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Migalhas – Artigo: As mulheres e o tráfico de drogas – o papel do Estado e do registro de imóveis – Por Robson Martins e Érika Silvana Saquetti Martins

O tráfico de drogas não ocorre apenas e tão somente em áreas degradadas ou favelas, mas fato é que o ambiente de extrema pobreza, aliada ao comando de milícias e organizações criminosas de tais locais, facilita a prática de graves crimes neste contexto social.

26-01-2023

Desde os primórdios da civilização humana, as cidades foram idealizadas para os seres humanos e não existem por si sós, pois de forma consectária, visam o bem-estar da sociedade, já que a precípua virtude de uma cidade: “[…] é que as pessoas se sintam seguras e protegidas na rua em meio a tantos desconhecidos. Não se devem se sentir ameaçadas por eles de antemão. O distrito que falha nesse aspecto também fracassa em outros e passar a criar para si mesmo, e para a cidade como um todo, um monte de problemas” (JACOBS, 2011, p. 30).

Deveras, nas grandes cidades o tráfico surge como exponencial de problemas de toda sorte, mas isto também acontece em face da corrupção, que existe em qualquer país do planeta e desde os primórdios da humanidade:

[…] A corrupção existe no mundo desde os primórdios das organizações políticas. Ao longo da história, contudo, muitos países conseguiram reduzi-la a níveis pouco significativos. Seu enfrentamento exige incentivos adequados, instituições sólidas – e não comprometidas – e um sentido de ética pessoal. Corrupção significa levar vantagem indevida para fazer ou deixar de fazer alguma coisa que era do seu dever. Ou, na definição da Transparência Internacional, corrupção é o abuso de poder para ganho pessoal (BARROSO, 2020, p. 97)

Destarte, a corrupção produz vários efeitos nefastos, sendo um deles, a facilitação do próprio tráfico de drogas, o qual adentra no país, muitas vezes, em face da corrupção policial e alfandegária:

[…] A forte presença de policiais e integrantes das Forças Armadas na mediação de compra e venda de fuzis não significava, necessariamente, que os militares estavam passando para o lado da bandidagem. Os militares continuavam odiando os bandidos, mas tinham a ilusão de que podiam lucrar com eles sem perder o controle. Bigode explicou que o lucro milionário que ele obtinha com a venda de armas exigia dele certo cinismo, capaz de justificar a guerra que ele indiretamente alimentava com armas como uma fatalidade sem solução. Os vendedores apenas aproveitavam as oportunidades oferecidos por aquele rico mercado de violência, (MANSO, 2020, p. 114).

O tráfico de drogas ilícitas, tais como maconha, haxixe, LSD e cocaína, em face da alta rentabilidade financeira, grande demanda, falta de empregos formais no país e contexto em que vivem as pessoas mais vulneráveis  no Brasil, em geral em favelas, áreas irregulares para o Estado, introduz grande número de jovens em seu meio, através de organizações criminosas, na ânsia de ganhar notoriedade, renda, identidade e até mesmo pela pressão de violência exercida pelos traficantes ou milicianos já controladores de inúmeras áreas carentes.

O tráfico de drogas não ocorre apenas e tão somente em áreas degradadas ou favelas, mas fato é que o ambiente de extrema pobreza, aliada ao comando de milícias e organizações criminosas de tais locais, facilita a prática de graves crimes neste contexto social.

A existência de grandes carências de itens básicos para a sobrevivência humana, combinada à exclusão de uma parcela da população brasileira, tornam muitas mulheres traficantes de drogas em face da proximidade e do relacionamento amoroso de seus namorados, companheiros ou maridos, e até irmãos ou filhos, pois elas possuem enormes dificuldades no não envolvimento criminoso, muitas vezes ocorrido no bojo da residência e, por consequência, não teriam condições físicas e materiais para se manter sozinhas fora daqueles locais de extrema pobreza:

A “mulher de bandido” é outro personagem na dinâmica do tráfico de drogas que atesta para o caráter conservador e patriarcal da atividade. Ela se envolve no tráfico de drogas – voluntariamente ou não – como resultado de seu relacionamento afetivo com um “bandido”. Assim como a “fiel”, a mulher de bandido é submetida às leis informais e aos acordos tácitos que orientam a relação entre as pessoas (especialmente entre homens e mulheres) na rede do tráfico de drogas (BARCINSKI, 2012, p. 55)

Conforme o INFOPEN de 2018¹, segundo levantamento feito pelo Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, 62% (sessenta e dois por cento) das mulheres encarceradas foram presas pelo crime de tráfico de drogas, o que representa praticamente 2/3 (dois terços) de toda comunidade de presidiárias brasileiras, fato extremamente relevante para se verificar a situação vivenciada por tais mulheres:

[…] Compreender a natureza dos crimes tentados ou consumados pelos quais as pessoas privadas de liberdade foram condenadas ou ainda aguardam julgamento nos ajuda a formular análises acerca dos fluxos do sistema de justiça criminal, desde sua fase policial até a fase da execução penal, e seus padrões de seletividade, evidenciados na preponderância dos crimes praticados sem violência, crimes contra o patrimônio e crimes ligados ao tráfico de drogas entre os registros das pessoas privadas de liberdade. A seletividade penal pode ser compreendida a partir da baixa participação de outros tipos penais na distribuição total de incidências, o que indica que o aparato punitivo do Estado encontra-se voltado para a repressão a determinados tipos de crimes (a saber: crimes patrimoniais e crimes ligados ao tráfico de drogas) e ao encarceramento de determinados grupos sociais, como foi demonstrado ao longo de toda a seção dedicada ao perfil da população prisional neste relatório, em detrimento de outros tipos penais e grupos sociais envolvidos em delitos.

Entre as unidades prisionais que dispunham de informação sobre o tipo penal, foram computadas 33.861 incidências penais nos registros de mulheres, distribuídas entre os grupos do Código Penal e de legislações específicas. De modo geral, podemos afirmar que os crimes relacionados ao tráfico de drogas correspondem a 62% das incidências penais pelas quais as mulheres privadas de liberdade foram condenadas ou aguardam julgamento em 2016, o que significa dizer que 3 em cada 5 mulheres que se encontram no sistema prisional respondem por crimes ligados ao tráfico. Entre as tipificações relacionadas ao tráfico de drogas, o crime de Associação para o tráfico corresponde a 16% das incidências e o crime de Tráfico internacional de drogas responde por 2%, sendo que o restante das incidências se refere à tipificação de Tráfico de drogas, propriamente dita”.

O Brasil já é o terceiro país² no mundo em número de mulheres presas, superando a Rússia e analisando o perfil das detentas no país, é possível observarmos que os mecanismos de opressão e marcadores sociais de seletividade do sistema penal e repetem em relação a mulheres presas. Segundo dados do Infopen³ Mulheres, no que tange à faixa etária das presidiárias, 25,22% possuem entre 18 e 24 anos e 22,11% entre 25 e 29 anos, ou seja, 47,33% da população carcerária feminina é jovem. Porém, o recorte racial é ainda mais revelador: 63,55% se declaram negras (somatório entre pardas e pretas); enquanto apenas 35,59% se declaram brancas (dados de 2017). Comparando esses números ao da população negra no Brasil no mesmo ano, estimada em 55,4%, é possível perceber a sobrerrepresentação da população negra no sistema prisional brasileiro.

Nem sempre existe uma interconexão entre áreas carentes de moradia, drogas e o amor, eis que se trata de relação interpessoais complexas e variáveis caso a caso, podendo sofrer variantes significativas, existindo, por óbvio, mulheres que se tornam traficantes por sua livre e espontânea vontade:

[…] Para pensar os paradoxos que envolvem as relações violentas, em uma abordagem que não abandona as dinâmicas concretas e experienciais de que elas são revestidas, adotamos a perspectiva que acredita na coexistência de vários núcleos de significado que se sobrepõem, se misturam, e estão permanentemente em conflito. Na situação das relações familiares, por exemplo, cruzam-se concepções sobre sexualidade, educação, convivência e sobre a dignidade de cada um. Cruzam-se também posições definidas por outros marcadores ou categorias de diferenciação que implicam variadas posições de poder: geracionais ou etárias, marcadores raciais e também os relativos à classe e à ascensão social. Exercer uma posição é agir em função de várias dessas concepções, posições e marcadores, combinando-os mesmo quando são conflitivos. Desse modo, importa salientar que ao tratar de posições de gênero é preciso considerar que, certamente, existem padrões legitimados socialmente importantes na definição de identidades e condutas. Contudo, é preciso ter em mente que eles devem ser vistos como construções, imagens, referências compostas e adotadas de modo bastante complexo, pouco linear e nada fixo” (DEBERT, GREGORI, 2008, p. 178).

Na estrutura das relações sociais e de reconhecimento, a partir de Honneth (2009), tem três formas de reconhecimento, quais sejam, as relações primárias como amor e amizade; as relações jurídicas, correspondentes aos direitos; e a comunidade de valores, relacionada à solidariedade. Em sentido oposto a essas formas de reconhecimento estão as formas de desrespeito, especificamente, os maus-tratos e a violação; a privação de direitos; e a exclusão e a degradação e a ofensa. Notável, portanto, que as formas de desrespeito se opõem, individualmente, a cada uma das formas de reconhecimento.

Muitas vezes motivada por relações amorosas, ase mulheres acabam se envolvendo em delitos de tráfico de drogas, para encobrir o delito de seus companheiros, namorados ou maridos, ou até mesmo assumindo sua posição após a prisão do homem:

[…] Se o amor representa uma simbiose quebrada pela individuação recíproca, então o que nele encontra reconhecimento junto ao respectivo outro é manifestamente apenas sua independência individual; em razão disso, poderia surgir a miragem de que a relação amorosa seria caracterizada somente por uma espécie de reconhecimento que possuiria o caráter de uma aceitação cognitiva da autonomia do outro. (HONNETH, 2009, p. 178).

O amor: “[…] São muitas as referências ao amor, as descrições e as classificações do amor que encontramos em Platão. É comparado a uma forma de caça (O Sofista); é como uma loucura (Fedro); é um deus poderoso. Pode haver três espécies de amor: o do corpo, o da alma e uma mistura de ambos (Leis). Em geral, o amor pode ser mau ou ilegítimo e bom ou legítimo…” (MORA, 1991, p. 26).

Em relacionamentos altamente complexos e muitas vezes permeados por violência física e psicológica cotidiana, o tráfico de drogas, ademais, traz notoriedade às mulheres, as quais se envolvem em sistema complexo de crimes e em organizações criminosas:

[…] Como ressalva, o fato de o estudo mostrar as mulheres ocupando uma posição subalterna no tráfico de drogas não exclui a possibilidade, nos dias atuais, de uma maior prática da mulher como abastecedora/distribuidora, traficante, gerente, dona de boca-de-fumo e caixa/contabilidade. Atualmente merece ser mais bem investigada cientificamente a ocupação, por parte da mulher, de altos escalões do tráfico de drogas, já que a violência feminina se encontra cada vez mais relacionada ao tráfico. Além do mais, como lembram Soares e Ilgenfritz (2002, p. 126-127), há negligência para com a mulher e a necessidade de maiores estudos sobre o contexto envolvendo a violência e a mulher, em que esta obtém algum destaque quando ocupa as manchetes de jornais por sua atuação em crimes de grande repercussão, até que a violência masculina lhe rouba a cena, camuflando crimes femininos. Tais fatos chamam a atenção para a necessidade de se construírem políticas públicas voltadas para mulheres prisioneiras em que a mulher não seja reduzida à posição de vítima. A atenção deve recair sobre a saúde da mulher no contexto da violência, sendo ela vítima ou agressora, mas antes de tudo mulher” (SOUZA, 2009, p. 655).

Barcinski (2012, p. 60) fez abordagem importante no que tange à visibilidade da mulher quanto ao tráfico de drogas:

[…] A saída da atividade representou para as duas participantes uma volta à esfera doméstica do lar, do cuidado com a casa, com os filhos e os pais. Numa clara renúncia ao “poder masculino” e à consequente visibilidade adquirida como mulheres especiais, Denise e Vanessa retomam atividades típicas do universo feminino. O discurso das duas reflete, em vários momentos, o dilema entre ser uma mulher recuperada, reformada, porém invisível na comunidade e o desejo de reviver o prazer experimentado no passado como traficante, distanciando-se novamente das mulheres ao seu redor.

Embora se busque autonomia e identidade clara em relação às mulheres, precipuamente na questão afetiva e sexual, ainda temos um longo caminho a percorrer na sociedade brasileira e quiçá em esfera mundial. O patriarcado, ainda existente como costume intrínseco ao nosso país, é abordado de maneira eficiente por Cohen (2012, p. 109), embora o seu texto se refira mais especificamente à temática da liberdade do aborto em face das mulheres, mas que pode também, por analogia, ser aplicado quanto à dependência de muitas mulheres em relação ao tráfico de drogas cometidos por seus maridos, companheiros ou namorados:

[…] Ao mesmo tempo, o reconhecimento legal da competência ética da mulher com relação à reprodução, à sexualidade e à associação íntima confirma sua igualdade. Enquanto as mulheres como mulheres adquirem “proteção especial” para suas singulares capacidades (direito ao aborto é direito das mulheres), sua “diferença” não é por isso reificada; antes, é simultaneamente reconhecida e deixada nas mãos das próprias mulheres, para que a construam. E eu entendo que, afinal, este é o momento de afirmar o direito de ser “diferente” e igual.

Nesta vertente clara, vários fatos contribuem para a prática de delitos por mulheres, mas o contexto social de moradia, identitário e amoroso efetiva um entrelaçamento entre os núcleos de violência urbana, precipuamente o tráfico de drogas, crime pelo qual mais são condenadas.

Tornam-se sujeitos ativos da violência de que são permanentemente objeto na vida urbana, seja nos meios de transporte lotados que as sujeitam a abusos, seja nos pontos de ônibus escuros que as torna vulneráveis na volta de longas jornadas de trabalho, seja na precarização da moradia, elas em sua grande maioria chefiam, principalmente nos estratos mais vulneráveis da sociedade.

Há real necessidade de que os órgãos governamentais, precipuamente a União em sua verticalidade federada, aprofunde os estudos temáticos quanto à realidade de tais mulheres, buscando políticas públicas voltadas ao enfrentamento do tráfico de drogas, mas também ao acolhimento de tais pessoas, em caso de recusa na participação dos delitos, e à proteção, quando essa recusa é tratada com violência.

Em face de tal situação grave em que são vítimas geralmente as mulheres, em muitas situações o próprio legislador previu que a anuência dos cônjuges seria dispensável para fins de alienação do imóvel, assim como proporcionou uma maneira célere de usucapião familiar, com tempo diminuído para dois anos, com clara conexão com a celeridade imanente às serventias extrajudiciais de registro de imóveis.

O abandono do lar pelo cônjuge, muitas vezes surge nesse contexto de extrema violência e deterioração do ambiente familiar, podendo, por uma vez, solicitar a usucapião familiar, conforme artigo 1240-A do Código Civil:

Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Em situações específicas de regularização fundiária e do programa minha casa minha vida, a lei 11.977/09 assevera, em seu artigo 73-A:

Excetuados os casos que envolvam recursos do FGTS, os contratos em que o beneficiário final seja mulher chefe de família, no âmbito do PMCMV ou em programas de regularização fundiária de interesse social promovidos pela União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, poderão ser firmados independentemente da outorga do cônjuge, afastada a aplicação do disposto nos arts. 1.647 a 1.649 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).         

Para fins de situação de extrema vulnerabilidade envolvendo casos de violência contra a mulher, além da previsão do crime de feminicídio, uma forma de homicídio com causa de aumento, a Lei Maria da Penha previu de maneira importante, como uma das formas de asseguramento à sua integridade como mulher e de sua prole, que a servidora/empregada pública federal, estadual ou municipal, da administração direta ou indireta tenha acesso, inclusive, à prioridade na remoção de seu cargo.

A questão das cidades e suas necessidades tornam imperioso um planejamento urbano mais plural, que leve em conta as diferenças de gênero, bem como as facilidades cotidianas para os seres humanos, tais como emprego, educação, saúde, serviços nas aglomerações urbanas.

O elevado índice de desemprego, alto custo da terra e especulação imobiliária nos grandes centros urbanos ocasionaram aglomerações em áreas irregulares e a precarização das moradias, hoje chefiadas, nos estratos mais baixos, na quase maioria, por mulheres, mulheres essas que muitas vezes sofreram de invisibilização no espaço público e violência, no âmbito doméstico.

O crime tráfico de drogas, equiparado a hediondo pelo constituinte federal, pela grande demanda existente, tem alta relevância financeira, na medida em que organizações criminosas dominam áreas carentes e seus respectivos moradores.

O desemprego, a desumanidade, a violência extrema, o machismo estrutural e as relações amorosas complexas e psicologicamente prejudiciais, caracterizam um entrelaçamento no que tange à participação das mulheres no tráfico de drogas no Brasil, muitas vezes envolvidas na prática de delitos por seus próprios maridos, companheiros e namorados, e até mesmo irmãos ou filhos.

O INFOPEN de 2018 assevera que 62% (sessenta e dois por cento) das presidiárias lá estão em virtude da prática do crime de tráfico de drogas, mostrando uma interconexão entre as cidades, o tráfico de drogas, a violência cotidiana e os relacionamentos amorosos abusivos, até que fiquem completamente alijadas da vida urbana e desamparados seus filhos, que tenderão a se reconhecer neste mesmo cenário de privações, violência e desagregação familiar.

A União, precipuamente, deve aprofundar os estudos temáticos quanto à realidade de tais mulheres, buscando inserção de políticas públicas voltadas especificamente ao enfrentamento do tráfico de drogas, mas também ao acolhimento de tais pessoas, em caso de recusa na participação dos delitos perpetrados, assim como de proteção dessas mulheres num ambiente carcerário também masculinizado e opressivo.

Ademais, em face de tal situação grave em que são vítimas geralmente as mulheres, em muitas situações o próprio legislador previu que a anuência dos cônjuges seria dispensável para fins de alienação do imóvel, assim como proporcionou uma maneira célere de usucapião familiar, com tempo diminuído para dois anos, com clara conexão com a celeridade imanente às serventias extrajudiciais de registro de imóveis.

O abandono do lar pelo cônjuge, muitas vezes surge nesse contexto de extrema violência e deterioração do ambiente familiar, podendo, por uma vez, solicitar a usucapião familiar, conforme artigo 1240-A do Código Civil de 2002. Outrossim, em situações específicas de regularização fundiária e do programa minha casa minha vida, a lei 11.977/09 (PMCMV) assevera que inexistirá, portanto, a necessidade de anuência do cônjuge para alienação do imóvel.

Não se pode olvidar que a mulher vítima de delitos por parte de seu marido, companheiro ou namorado, muitas vezes é servidora ou empregada pública e necessitará de remoção de seu cargo para salvar a si e sua prole, tendo notória dificuldade na anuência conjugal para fins de alienação do único bem imóvel que possui, objetivando o recomeço de sua vida em outro local, distante do agressor e protegida contra qualquer tipo de vilipêndio.

O Registro de Imóveis, na forma do art. 236 da CF e lei 6.015/73, torna-se um porto seguro para a mulher que necessita de amparo em um momento de extrema dificuldade em seus relacionamentos amorosos, tornando sua moradia uma fortaleza inabalável que o Estado, através do RI, poderá trazer como segurança jurídica forte que o companheiro ou marido poderia abalar, caso não houvesse tal serviço delegado, com a aplicação dos princípios constitucionais e legais atinentes.

Estes são pequenos passos que o Estado brasileiro deve tomar para fazer frente à gravidade de circunstâncias e multiplicidade de crimes em que se encontram as mulheres, envoltas em contextos de locais com alta criminalidade, sendo importante que as serventias extrajudiciais de registro de imóveis, nos casos em que envolvam tais bens de mulheres, conquanto os casos sejam extremamente complexos, tenha o rigor e a sensibilidade para tornar cada vez mais célere a apreciação dos requerimentos/títulos que envolvam tais situações graves em nossa sociedade brasileira, com o escopo de, ao final, proteger a prole do casal e a mantença da família, pilar da sociedade brasileira.

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1 https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5768833/mod_resource/content/1/INFOPEN%20MULHERES%202018.pdf

2 https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/brasil-ultrapassa-russia-e-se-torna-pais-com-3-maior-numero-de-mulheres-presas/

3 https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5768833/mod_resource/content/1/INFOPEN%20MULHERES%202018.pdf

Autores:

Robson Martins é doutor em Direito (ITE/SP) e Mestre (UFRJ). Especialista em Direito Civil, Notarial e Registral. Professor universitário. Procurador da República. Promotor de Justiça PR 99/02. Técnico JFPR 93/99.

Érika Silvana Saquetti Martins é doutoranda Dto ITE. Mestre Dto. UNINTER. Mestranda Pol Públicas UFPR. Espec Dto e Proc Trabalho, Dto. Público e Notarial e Registral. Professora Pós Graduação latu sensu Direito Uninter. Advogada.

Fonte: Migalhas