ya existente.” Ainda, “la necesaria preexistencia de una edificación para el caso de la sobreedificación o la construcción subterránea es otra nota característica.”
A conclusão, portanto, é que “vuelo y superficie son derechos reales con absoluta autonomía formal y funcional, lo que descarta que pueda ser considerada la superficie una modalidad dentro de una pretendida categoría general de derechos de vuelo.”[13]
Na Catalunha, o direito de sobreelevação é tratado de forma autônoma em relação ao direito de superfície no Código Civil. O primeiro (sobreelevação, denominado derecho de vuelo) é tratado no Capítulo VII, enquanto o segundo (superfície) é tratado no Capítulo IV, ambos do Título VI, que trata “De los derechos reales limitados”.
O art. 567-1 do Código Civil da Catalunha assim conceitua o derecho de vuelo: “Artículo 567-1. Concepto. 1. El vuelo es el derecho real sobre un edificio o un solar edificable que atribuye a alguien la facultad de construir una o más plantas sobre el inmueble gravado y hacer suya la propiedad de las nuevas construcciones. Los preceptos del presente capítulo son de aplicación al derecho de subedificación.” Note-se que, pela definição dada, aquele que sobreeleva faz sua a propriedade das novas construções.
Deve-se remarcar, também, que o art. 567-2 estabelece que o instrumento público que estabelece o derecho de vuelo deve conter, ao menos, “b) Los criterios que deben aplicarse en la determinación de las cuotas de participación que corresponden a los elementos privativos situados en las plantas o edificios nuevos y las que corresponden a los situados en las plantas o edificios preexistentes, que deben garantizar la proporcionalidade adecuada entre todas.” Depreende-se deste dispositivo que, após o exercício do derecho de vuelo, surge situação de condomínio edilício sobre o imóvel.
No direito italiano, o direito de sobreelevação é tratado pelo Código Civil no capítulo referente ao condomínio edilício, especificamente no artigo 1127: “Art. 1127 Costruzione sopra l’ultimo piano dell’edificio. Il proprietario dell’ultimo piano dell’edificio può elevare nuovi piani o nuove fabbriche, salvo che risulti altrimenti dal titolo. La stessa facoltà spetta a chi è proprietario esclusivo del lastrico solare. La sopraelevazione non è ammessa se le condizioni statiche dell’edificio non la consentono. I condomini possono altresì opporsi alla sopraelevazione, se questa pregiudica l’aspetto architettonico dell’edificio ovvero diminuisce notevolmente l’aria o la luce dei piani sottostanti. Chi fa la sopraelevazione deve corrispondere agli altri condomini un’indennità pari al valore attuale dell’area da occuparsi con la nuova fabbrica, diviso per il numero dei piani, ivi compreso quello da edificare, e detratto l’importo della quota a lui spettante. Egli e inoltre tenuto a ricostruire il lastrico solare di cui tutti o parte dei condomini avevano il diritto di usare.”
Os portugueses Pires de Lima e Antunes Varela, comentando o artigo 1526 do Código Civil português – que trata do direito de sobreelevacão, como visto acima -, anotam que “a falta no Código italiano de uma disposição semelhante à do artigo 1526, aliada ao facto de o artigo 952 desse diploma [Código italiano] se referir apenas ao direito de construir al disopra del suolo, levantou em Itália dúvidas acerca da possibilidade de se constituir um direito de superfície, não sobre o solo, mas sobre uma construção.”[14]
Não obstante, analisando o direito de superfície no direito italiano, A. Massimo Bianca sustenta que o objeto do direito de superfície pode ser, sim, uma construção sobre a qual o superficiário tem o direito de sobreelevar. Tratando-se de edifício de condomínio, o direito de sobreelevação pertence legalmente (em razão do art. 1127, acima transcrito) ao proprietário do último andar ou da cobertura plana, salvo disposição em contrário. Na doutrina e na jurisprudência, aponta o autor, considera-se que este direito é uma faculdade que se enquadra no direito de propriedade sobre o edifício existente. O proprietário da parte superior do edifício estaria precisamente na posição de proprietário do solo, e adquiriria a propriedade da sobreelevação em virtude do princípio da acessão. Mais apropriada, contudo, na visão de Bianca, é a tese que reconhece que o proprietário do último andar tem direito de superfície legal.[15]
No direito brasileiro, enfim, a evolução histórico-jurídica do direito de sobreelevação se inicia a partir de estudos doutrinários sustentando a possibilidade da concessão superficiária para fins de sobreelevação, a despeito da ausência de autorização expressa na legislação nacional. Sustentava-se a ausência de restrição literal no ordenamento jurídico ao direito de sobreelevação, notadamente quando o olhar se voltava ao Código Civil (art. 1.369) e ao Estatuto da Cidade (art. 21, § 1º).
Como asseveram Rodrigo Mazzei e Rodrigo Sanz Martins, como a legislação brasileira não era clara acerca do direito de sobreelevação, a doutrina nacional não era unânime a respeito, dividindo-se em duas posições, uma favorável e outra contrária à possibilidade de sobreelevação no direito de superfície. Os contrários à referida possibilidade sustentavam, basicamente, que as normas sobre direito de superfície não abarcavam essa modalidade de concessão. Já os favoráveis[16] à concessão de superfície para sobreelevação sustentavam que o direito de superfície não poderia ser tratado com enfoque puramente horizontal e, a partir de uma leitura conjugada dos arts. 1.369 do Código Civil e 21, § 1º, do Estatuto da Cidade com o art. 1.229 do Código Civil, concebia-se a possibilidade de, com alicerce na construção alheia já implantada, utilização do gabarito aéreo que não foi totalmente aproveitado, ou seja, de espaço volumétrico que pode ainda ser edificado.
Os autores ressaltam, não obstante, que o regime jurídico elaborado até então pela doutrina era inseguro, pois embora não existisse vedação, a compreensão acerca da possiblidade da concessão do direito de superfície com objeto na sobreelevação era extraída a partir de diversos dispositivos legais. Nesse sentido, a concessão superficiária para sobreelevação reclamava apego não apenas às regras de direito de superfície, mas também a outras normatizações: na fase de construção da obra sobre o imóvel erigido em terreno alheio, havia a predominância das disposições afetas ao direito de superfície e as ligadas à própria edificação ordinária (códigos de postura, legislação urbanística, etc.); terminadas as obras vinculadas ao implante e surgindo a propriedade superficiária sobreelevada, as relações entre as partes envolvidas eram conduzidas em maior espaço pelos regramentos da propriedade horizontal e da relação condominial, ficando as questões superficiárias em plano de fundo, mas sem a sua extinção.
Este cenário de insegurança foi, enfim, alterado substancialmente com a promulgação da lei 13.465/17, ao prever expressamente o direito de laje como direito real, entendido este como a concessão que o proprietário da construção-base faz em favor do titular da laje para que este edifique uma construção na superfície superior ou inferior, não implicando a atribuição ideal de terreno ao titular da laje ou a participação proporcional em áreas já edificadas.[17]
Breve conclusão
Da análise feita do direito de sobreelevação nos ordenamentos jurídicos estrangeiros, pode-se concluir que não há um tratamento estritamente uniforme dado ao instituto. Isto é, o direito de sobreelevação é regulado de modo consideravelmente diverso pelos ordenamentos jurídicos estrangeiros.
No direito português, tratado expressamente pelo artigo 1526 do Código Civil, situado no título relativo ao direito de superfície, a doutrina o considera um “subtipo de superfície”. Majoritariamente, considera-se que a construção sobreelevada passa a ser necessariamente uma unidade autônoma do edifício, estabelecendo-se, assim, uma situação de propriedade horizontal após o exercício do direito de sobreelevação, com respeito à todas as exigências legais típicas desta forma de condomínio. Não se compreende, pelo menos majoritariamente, outras hipóteses de exercício do direito de sobreelevação, como, por exemplo, aquele que resulta em compropriedade ou em propriedade separada.
Em Macau e em Argentina, o direito de sobreelevação é tratado pelo direito positivo também no título referente ao direito de superfície. A doutrina argentina considera-o, assim como a portuguesa, modalidade de direito de superfície.
No direito espanhol e catalão, por outro lado, o direito de sobreelevação, exiguamente regulado pelo Reglamento Hipotecário, é considerado um direito real distinto do direito de superfície. Dentre as diversas diferenças apontadas pela doutrina espanhola entre um e outro direito real, destaca-se a temporariedade – imposta por lei – da propriedade sobre o implante resultante do direito de superfície e a perpetuidade intrínseca da propriedade sobre o implante decorrente direito de sobreelevação.
No direito italiano, o direito de sobreelevação é tratado no artigo 1127 do Código Civil, localizado no capítulo referente ao condomínio edilício. Não obstante, a doutrina italiana reconhece o direito de sobreelevação como modalidade de direito de superfície, embora com especificidades próprias, como a sua atribuição legal ao proprietário do último andar ou da cobertura plana, salvo disposição em contrário.
No direito brasileiro, enfim, o direito de sobreelevação, em razão da ausência de normatização expressa a respeito, era estudado em âmbito estritamente doutrinário e ligado ao direito de superfície, havendo divergência doutrinária sobre a possibilidade, ou não, de sua instituição até a promulgação da lei 13.465/17, que estabeleceu o direito de laje como direito real e, a partir de uma disciplina específica, conferiu autonomia ao direito de laje (sobreelevação) em relação ao direito de superfície.
O que se pode concluir, portanto, é que o direito de sobreelevação não pode ser tomado como instituto jurídico uniforme nos diversos ordenamentos jurídicos estrangeiros. Há especificidades deste direito que devem ser levadas em conta quando de sua consideração, que não pode ser, de certa forma, genérica.
__________
[1] VIEIRA, José Alberto. Direitos reais. 3. Ed. Coimbra: Almedina, 2020, p. 765.
[2] LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2015, p. 347.
[3] VIEIRA, José Alberto. Direitos reais. 3. Ed. Coimbra: Almedina, 2020, p. 765.
[4] LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2015, p. 348.
[5] V. LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos Reais. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2015, p. 348. Nesse mesmo sentido, escreve Armando Triunfante: “Julgamos, portanto, que o direito de superfície, na hipótese de sobrelevação, está limitado à primeira dimensão (construção da obra). No seguimento da conclusão do implante, assiste-se à extinção da superfície, permanecendo somente uma situação de propriedade horizontal. Esta conclusão é fortemente sugerida na lei. Com efeito, não existe, na sobrelevação, qualquer menção ao direito de manter a obra. Por outro lado, a sujeição às disposições da superfície está limitada à própria construção.” (TRIUNFANTE, Armando. Lições de Direitos Reais. Coimbra: Almedina, 2019, p. 287). V., também, com o mesmo entendimento: FRAGA, Álvaro Moreira Carlos. Direitos reais: segundo as prelecções do Prof. Doutor C. A. da Mota Pinto. Coimbra: Livraria Almedina, 1975, p. 296; ASCENSÃO, José Oliveira. Direito Civil: Reais. 5. Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 526.
[6] VIEIRA, José Alberto. Direitos reais. 3. Ed. Coimbra: Almedina, 2020, p. 765-766. No mesmo sentido: TRIUNFANTE, Armando. Lições de Direitos Reais. Coimbra: Almedina, 2019, p. 289.
[7] VIEIRA, José Alberto. Direitos reais. 3. Ed. Coimbra: Almedina, 2020, p. 765-766.
[8] BEGHER, Liliana Abreut de. Comentarios sobre el derecho real de superficie. Revista Derecho Privado, ano II, nº 5, p. 17-29, junho, 2013, p. 24.
[9] V. COSSARI, Nelson G. A.; LUNA, Daniel G. Derecho de sobreelevación y propriedad horizontal. Revista Jurídica La Ley, 2009-C-1090.
[10] DIEZ-PICAZO, Luis; GULLON, Antonio. Instituciones de derecho civil: derechos reales. 2. Ed. Madrid: Editorial Tecnos, 1995, v. II/1, p. 340-341. V. outras definições dadas pela doutrina espanhola: “El derecho de vuelo es el derecho real sobre un edificio que atribuye a alguien la facultad de construir una o más plantas sobre el inmueble gravado y hacer suya la propiedad de las nuevas construcciones. (.) El titular del derecho de vuelo hace suyos, con pleno dominio, los elementos privativos situados en las plantas o edificios que resultan del mismo.” (ALBA, Chantal Moll de. El aprovechamiento del derecho de vuelo: una oportunidad sostenible y económica para el sector inmobiliario. Disponível aqui. Acesso em: 18.03.2021); “Se entiende por derecho de vuelo, el derecho real sobre cosa ajena, con vocación de dominio, por el cual su titular adquiere la facultad de elevar unao varias plantas o de realizar construcciones bajo el suelo, adquiriendo, una vez ejercitado, la propiedad de lo construido.” (FREIGE, Pilar Morgado. El derecho de vuelo y de subsuelo en la propiedad horizontal de hecho. Disponível aqui. Acesso em: 18.03.2021).
[11] NICUESA, Aura Esther Vilalta. El derecho de superficie. La superficie rústica. Barcelona: Bosch, 2008, p. 125.
[12] NICUESA, Aura Esther Vilalta. El derecho de superficie. La superficie rústica. Barcelona: Bosch, 2008, p. 125-127. V., no mesmo sentido, ALBALADEJO, Manuel. Derecho Civil. 4 ed. Barcelona: Bosch, 1975. v. III, p. 218, nº 183.
[13] NICUESA, Aura Esther Vilalta. El derecho de superficie. La superficie rústica. Barcelona: Bosch, 2008, p. 125-127.
[14] LIMA, Pires de; VARELA, Antunes. Código Civil anotado. 2 ed., rev. e ampl. Coimbra: Coimbra Editora, 1987, v. III, p. 594, comentários ao art. 1526.
[15] No original: “Oggeto del diritto di superficie può anche essere una construzione, che il superficiaria abbia diritto di sopraelevare. Con riferimento ad un edificio condominale il diritto di sopraelevare spetta legalmente al proprietario dell’ultimo piano o del lastrico solare, salvoche sia diversamento stabilito. In dottrina e in giurisprudenza si ritiene che tale diritto sia una facoltà rientrante nel diritto di proprietà sulla construzione esistente. Il proprietario della parte superiore dell’edificio sarebbe precisamente nella posizione del proprietario del suolo, e acquisterebbe la proprietà della sopraelevazione in virtù del principio di acessione. Più appopriata è la tesi che ravvisa in capo al proprietario dell’ultimo piano un diritto legale di superficie.” (BIANCA, A. Massimo. Diritto civile: La proprietá. Milão: Giuffré, 1999, v. 6, p. 554).
[16] Dentre outros trabalhos doutrinários sustentando a possibilidade de sobreelevação antes da previsão expressa do direito de laje no ordenamento positivo brasileiro, v. RODRIGUES, Renata Percílio. Negócio jurídico de sobrelevação em direito de superfície. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCJ. Programa de Pós-Graduação em Direito, 2017, passim.
[17] V., amplamente, MAZZEI, Rodrigo Reis; MARTINS, Rodrigo Sanz. O direito de laje e sua previsão autônoma em relação ao direito de superfície: breve ensaio sobre a opção legislativa e o diálogo necessário entre as figuras. In: ABELHA, André (coord.). Estudos de direito imobiliário: homenagem a Sylvio Capanema de Souza. São Paulo: Ibradim, 2020, p. 372-380.
Autores:
Danilo Sanchez Pacheco é doutorando em Direito Civil e bacharel em Direito pela USP, e mestre em Direito Civil pela PUC-SP.
Rafael Gil Cimino é mestre em Direito pela Escola Paulista de Direito, especialista em Direito Notarial e Registral pela USP/Ribeirão Preto, bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e tabelião do 3º Tabelionato de Notas e Protesto de São Vicente/SP.
Victor Hugo Cunha Silva é bacharel em Direito pela USP e mestrando em Direito pela FMU.
Fonte: Migalhas