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IRIB – Artigo: Adjudicação Compulsória Extrajudicial – Por João Pedro Lamana Paiva e Tiago Machado Burtet

29-06-2022

As instituições Notarial e Registral representam uma organização social pré-jurídica, atendendo as necessidades da sociedade em sua estruturação social, patrimonial e econômica. Estas instituições independem das vontades individuais, tornando-se um fenômeno social permanente: do nascimento até depois da morte todos passamos por elas.

O homem se desenvolveu e estruturou sistemas de proteção de direitos. Um deles, destinado a atender aos atos corriqueiros da vida civil, é, conforme acima informado, o Sistema Notarial e Registral, comum em quase todos os países e com uma capilaridade ímpar no Brasil (nos mais remotos cantos do nosso País encontramos o Registrador para registar um nascimento, um casamento ou um óbito, ou o Notário para realizar um reconhecimento de firma, ou lavrar uma procuração etc.).

Do mesmo modo como se operam os efeitos de uma sentença judicial ocorre com os atos notariais e registrais, onde não se faça necessária a intervenção do Estado-Juiz. Dos atos (administrativos) praticados exsurgem direitos (constituição, modificação, declaração e/ou extinção).

Denota-se que a instituição Notarial e Registral foi criada para estabilizar as relações sociais, gerando segurança jurídica, o que está materializado nos arts. 1º das Leis nº 6.015/1973 e 8.935/1994.

Na evolução e transformação pela qual passa a sociedade e o direito constatou-se, aqui no Brasil, que o processo judicial tornou-se moroso e caro.

Surgiu, daí, o movimento de Desjudicialização ou Extrajudicialização, do qual criaram-se Mecanismos Alternativos de Resolução de Conflitos (MARC), por sugestão do Banco Mundial (Documento Técnico nº 319).

Iniciativa da Organização das Nações Unidas prevê 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O Poder Judiciário Brasileiro mais uma vez integrado às metas globais do milênio. Neste compasso, os Serviços Extrajudiciais (Notariais e Registrais) assumiram papel de
relevância na implementação da Agenda 2030 no Brasil, ressaltando-se a função preventiva de litígios.

Objetivam-se procedimentos simplificados, a redução de custos, a celeridade no ato, o respaldo à autonomia (vontades/consenso) dos interessados, dispensando-se a intervenção judicial. Com efeito, isso não implica em afastar o Poder Judiciário, apenas não exigir a sua participação quando for possível materializar o Direito através do consenso, quando a lei assim autoriza.

Como hipóteses de incidência dessa vertente de pensamento temos a execução extrajudicial decorrente da alienação fiduciária de imóvel (Lei nº 9.514/1997), as retificações administrativas de registros imobiliários (art. 213 da Lei nº 6.015/1973, com a redação dada pela Lei nº 10.931/2004) e civis das pessoas naturais (art. 110 da Lei nº 6.015/1973, com a redação dada pela Lei nº 13.484/2017), os inventários e partilhas extrajudiciais (Lei nº 11.441/2007), a usucapião extrajudicial (art. 216-A da Lei nº 6.015/1973, com a redação dada pela Lei nº 13.105/2015) e a regularização fundiária urbana (Lei nº 13.465/2017).

Através de tais legislações tem-se ofertado aos brasileiros o alcance do Direito por um modo mais célere e menos oneroso.

No decorrer de 2021, através do Conselho da Justiça Federal, fomentou-se a desjudicialização da adjudicação compulsória, através do Enunciado 136 da II Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios, prevendo o seguinte:

“É de se fomentar a criação de procedimento extrajudicial visando à materialização de título hábil a ensejar o registro imobiliário para o alcance da propriedade plena em decorrência de contrato preliminar de promessa de compra e venda, registrado ou não, dispensando, facultativamente, a via judicial.”

Neste compasso, quando da conversão em lei da Medida Provisória nº 1.085/2021, criando a Lei nº 14.382/2022, recentemente foi incluído o art. 216-B da Lei nº 6.015/1973, tratando da adjudicação compulsória extrajudicial de imóvel. Doravante podemos contar com mais um instituto fruto da Desjudicialização.

Como se sabe, tramitam milhares de ações de adjudicação compulsória, as quais poderão ser solucionadas, muitas delas, como o aperfeiçoamento da legislação ora alcançado. É este o mote desta apresentação, descrever este novel instituto disponibilizado para ser concretizado sem a necessidade de processo judicial.

Em que pese o texto legal não tenha recepcionado o quanto constou da emenda apresentada após a publicação da Medida Provisória nº 1.085/2021, a qual previa um procedimento muito mais claro e transparente a ser implementado visando ao deferimento do pedido, o texto atual gerará avanços.

Porque há inúmeros casos em que há promessas de compra e venda registradas, ou até mesmo sem registro (Súmula nº 239 do Superior Tribunal de Justiça e Enunciado nº 95 do Conselho da Justiça Federal), onde, por uma causa ou outra, não se consegue mais alcançar a vontade do promitente vendedor para a materialização de escritura pública de compra e venda (contrato definitivo), uma vez demonstrada a existência do título e a sua regular quitação, bem como devidamente intimados o proprietário tabular, então promitente vendedor, ou seu representante (procurador ou inventariante judicialmente ou extrajudicial), ou todos os seus sucessores (não havendo procurador ou inventariante), bem como os cedentes, se for o caso de existir cessões do direito real à aquisição, poderá agora o Registro de Imóveis recepcionar pedido extrajudicial de regularização da titularidade do imóvel.

Tal procedimento também pode ser utilizado pelo promitente vendedor que quer transferir a propriedade e o promitente comprador não está aceitando recebê-la. Muitos empreendedores possuem um estoque de bens em seus nomes, os quais já foram prometidos à venda e quitados e não conseguem transferir a propriedade por desinteresse do promitente comprador. Principalmente em casos de Sociedades de Propósito Específico (SPE), em que pretendem os sócios encerrar a atividade da pessoa jurídica e possuem tais pendências.

Os legitimados, conforme prevê o seu §1º, são o promitente comprador ou qualquer dos seus cessionários ou promitentes cessionários, ou seus sucessores, bem como o promitente vendedor, sempre representados por advogado.

O desenrolar de tal regularização dar-se-á através do Registro de Imóveis da situação da coisa (caput do art. 216-B da Lei nº 6.015/1973).

Como não poderia deixar de ser, porque os Advogados exercem papel fundamental na concreção da Justiça e do Direito, o pedido de adjudicação compulsória extrajudicial precisará contar com tal requisito.

Instruirá o pedido feito pelo Advogado, juntando procuração com poderes específicos, e com os documentos necessários, que são (i) o instrumento de promessa de compra e venda ou de cessão; (ii) prova do inadimplemento (certidão de constituição em mora quanto à outorga do título a ser alcançada via Registro de Imóveis, o qual poderá se valer do Registro de Títulos e Documentos; (iii) certidões dos distribuidores forenses da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente que demonstrem a inexistência de litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda do imóvel objeto da adjudicação e (iv) comprovante de pagamento do ITBI, será possível
registrar a aquisição da propriedade plena em nome do requerente/adjudicante.

Em síntese, a instrução do título (art. 221, II da Lei nº 6.015/1973) exigirá a apresentação do instrumento que demonstra a obrigação de alguém prestar uma outorga, sua mora, a instrução com certidões forenses, com o reconhecimento de eventual imposto de transmissão e com a procuração outorgada ao Advogado, restando evidenciado que o ato administrativo que conferirá a propriedade a quem apresenta sua proposição será um ato de registro, não de averbação.

Difere, a adjudicação compulsória extrajudicial da usucapião extrajudicial porque para a implementação daquela basta a existência do título e a verificação do cumprimento da obrigação de pagar o preço, não necessitando da prova do prazo de posse mansa, contínua e ininterrupta
(dispensa de tais elementos/requisitos). Muitas vezes o sujeito de direitos já honrou sua obrigação (pagamento do preço), mas não tem o tempo de posse necessário para requerer a usucapião.

Vislumbra-se, ainda, sua ampla aplicabilidade, na hipótese de inadimplemento por parte do multiproprietário ou do adquirente de unidade autônoma de condomínio edilício, referentemente as suas obrigações de custeio das despesas ordinárias ou extraordinárias (art. 1.358-S do Código Civil e art. 63 e parágrafos da Lei nº 4.591/1964).

A lei nada se referiu sobre a (des)necessidade de apresentação de certidão negativa de débito perante a Receita Federal do Brasil quando quem estiver em mora na outorga do título for uma empresa. Como foi vetado o dispositivo que previa a revogação do art. 47, I, “b” e do art. 47, II, ambos da Lei nº 8.212/81, certamente serão inauguradas discussões sobre a exigência, ou não, de tal documento para que se possa deferir o registro pretendido.

Questões outras, que constaram do projeto de lei e que não foram recepcionadas, a exemplo do que previam os parágrafos 2º, 4º ao 8º, 10º e 11º, poderão ser melhor estudadas para uma possível incorporação no ordenamento jurídico numa próxima alteração na Lei nº 6.015/73. Por
enquanto, teremos para aplicar o quanto constou do texto aprovado, o que certamente fomentará inúmeras outras regularizações pela via extrajudicial.

Espera-se que o fim buscado pela alteração legislativa seja plenamente alcançado, para o bem dos interessados, contribuindo para a segurança jurídica e para a paz social.

Porto Alegre, 28 de junho de 2022.

Autores:

João Pedro Lamana Paiva é registrador de Imóveis da 1ª Circunscrição Imobiliária de Porto Alegre/RS. Presidente da Associação dos Notários e Registradores do Rio Grande do Sul (ANOREG-RS).

Tiago Machado Burtet é sócio da Extrajud Assessoria e Consultoria Ltda.

Fonte: IRIB