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Migalhas – Artigo: As recentes decisões dos Tribunais Superiores sobre a base de cálculo do ITBI – Por Natália Dupin de Paula

A partir do decisório do STJ, os municípios devem ajustar a base de cálculo do citado imposto, de forma que ela corresponda ao valor declarado pelas partes no contrato de compra e venda pactuado em condições normais de mercado

26-08-2022

As pessoas que já adquiriram imóveis, firmando contratos de compra e venda, sabem que, além do pagamento do valor acordado pelo bem, também é necessário o recolhimento aos cofres públicos municipais do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis, chamado ITBI.

Contudo, muitas das vezes, ao realizar negócios dessa natureza, o comprador enfrenta celeuma no que diz respeito ao momento do nascimento da obrigação tributária de quitar o ITBI (fato gerador), bem como acerca da definição do valor sobre o qual tal imposto deve incidir (base de cálculo), sendo surpreendido com cobranças indevidas por parte da municipalidade.

O presente artigo tem, portanto, o objetivo de definir qual a base de cálculo para a cobrança do ITBI, bem como o momento em que tal imposto pode ser exigido pelo município.

A Constituição Federal1 autoriza os municípios a cobrar o ITBI, o qual deve incidir sobre a transmissão, entre pessoas vivas, por ato oneroso, da propriedade, do domínio útil ou de direitos reais sobre imóveis, exceto garantia.

Assim, a partir da leitura do texto constitucional é possível estabelecer que o fato gerador do ITBI é a transferência, ou seja, a mudança de titularidade ou a transmissão da propriedade.

Como não poderia deixar de ser, o CTN – Código Tributário Nacional mantém a diretriz da Constituição Federal de que o evento autorizador da cobrança do ITBI é a formalização do ato de transmissão da propriedade ou de direitos reais sobre imóveis, definindo, ainda, que a base de cálculo do referido imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos.

Todavia, apesar do pragmatismo da Constituição Federal e do CTN, a definição do termo “valor venal” vem gerando, ao longo dos anos, grande debate entre o fisco municipal e os contribuintes, ou seja, os compradores de imóveis.

Isso porque a referida expressão é também utilizada como elemento da base de cálculo do IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano, de competência municipal.

Entretanto, as hipóteses de incidência, isto é, de cobrança, do ITBI e do IPTU2 são distintas.

Logo, a mesma expressão “valor venal”, utilizada para o cálculo de um e de outro imposto, não se confunde.

É que, no caso do ITBI, o “valor venal” do bem é aquele estabelecido na compra e venda, que leva em consideração diversos fatores, dentre eles a conjuntura econômica, as peculiaridades do imóvel, a existência de benfeitorias, dentre outros definidos pelas partes e declarados no instrumento de contrato. Justamente por esse motivo, o lançamento do ITBI é feito por homologação ou declaração, a depender da municipalidade, isto é, a partir das informações prestadas pelo comprador ao fisco.

Por sua vez, o “valor venal” no caso do IPTU é aquele definido a partir de uma planta genérica de valores aprovada pelo Poder Legislativo local, o qual considera aspectos mais amplos e objetivos, como a localização e a metragem do imóvel.

Assim, aproveitando-se da generalidade da expressão “valor venal”, muitos municípios consideram como base de cálculo do ITBI o valor definido para a cobrança do IPTU sempre que o montante envolvido no negócio de compra e venda se revela inferior, ou, ainda, se utilizam de pautas fiscais elaboradas unilateralmente para tal finalidade, as quais, na maior parte das vezes, atingem valores superiores aos praticados efetivamente na compra e venda.

Ou seja, para a cobrança do ITBI, os entes municipais, em sua grande maioria, se baseiam no valor mais elevado de referência, sem considerar o montante real envolvido na operação de compra e venda.

Diante das controvérsias apontadas acima, o STJ3 encaminhou para julgamento, sob o rito dos recursos repetitivos, o Recurso Especial no 1.937.821, a fim de definir i) se a base de cálculo do ITBI está vinculada à do IPTU; e ii) se é legítima a adoção de valor venal de referência previamente fixado pelo fisco municipal como parâmetro para a fixação da base de cálculo do ITBI, cadastrando-o sob o Tema 1.113 da base de dados do citado Tribunal Superior.

A boa notícia é que, ao julgar o citado recurso, o STJ definiu três teses para a apuração do ITBI nas operações de compra e venda, as quais, em suma, definem que a base de cálculo do referido imposto é o valor declarado pelas partes no instrumento contratual, o qual se presume ser condizente com o valor de mercado, estabelecendo, ainda, que tal presunção só pode ser afastada mediante a regular instauração de processo administrativo próprio pelo fisco.

Nesse sentido, transcreve-se as três teses definida pela Corte Superior, a saber:

1) A base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;

2) O valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (artigo 148 do Código Tributário Nacional – CTN);

3) O município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido de forma unilateral.

Ainda no julgamento do recurso em referência, o ministro Relator Gurgel de Faria destacou que: “nesse panorama, verifica-se que a base de cálculo do ITBI é o valor venal em condições normais de mercado e, como esse valor não é absoluto, mas relativo, pode sofrer oscilações diante das peculiaridades de cada imóvel, do momento em que realizada a transação e da motivação dos negociantes“.

Nesse contexto, o comprador ganha uma ferramenta a mais para se defender das cobranças realizadas pelo ente municipal sempre que a base de cálculo definida para a cobrança do ITBI superar o valor declarado pelas partes no instrumento de compra e venda.

Vale destacar que tal recente decisão proferida pelo STJ, além de beneficiar as partes no negócio de compra e venda, traz mais segurança jurídica às referidas operações.

Todavia, conquanto vincule todas as questões que venham a ser submetidas ao Poder Judiciário, a decisão proferida pelo STJ não tem o condão de alterar legislações municipais em sentido contrário, autorizando contudo, caso necessário, a adoção das medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis pelo comprador do imóvel – também chamado de contribuinte – para fazer valer o seu direito líquido e certo de pagar o ITBI com base no valor da transação realizada em condições normais de mercado.

Ressalte-se, ademais, que é também possível aos contribuintes que tenham adquirido imóveis nos últimos cinco anos, pagando o ITBI com base em valores maiores que o da compra e venda, pleitear a restituição, por meio de procedimentos administrativos ou judiciais próprios, dos importes eventualmente quitados a maior perante o fisco municipal.

Decerto, a recente decisão do STJ joga luz sobre o tema, cabendo aos contribuintes atentarem-se quanto ao valor apurado como base de cálculo do ITBI, verificando se ele corresponde ao valor real da transação realizada, evitando o pagamento de imposto indevido, ou, ainda, acaso constatada a cobrança excessiva em operações de compra e venda realizadas nos últimos cinco anos, pleitear a restituição do pagamento a maior junto ao fisco.

Outrossim, esclarecido o critério para a apuração da base de cálculo do ITBI, resta elucidar a celeuma jurídica acerca do momento em que tal imposto pode ser exigido.

Vale lembrar que, tal como mencionado acima, tanto a Constituição Federal quanto o CTN definem que a cobrança do ITBI se dá a partir da transmissão da propriedade, do domínio útil ou dos direitos reais sobre imóveis.

Por sua vez, o Código Civil4 exige o registro no cartório competente como condição para efetivar a transferência da propriedade.

Dentro desse quadro, o ITBI a ser calculado sobre o valor real da transação em condições normais de mercado só pode ser exigido pelo fisco municipal no momento do registro da transação perante o Cartório de Registro Imobiliário competente, e não por ocasião da celebração de promessa de compra e venda ou da cessão de direitos decorrentes de tal promessa.

Vale destacar que também quanto a esse aspecto, há decisão judicial favorável dos Tribunais Superiores às partes envolvidas em contratos de compra e venda e ao contribuinte do ITBI.

Isso porque, objetivando estabelecer um entendimento único a ser aplicado ao caso, o STF5 submeteu o Agravo em Recurso Extraordinário nº 1.294.969, no qual se discute a possibilidade de incidência do ITBI em cessão de direitos de compra e venda, mesmo sem a transferência de propriedade pelo registro imobiliário, ao rito dos recursos repetitivos, gravando-o sobre o Tema nº 1.124 da citada Corte e decidindo que:

O fato gerador do imposto sobre transmissão intervivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro“.

Em resumo, ao julgar o referido recurso, o STF reiterou o entendimento já externado em outros julgados de que o ITBI apenas pode ser exigido pelo fisco municipal por ocasião do registro da compra e venda no Cartório de Registro Imobiliário competente, sendo esse o fato gerador do aludido imposto.

Embora a referida decisão ainda não seja definitiva, ela renova a esperança de que os municípios e os Oficiais do Registro de Imóveis (geralmente colocados na condição de responsáveis tributários) não mais insistam na exigência de recolhimento do ITBI em casos de registros de promessas de compra e venda ou de cessão de direitos decorrentes das referidas promessas, autorizando a adoção das medidas administrativas ou judiciais cabíveis pelos contribuintes que tenham os seus direitos violados.

CONCLUSÃO

As recentes decisões do STF e do STJ acerca do nascimento da obrigação de pagamento do ITBI e da caracterização da sua base de cálculo são favoráveis às partes envolvidas no negócio jurídico de compra e venda de imóveis e ao contribuinte do imposto.

Isso porque o STJ já fixou, em decisão definitiva que atinge todos os processos envolvendo o Tema 1.113 da citada Corte, que a base de cálculo do ITBI é o valor declarado pelas partes no instrumento contratual, o qual goza da presunção de ser condizente com o valor de mercado, estabelecendo, ainda, que tal presunção só pode ser afastada mediante a regular instauração de processo administrativo próprio pelo fisco.

Portanto, a partir do decisório do STJ, os municípios devem ajustar a base de cálculo do citado imposto, de forma que ela corresponda ao valor declarado pelas partes no contrato de compra e venda pactuado em condições normais de mercado, autorizando aos contribuintes buscar, judicial ou administrativamente, o ressarcimento de pagamentos feitos a maior em razão de negócios de compra e venda efetivados nos últimos cinco anos.

Outrossim, a tese fixada pelo STF ao jugar o Tema 1.124, embora ainda não definitiva, reforça o entendimento também favorável ao contribuinte no sentido de que o ITBI apenas pode ser exigido na transmissão, isto é, no registro da operação de compra e venda no cartório competente, constituindo óbice para que os municípios ou os Oficiais de Registro de Imóveis exijam o recolhimento do mencionado imposto em casos de registros de promessas de compra e venda ou de cessão de direitos decorrentes das referidas promessas.

Notas

[1] Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I – propriedade predial e territorial urbana;

II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

[2] O IPTU é cobrado anualmente pelo município em que o imóvel está localizado, em razão da propriedade, domínio útil ou posse de bem imóvel localizado em zona urbana municipal.

[3] STJ – Superior Tribunal de Justiça

[4] Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

[5] STF – Supremo Tribunal Federal

*Natália Dupin de Paula é advogada do escritório Moura Tavares, Figueiredo, Moreira e Campos Advogados.

Fonte: Migalhas