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Liminar do STF x Teto dos Interinos

05-11-2016

Ministra Carmen Lucia, do STF, concedeu liminar contra o teto de remuneração para os interinos fixado pelo CNJ.

DECISÃO

MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. VINCULAÇÃO DA RENDA DOS RESPONSÁVEIS INTERINAMENTE POR SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS AO TETO REMUNERATÓRIO CONSTITUCIONAL. LIMINAR DEFERIDA. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS.

Relatório

1. Mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado por Luiz Gonzaga Clímaco Neto, em 20.8.2010, contra ato do Corregedor Nacional de Justiça que “determinou que [os que] estão provisoriamente à frente dos cartórios não podem mais receber acima do teto salarial do serviço público estadual, hoje fixado em R$24.117,61″ (fl. 2 da petição inicial).

O caso

2. O Impetrante noticia que “foi nomeado, em virtude de habilitação em concurso público, para exercer o cargo de Oficial do Registro de Imóveis, Pessoas Jurídicas, Títulos, Documentos e Tabelionato de Notas, Distrito de Aragominas-TO, em 25.3.1994[, e,] em 5.6.2001, (…) foi removido, por permuta, daquela função para a de titular do 1º Cartório de Notas de Araguaína-TO” (fl. 2 da petição inicial).

Em 12.7.2010, foi publicada a decisão do Corregedor do Conselho Nacional de Justiça, a qual determinou que:

“6. O serviço extrajudicial que não está classificado dentre aqueles regularmente providos é declarado revertido do serviço público ao poder delegante. Em consequência, os direitos e privilégios inerentes à delegação, inclusive a renda obtida com o serviço, pertencem ao Poder Público (à sociedade brasileira).

6.1 O interino responsável pelos trabalhos da serventia que não está classificada dentre as regularmente providas (interino que não se confunde com o notário ou com o registrador que recebe delegação estatal e que não é servidor público, cf. ADI 2602-MG) é um preposto do Estado delegante, e como tal não pode apropriar-se da renda de um serviço público cuja delegação reverteu para o Estado e com o Estado permanecerá até que nova delegação seja efetivada.

6.2 O interino, quando ocupante de cargo público (cf. é verificado em alguns Estados que designam servidores do Tribunal para responder por serviços vagos), manterá a remuneração habitual paga pelos cofres públicos. Por outro lado, interino escolhido dentre pessoas que não pertencem ao quadro permanente da administração pública, deve ser remunerado de forma justa, mas compatível com os limites estabelecidos para a administração pública em geral, já que atua como preposto do Estado.

6.3 Nenhum responsável por serviço extrajudicial que não esteja classificado dentre os regularmente providos poderá obter remuneração máxima superior a 90,25% dos subsídios dos Srs. Ministros do Supremo Tribunal Federal, em respeito ao artigo 37, XI, da Constituição Federal;

6.4 O valor da remuneração do interino também deverá ser lançado na folha de pagamento e no balancete mensal do serviço extrajudicial (cf. Anexo), a título de despesa ordinária para a continuidade da prestação do serviço;

6.5. As despesas necessárias ao funcionamento do serviço extrajudicial, inclusive as pertinentes à folha de pagamento, serão igualmente lançadas no balancete mensal de prestação de contas;

6.6. A partir da publicação desta decisão, a diferença entre as receitas e as despesas deverá ser recolhida, até o dia dez de cada mês, aos cofres públicos, sob a classificação Receitas do Serviço Público Judiciário, ou a fundo legalmente instituído para tal fim (art. 98, § 2º, da CF, c.c. o art. 9º da Lei n. 4.320/1964).

6.7 Conforme estabelece o artigo 3º, § 4º, da Resolução n. 80 do Conselho Nacional de Justiça, aos interinos é defeso contratar novos prepostos, aumentar salários dos prepostos já existentes na unidade, ou contratar novas locações de bens móveis ou imóveis, de equipamentos ou de serviços, que possam onerar a renda da unidade vaga de modo continuado, sem a prévia autorização do respectivo tribunal a que estiver afeta a unidade do serviço. Todos os investimentos que comprometam a renda da unidade vaga deverão ser objeto de projeto a ser encaminhado para a aprovação do respectivo tribunal de justiça”.

3. O Impetrante sustenta a ilegalidade da decisão acima transcrita e argumenta que:

“a percepção da integralidade dos emolumentos da serventia é direito inafastável do titular de um cartório. Ademais, a Lei n. 8.935/94 estabelece:

¿Art. 28. Os notários e oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições, têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia e só perderão a delegação nas hipóteses previstas em lei¿.

(…)

Por mais que se façam interpretações livres, que se criem conjecturas, a verdade é que os chamados “interinos” são notários e registradores (ao menos até o dia em que sejam retirados do posto que ocupam).

O Impetrante é notário e tem direito à percepção dos emolumentos integrais.

O pretenso fundamento para a decisão do [Conselho Nacional de Justiça] é o art. 37, XI, da [Constituição da República].

(…)

Na verdade, os notários e registradores não são ocupantes de cargo, função ou emprego públicos. Não recebem remuneração ou subsídio. Não são ligados à Administração Pública direta, indireta, autárquica ou fundacional.

Os notários e registradores são delegatários do serviço público. (…) O serviço é exercidoem caráter privado. Não há que se falar em aplicação do teto remuneratório a esses profissionais.

(…)

Certamente não foi o [Conselho Nacional de Justiça] quem delegou a atividade notarial e registral aos ‘interinos’ que ocupam tais serventias. Assim, a pretensa competência do [Conselho Nacional de Justiça] para ‘reverter’ o serviço judicial ao poder delegante não deriva da competência que teria – por óbvio – quem delegou o serviço extrajudicial. Quem delegou o serviço extrajudicial foi o Tribunal de Justiça, que haveria de ser quem poderia ‘reverter’ tal serviço.

Afora isso, somente decisão judicial poderia reverter o serviço extrajudicial para o poder delegante” (fls. 4-6 da petição inicial, grifos no original).

Requer “a concessão de medida liminar, determinando a suspensão dos efeitos da decisão do [Conselho Nacional de Justiça], no que diz respeito ao ponto em que limita a percepção dos emolumentos (…) aos limites do teto remuneratório do serviço público”. Pede seja concedida a segurança, “em todos os seus termos, reconhecendo o [seu] direito (…) de perceber a integralidade dos emolumentos pertinentes à serventia extrajudicial que o
cupa” (fl. 8 da petição inicial).

Examinados os elementos havidos nos autos, DECIDO:

4. De início, cumpre observar que o Impetrante não instruiu os autos com cópia do ato apontado como coator, nos termos do art. 6º da Lei 12.016/2009.

Contudo, por cuidar o ato ora atacado de decisão da Corregedoria Nacional de Justiça com 15.449 páginas e por ter o Impetrante indicado a data de sua publicação no Diário de Justiça Eletrÿnico, a ausência de cópia dessa decisão nos autos, excepcionalmente, não implica o indeferimento da petição inicial.

5. A decisão do Conselho Nacional de Justiça nos autos do Processo n. 0000384.41.2010.2.00.000, apontada como coatora, foi proferida em 12.7.2010, e o presente mandado de segurança foi impetrado em 20.8.2010, pelo que se verifica que não houve, na espécie, a extinção do direito nos termos do art. 23 da Lei 12.016/2009.

6. Ressalta-se, ainda, o cabimento da presente impetração, pois compete ao Supremo Tribunal Federal o controle dos atos proferidos pelo Conselho Nacional de Justiça, do qual é órgão a Corregedoria Nacional de Justiça, nos termos do art. 7º do Regimento Interno daquele Conselho.

Nesse sentido, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.367/DF, Relator o Ministro Cezar Peluso, o Plenário do Supremo Tribunal decidiu que o Conselho Nacional de Justiça tem “competência relativa apenas aos órgãos e juízes situados, hierarquicamente, abaixo do Supremo Tribunal Federal. Preeminência deste, como órgão máximo do Poder Judiciário, sobre o Conselho, cujos atos e decisões estão sujeitos a seu controle jurisdicional. Inteligência dos art. 102, caput, inc. I, letra “r”, e § 4º, da CF” (ADI 3.367/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, DJ 13.4.2005).

7. Na espécie, demonstra-se a existência de pelo menos um dos requisitos legais expressamente exigidos para o deferimento de medida liminar em mandado de segurança, a saber, a relevância do fundamento (art. 7º, inc. III, da Lei 12.016/2009).

O Impetrante manteve-se na condição, ainda que precária, de responsável pelos trabalhos da serventia de Araguaína/TO até que ela fosse regularmente provida.

Contudo, ao limitar a renda percebida pelo Impetrante em contrapartida às atividades dessa serventia – em atenção ao previsto no art. 37, inc. XI, da Constituição da República -, parece, nesse juízo precário de delibação, ter o Conselho Nacional de Justiça atuado além de sua competência constitucional.

8. Na presente impetração, é certo que o indeferimento da medida liminar não acarretaria, incontornavelmente, a ineficácia da medida se, ao final, vier a ser deferida, como também exige a norma do art. 7º, inc. III, da Lei 12.016/2009.

Isso porque o reconhecimento do direito à totalidade das receitas provenientes das serventias extrajudiciais, independentemente de vinculação ao teto remuneratório constitucional, teria como consequência a restituição dos valores indevidamente recolhidos aos cofres públicos.

Ainda que contornáveis, os efeitos imediatos da decisão ora atacada podem provocar prejuízos que devem ser evitados neste momento processual, em razão da relevância do fundamento em que se ampara o pedido do Impetrante, o que justifica, nesse ponto, a suspensão do ato apontado como coator.

Pelo exposto, defiro a medida liminar para suspender os efeitos da decisão do Corregedor Nacional de Justiça no Processo n. 0000.384.41.2010.2.00.0000 do Conselho Nacional de Justiça, apenas na parte em que determina que “nenhum responsável por serviço extrajudicial que não esteja classificado dentre os regularmente providos poderá obter remuneração máxima superior a 90,25% dos subsídios dos Srs. Ministros do Supremo Tribunal Federal, em respeito ao artigo 37, XI, da Constituição Federal”.

9. Notifique-se o Conselho Nacional de Justiça para, querendo, prestar informações no prazo improrrogável de dez dias (art. 7º, inc. I, da Lei n. 12.016/2009 e art. 203 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).

Oficie-se, com a urgência que o caso requer, aos órgãos responsáveis pelo cumprimento da decisão.

10. Na sequência, vista ao Procurador-Geral da República (art. 12 da Lei n. 12.016/2009 e art. 205 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).

Publique-se.

Brasília, 27 de agosto de 2010.

Ministra CÁRMEN LÚCIA

Relatora