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Migalhas – Artigo: O protagonismo dos cartórios extrajudiciais para a efetividade da execução de garantia fiduciária de bem imóvel prevista na lei 9.514/97 – Por Felipe Banwell Ayres
Neste ano, a lei 9.514/97, que introduziu no ordenamento jurídico o procedimento da execução extrajudicial de créditos imobiliários garantidos por alienação fiduciária, completou vinte cinco anos de vigência.
Como se extrai do enunciado do art. 22 da lei 9.514/97, o instituto da alienação fiduciária é definido como “o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel”.
O interessante conceito de propriedade fiduciária não era novidade no Brasil [1], contudo, por motivo da grave crise do mercado imobiliário da década de 80, que duramente impactou o Sistema Financeiro de Habitação (SFH), foi somente com a Lei nº 9514/97 que o instituto fora introduzido às operações de crédito imobiliário.
Nesse sentido, o cenário econômico nacional e a alienação fiduciária – ao criarem eficiente sistema de recuperação de crédito – permitiram, em conjunto, um boom no mercado imobiliário brasileiro, barateando o custo de crédito para milhares de famílias que buscam o dito “sonho brasileiro da casa própria”, tal como pretendido pelos idealizadores da lei 9.514/97 [2].
Em retrospecto, embora não previsto pelos idealizadores do texto legislativo, pode-se apontar que o procedimento extrajudicial de créditos imobiliários da lei em questão também contribuiu para não agravar as mazelas decorrentes do fenômeno da hiperjudicialização, representado pelos mais de 70 milhões de processos em tramitação no Brasil [3]. Ganharam os devedores, credores, o Poder Judiciário e a sociedade brasileira.
Não causa surpresa, portanto, dados no sentido de que atualmente mais de 90% das operações de garantia de créditos imobiliários são realizadas por meio de alienação fiduciária. Em comparação, os números apontam que atualmente somente 6% das operações de crédito utilizam-se do instituto da hipoteca [4]. A discrepância entre esses dados permite concluir que se mostraram acertados os prognósticos dos idealizadores da lei 9.514/97.
Há que se reconhecer, contudo, que a aceitação do procedimento extrajudicial de alienação fiduciária de bem imóvel não foi simples. Como ocorre no Brasil com textos legislativos que introduzem medidas de desjudicialização, o procedimento da execução extrajudicial de créditos imobiliários fora recepcionado à época com críticas e desconfiança por parte da comunidade jurídica [5]. Além disso, há os que clamam por suscitar inconstitucionalidade total ou parcial da iniciativa, o que persiste até os dias atuais [6].
Deve-se também conceder que a lei 9.514/97, que fora objeto de seguidas alterações desde sua promulgação, necessita de reformas em importantes pontos, como nos relativos aos procedimentos de atos executivos. Conforme amplamente noticiado pela imprensa especializada, esses e outros pontos são objeto de debates no âmbito do Congresso Nacional, por meio do PL 4.188/2021 (recentemente aprovado com alterações pela Câmara dos Deputados), inciativa legislativa também conhecida como o “Marco Legal das Garantias”, cujos tópicos ali tratados, por fugirem do limitado escopo deste texto, não serão aqui examinados.
Ainda assim, neste quase um quarto de século de vigência da virtuosa lei, que revolucionou o sistema de garantia imobiliária, a despeito da existência de pontos a serem reparados, é indiscutível a efetividade [7] e os benefícios da lei até este momento.
Clique aqui e confira a coluna na íntegra.
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1 CHALUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária de bens imóveis. 20 anos de vigência. Editora Thomson Reuters. Rio de Janeiro. 2018, p. 2.
2 Dados extraídos da Exposição de Motivos do PL 3.242/97, transformado na Lei nº 9.514/97. Acesso em 14.11.2022.
3 Como aponta o Relatório “Justiça em Números” do CNJ. Acesso em 15.11.2022.
4 Dados extraídos da Exposição de Motivos do Anteprojeto do PL 4.188/2021 (recentemente aprovado com alterações pela Câmara dos Deputados. Acesso em 15.11.2022.
5 CHALUB, Melhim. op. cit. p. 2.
6 O STF, no ano passado, por sete votos a cinco, julgou constitucional o decreto-lei 76/66, que regulamenta a execução extrajudicial de dívida hipotecária (Tema 249). Além disso, o STF deverá julgar ainda neste ano o RExt nº 860631/SP, que questiona a constitucionalidade do procedimento de alienação extrajudicial previsto na lei 9514/97 (Tema 982). Confia-se que o STF – desta vez por quórum mais expressivo – rejeitará a alegação de inconstitucionalidade da indigitada lei.
7 Para precisa definição dos conceitos de vigência, vigor, eficácia e efetividade da norma, verificar: OLIVEIRA, Carlos Elias e COSTA-NETO, João. Direito Civil, Volume Único. Editora Método. Brasília, 2022. p. 8.
*Felipe Banwell Ayres é advogado e pós-graduando em Direito Imobiliário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO).
Fonte: Migalhas