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Migalhas – Artigo: As exigências ilegais do cadastro ambiental rural nas NSCGJ – Por Bruno Drumond Gruppi e Manuela Cortez Suppia
As exigências impostas pelas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo em relação ao cadastro ambiental rural e a área de reserva legal (florestal) não têm amparo na atual legislação ambiental.
As Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo (NSCGJ) impõem a obrigatoriedade da averbação do número de inscrição do imóvel rural no Cadastro Ambiental Rural (CAR) para atos registrários, apesar da publicação do atual Código Florestal (lei 12.651/12), que desobrigou a averbação da Área de Reserva Legal e não estabeleceu prazo para a inscrição no CAR.
O atual Código Florestal criou o Cadastro Ambiental Rural para fins de planejamento ambiental e desenvolvimento sustentável. De acordo com o art. 29:
É criado o Cadastro Ambiental Rural – CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente – SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.
A inscrição do imóvel ou posse rural no CAR é obrigatória e, atualmente, o seu prazo para inscrição é indeterminado, por força da lei 13.887/19, que alterou o § 3º do artigo 29 da lei 12.651/12: “§ 3º A inscrição no CAR é obrigatória e por prazo indeterminado para todas as propriedades e posses rurais”.
O registro da Área de Reserva Legal no CAR desobriga a sua averbação à margem da matrícula, conforme § 4º do art. 18 do atual Código Florestal:
§ 4º O registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis, sendo que, no período entre a data da publicação desta Lei e o registro no CAR, o proprietário ou possuidor rural que desejar fazer a averbação terá direito à gratuidade deste ato.
Não obstante a facultatividade da averbação da Área de Reserva Legal à margem da matrícula do imóvel rural e da indeterminação do prazo para inscrição do imóvel ou posse rural no CAR, as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo continuam a exigir a inscrição do imóvel ou posse rural no CAR para a prática de atos registrários, especialmente a retificação.
Atualmente, os itens do Capítulo XX do Tomo II das NSCGJ que tratam dessa exigência são, principalmente: item 10.4.; itens 123. b.; 123.1.2.; 123.1.3.; 123.2; 123.2.1.
Os citados itens acima se mostram incoerentes com a atual sistemática de regularização ambiental imposta pela lei 12.651/12 e por seus decretos regulamentadores pelos seguintes argumentos:
Primeiro, porque o prazo para a inscrição do imóvel ou posse rural passou a ser indeterminado, por força da lei 13.887/19, que alterou o § 3º do art. 29 da lei 12.651/12. Com isso, os itens 10.4, itens 123. b.; e 123.2 das NSCGJ se mostram desatualizados em relação à lei 13.887/19.
10.4. A obrigatoriedade da averbação do número de inscrição do imóvel rural no CAR/SICAR, a ser realizada mediante provocação de qualquer pessoa, fica condicionada ao decurso do prazo estabelecido no § 3.º do art. 29 da lei 12.651/12.
123. Poderão ser averbados: […] b) o número de inscrição no CAR/SICAR-SP, enquanto não decorrido o prazo estabelecido no § 3.º do art. 29 da lei 12.651/12, a partir do qual a averbação passará a ser obrigatória nos termos do subitem .10.5. deste Capítulo;
123.2. As averbações referidas na alínea b do item 123 condicionam as retificações de registro, os desmembramentos, unificações, outros atos registrais modificativos da figura geodésica dos imóveis e o registro de servidões de passagem, mesmo antes de tornada obrigatória a averbação do número de inscrição do imóvel rural no Cadastro Ambiental Rural – CAR, salvo se realizada a averbação tratada na alínea a do item 123.
Segundo, porque os itens 123.1.2. e 123.2. violam a previsão do § 4º, art. 18, da lei 12.651/12, que desobrigou a averbação da Área de Reserva Legal à margem da matrícula do imóvel rural. No caso, melhor seria, se as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo tivessem regulado a possibilidade de especialização da Área de Reserva Legal na matrícula do imóvel pelo proprietário do imóvel rural, à luz da parte final do § 4º do art. 18 do atual Código Florestal e item 22, II, art. 167 da lei 6.015/73.
123.1.2. A averbação da reserva legal florestal será feita de ofício pelo Oficial do Registro de Imóveis, sem cobrança de emolumentos, por meio do Serviço de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), assim que o perímetro da reserva for validado pela autoridade ambiental e implantados os mecanismos de fluxo de informações entre a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (SMA), a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e a Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (Arisp), definidos no Acordo de Cooperação Técnica que entre si celebraram.
Terceiro, porque o item 123.1.3. viola o artigo art. 9º-A da lei 6.938/81, ao condicionar a averbação da compensação da Área de Reserva Legal nos imóveis envolvidos com a aprovação da compensação pelo órgão ambiental competente. A nova redação do art. 9º-A da lei 6.938/81, dada pelo art. 78 do atual Código Florestal, suprimiu a aprovação da servidão ambiental pelo órgão ambiental, a fim de estimular a preservação ambiental.
123.1.3. Na hipótese de compensação de Reserva Legal, a notícia deverá ser averbada na matrícula de todos os imóveis envolvidos após a homologação ou aprovação do órgão ambiental através do Sistema Paulista de Cadastro Ambiental Rural – SICAR-SP.
Art. 9º-A. O proprietário ou possuidor de imóvel, pessoa natural ou jurídica, pode, por instrumento público ou particular ou por termo administrativo firmado perante órgão integrante do Sisnama, limitar o uso de toda a sua propriedade ou de parte dela para preservar, conservar ou recuperar os recursos ambientais existentes, instituindo servidão ambiental.
Quarto, o item 123.2.1. é polêmico, porquanto atribuiu ao Oficial Registrador de Imóveis o exercício de análise e controle das Áreas de Reserva Legal.
O provimento anterior correlato (Provimento 37/2015) foi revogado (Provimento CGJ 51/2015 – Parecer 441/2015-E – Processo 100.877/2013).
Além disso, as exigências originárias do item 123.2.1. (Provimento CG 37/2013) foram mitigadas com a dispensa da apresentação da “[…] planta e no memorial descritivo, acompanhados de declaração do profissional responsável de que corresponde à descrição inscrita no SICAR/CAR, e averbada gratuitamente na respectiva matrícula do bem imóvel.” (item 125.2.1. do Provimento CG 37/2013).
123.2.1. Nas retificações de registro, bem como nas demais hipóteses previstas no item 123.2, o Oficial deverá, à vista do número de Inscrição no CAR/SICAR, verificar se foi feita a especialização da reserva legal florestal, qualificando negativamente o título em caso contrário. A reserva legal florestal será averbada, gratuitamente, na respectiva matrícula do bem imóvel, em momento posterior, quando homologada pela autoridade ambiental através do Sistema Paulista de Cadastro Ambiental Rural – SICAR-SP.
Por outro lado, as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo deixaram de tratar das hipóteses previstas nos artigos 67 e 68 do atual Código Florestal, que se referem a regularização ambiental de imóveis rurais com área de até 4 (quatro) módulos fiscais e sobre a irretroatividade das leis ambientais no caso de supressão da vegetação nativa, respectivamente:
Art. 67. Nos imóveis rurais que detinham, em 22 de julho de 2008, área de até 4 (quatro) módulos fiscais e que possuam remanescente de vegetação nativa em percentuais inferiores ao previsto no art. 12, a Reserva Legal será constituída com a área ocupada com a vegetação nativa existente em 22 de julho de 2008, vedadas novas conversões para uso alternativo do solo.
Art. 68. Os proprietários ou possuidores de imóveis rurais que realizaram supressão de vegetação nativa respeitando os percentuais de Reserva Legal previstos pela legislação em vigor à época em que ocorreu a supressão são dispensados de promover a recomposição, compensação ou regeneração para os percentuais exigidos nesta Lei.
Atualmente, a questão dos artigos 67 e 68 do atual Código Florestal é regulada pela Nota Técnica Conjunta Arisp/SMA/Cetesb, datada de 28 de junho de 2016, a qual determina que o proprietário de imóvel rural deve declarar o motivo da ausência de declaração da Área de Reserva Legal no Cadastro Ambiental Rural.
Em conclusão, as exigências impostas pelas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo em relação ao Cadastro Ambiental Rural e a Área de Reserva Legal (Florestal) não têm amparo na atual legislação ambiental.
Assim como, não tem amparo legal e normativo as exigências cartorárias que exigem a apresentação da planta e do memorial descritivo da Área de Reserva Legal do (Florestal) do imóvel rural e averbação do número de inscrição do imóvel rural no CAR para a prática de qualquer ato registrário, além do previsto no item 123.2, Cap. XX, Tomo II, das NSCGJ.
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Disponível em: http://sustentabilidade.registradores.org.br/noticias/nota-tecnica-conjunta-arispsmacetesb.html. Acesso em 11 out. 2021
Autores:
Bruno Drumond Gruppi é advogado (FMU) e geógrafo (USP). Especialista em direito ambiental (COGEAE-PUC/SP), registral e notarial (EPD). Associado e Coordenador temático da ADNOTARE e membro efetivo da Comissão Especial de Geodireito da OAB-SP e do Ibradim.
Manuela Cortez Suppia é advogada (FMU). Pós-graduanda em Processo Civil (Faculdade Damásio-Ibmec). Sócia do Escritório Dantas & Suppia Advogados.
Fonte: Migalhas