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Mangabeira Unger propõe no TST reconstruir a relação capital x trabalho
Mangabeira Unger propõe no TST reconstruir a relação capital x trabalho
O ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, apresentou hoje (16) aos ministros do Tribunal Superior do Trabalho seu projeto de reconstrução das relações entre capital e trabalho no Brasil. Há cerca de um ano, Unger vem discutindo o assunto com os universos sindical e empresarial, e sua meta é encontrar um novo modelo de desenvolvimento voltado sobretudo para a inclusão de mais de metade da população economicamente ativa do País “condenada à indignidade, à injustiça e à insegurança do trabalho formal”.
Sua vinda ao TST faz parte de sua proposta de apresentar suas idéias e ouvir sugestões de todos os setores e instituições que possam contribuir para o objetivo de, a partir dos pontos convergentes, formular uma agenda legislativa a ser encaminhada ao Congresso Nacional. Em julho, Mangabeira Unger visitou o presidente do TST, ministro Rider Nogueira de Brito, e apresentou em linhas gerais as suas idéias. O presidente do TST sugeriu então o encontro com os demais ministros, a fim de aprofundar a discussão. “O TST é a maior caixa de ressonância dos problemas trabalhistas do País, porque aqui temos conhecimento do que acontece em todo o País”, afirmou o ministro hoje.
Logo de início, Mangabeira Unger lembrou que o último esforço de se criar um modelo de relações de trabalho voltado para o desenvolvimento foi a criação da legislação trabalhista, no governo de Getúlio Vargas nos anos 40. Este modelo – vigente até hoje -, na visão do ministro, tem dois defeitos básicos: não inclui a maioria dos trabalhadores e não garante representação vigorosa, independente e legítima aos incluídos. “É preciso uma obra de inovação institucional, como fez, em outras circunstâncias, com outros meios e outros propósitos, Getúlio Vargas”, afirmou.
A agenda proposta pelo ministro de Assuntos Estratégicos se sustenta em três linhas principais: resgatar a maioria da economia informal e do trabalho precário; reverter a queda da participação dos salários na renda nacional; e a revisão do regime sindical, incluído, conforme relatou, por insistência das centrais sindicais ( leia a íntegra das propostas apresentadas). Unger lembrou que a cultura brasileira é tradicionalmente corporativa, e os discursos predominantes atualmente no Brasil são os que contrapõem, de um lado, a flexibilização – “identificado corretamente pelos trabalhadores como eufemismo para descrever a corrosão de seus direitos” – e, de outro, o direito adquirido, “a defesa renhida do regime da CLT como baluarte contra a campanha para flexibilizar”. Nenhum dos dois, afirma Unger, “basta para alcançar os objetivos sugeridos aqui”.
Alguns avanços já foram obtidos, na sua avaliação – a regulamentação das centrais sindicais foi um deles. Mangabeira Unger diz-se consciente de que parte das concordâncias aparentes tende a desaparecer quando as idéias se encaminharem para a concretização, mas, otimista, acredita que boa parte sobreviverá. “Pode parecer surpreendente que temas tão controvertidos e tão marcados por mistura potencialmente explosiva de interesses e de ideologias se prestem à convergência tão ampla e pormenorizada, mas a oportunidade de construir essa convergência decorre não do trabalho de agora, mas de uma decantação – dentro do movimento sindical e do País como um todo – ao longo de muitos anos”, assinalou.
Os ministros do TST que se manifestaram centraram suas preocupações sobretudo na questão sindical. “É reconfortante ver que a proposta contempla este tema, que tem sido motivo de angústia para o Judiciário Trabalhista”, ressaltou o ministro Vantuil Abdala, decano do TST. “Muitas vezes temos enorme dificuldade em validar cláusulas de acordos coletivos em função da dúvida sobre a autenticidade da representação dos trabalhadores.” O vice-presidente do Tribunal, ministro Milton de Moura França, lembrou a grande mudança do perfil econômico do Brasil nas últimas décadas e a necessidade de ajustes daí decorrentes. “A precarização, a informalidade e o rebaixamento do peso do salário na economia são questões interligadas que exigem visão conjunta, inclusive levando em conta, atualmente, a realidade internacional”, afirmou.
O ministro Lelio Bentes Corrêa também ressaltou o sindical e a importância de compatibilizar o processo de inclusão do trabalhador precário e informal com alguns avanços indispensáveis na estrutura sindical atualmente vigente. “Não é por coincidência que Brasil, China, Índia, Irã e Estados Unidos não ratificaram a Convenção nº 87 da OIT, que trata da liberdade sindical”, lembrou. “Esse processo de hiperfragmentação do movimento sindical é efeito do modelo unicista, alimentado pelo imposto sindical. É alvissareira a notícia de que é possível uma evolução no sentido de substituir o imposto sindical pela participação negocial.” O ministro acrescentou também observações sobre a necessidade de uma revisão crítica da atual modelo de lei de greve.
O presidente do TST, ministro Rider Nogueira de Brito foi mais um a destacar a fragilidade do sistema sindical e a crise de representatividade de boa parte dos sindicatos. “Muitas vezes os sindicatos se preocupam mais com a contribuição sindical do que com as cláusulas sociais”, ressaltou. O ministro avaliou ainda que o empresariado brasileiro falha ao se aferrar “a uma necessidade monstruosa de lucro a curto prazo” e excluir o trabalhador na participação desse lucro, negligenciando o fato de que a ascensão social da classe trabalhadora e sua inserção no mercado consumidor são fundamentais para o sucesso da atividade econômica. Na mesma linha, o ministro Barros Levenhagen assinalou que a inclusão do trabalhador “só se faz mediante o fortalecimento das empresas”, e que são as micro, pequenas e médias empresas que concentram a maior parte da mão-de-obra nacional, e não as grandes corporações.
A rejeição à flexibilização que norteia a proposta de Mangabeira Unger foi louvada pelos ministros Horácio Senna Pires e Maurício Godinho Delgado. “Para os juízes do Trabalho, é inaceitável o nivelamento por baixo”, afirmou o ministro Horácio. “O Direito do Trabalho nasceu para dar ao trabalhador igualdade jurídica, em face de sua desigualdade econômica.” O ministro Maurício Delgado se disse impressionado com o projeto pela sua ambiciosa proposta de inclusão social pelo trabalho e, sobretudo, “por ter descartado a flexibilização como forma de inclusão”.
O procurador-geral do Trabalho, Otávio de Brito Lopes, convidado pelo TST a participar do encontro, elogiou o papel do Governo como protagonista de uma discussão sistêmica sobre as relações de trabalho. “O protagonismo costuma ficar com quem mais se beneficia do sistema vigente e, por isso, não tem interesse em mudar”, destacou.