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IBDFAM – Artigo: Impenhorabilidade e Partilha na Previdência Complementar – Por Voltaire Marensi
Um instituto jurídico implementado e bastante utilizado no mundo do direito, diz respeito às casuísticas de impenhorabilidade elencadas pelo artigo 833 do nosso Código de Processo Civil.
O seguro de vida extensivo ao seguro de pessoas como também os planos de previdência complementar, esse último constituído na modalidade da legislação anterior, sob o nomen iures de previdência privada, com cunho acentuadamente mutualista, gozam desse privilégio conferido pelo atual ordenamento jurídico processual em sintonia com o artigo acima referenciado.
De fato. Os incisos IV e VI do artigo 833 do CPC atestam o que digo e escrevo.
O primeiro deles – inciso IV – constituído sob o molde da lei anterior nº 6.435/77, revogada pela Lei Complementar 109/2001, trata de pensões, pecúlios e montepios que não são previstos e contemplados na legislação previdenciária complementar na atualidade.
Hoje, ainda protegida como bem impenhorável, a previdência complementar não guarda sequer o embrião de sua criação, quando “quatrocentos anos se passaram desde a Poor Law (Lei dos Pobres, da Inglaterra, que desvinculou da caridade o auxílio aos necessitados, reconhecendo o Estado a sua obrigação de amparar as pessoas de comprovada necessidade de meios, conforme nos ensina o mestre Floriceno Paixão em sua consagrada obra Previdência Social em Perguntas e Respostas. Porto Alegre. Editora Síntese, 38ª edição”. (Prefácio. Editora Síntese. Porto Alegre, outubro de 2001. A Nova Lei da Previdência Complementar Comentada. Voltaire Marensi).
Destarte, a par do regime geral de previdência social se facultou a regulamentação através de lei complementar do regime de previdência privada, de caráter complementar, consoante se dessume da leitura do artigo 202 da Constituição Federal.
Quanto ao seguro de vida, propriamente dito, o inciso VI do artigo 833 do CPC, permanece sem qualquer adendo ou restrição nos termos em que se encontra lançado, quer por parte da Lei em si – Código Civil -, bem como pela exegese de inúmeras decisões pertinentes ao tema.
Esse registro deve ser feito, já que em sede de decisão já comentada alhures, proferida pelo eminente Ministro Antonio Carlos Ferreira, componente da Quarta Turma do STJ, foi destacado que tanto o seguro de vida como o de pessoas –, tautologicamente, seriam espécies do mesmo gênero -, a lei processual, no dizer do eminente Julgador, teria unificado, ambos, sob o singelo título seguro de vida, conferindo-lhes a impenhorabilidade.
Ocorre que quando se cuidava outrora de pecúlios e montepios, que na lei processual guardam ainda a mesma casuística de impenhorabilidade, a par do seguro de vida, sua natureza jurídica atual sob o rótulo de entidade aberta de previdência complementar não possui, data vênia, de entendimentos divergentes, a mesma identidade com que foi implementada, quer no que tange à Lei material, nº 6.435/77, hoje revogada, quer no que concerne à vigente Lei Complementar 109/2001.
O motivo primário é o que determina o artigo 4º da Lei Complementar 109, de 29 de maio de 2001, o qual não faz qualquer distinção como existia algures, entre previdência complementar com ou sem fins lucrativos.
O artigo acima referenciado só disse que “as entidades de previdência complementar são classificadas em fechadas e abertas, conforme definido nesta Lei Complementar”.
O que convido a atenção de meus ilustrados leitores e leitoras, diz respeito, em primeiro lugar, aquilo que denomino de institutos jurídicos com conotações diversificadas.
Atentar para institutos jurídicos que não guardam a mesma identidade, data vênia, não me parece uma solução adequada e acertada mormente quando temos um rol processual que elenca distintas hipóteses legais prevendo a impenhorabilidade de bens.
Tais situações processuais, ademais, constituem, deveras, um numerus clausus.
O que não se pode é deixar ao critério do julgador um novo modelo de previdência complementar, que não condiz mais com os parâmetros delineados outrora, que desnaturem o seguro de pessoas e o pecúlio, esse operado anteriormente, antes do advento da Nova Lei Complementar, por empresas que comercializavam tal produto, a exemplo das antigas entidades de previdência privada.
Em comentários, um dos primeiros a Lei de Previdência Complementar, no que concerne especificamente ao artigo 36 (Lei Complementar 109, de 29 de maio de 2001), disse na parte inicial de meus comentários:
“ A única hipótese legal de constituição das entidades abertas será o rótulo de sociedade anônima, que operará sob a forma de renda continuada (obrigação de trato sucessivo) ou pagamento único, conhecido ainda pela lei anterior como pecúlio, segundo diz este dispositivo legal em seu caput.
Da mesma sorte, as sociedades seguradoras que operam no ramo vida, e só estas, poderão operar debaixo do regime jurídico acima identificado, tal como prevê esse parágrafo único”. (Voltaire Marensi. Obra citada, página 42).
Nesta toada o legislador processual ao dizer que o seguro de vida é impenhorável abarcou também produtos jurígenos oriundos da previdência privada, levando o Julgador a erro, a meu sentir, frente à ótica processual de vez que o Ministro supra referenciado destacou em seu voto, que “longe de evidenciar natureza e objetivo distintos, em verdade guardam estreita semelhança, sobretudo no que se refere à finalidade de sua indenização, motivo pelo qual é inafastável, tanto para um quanto para o outro, a impenhorabilidade ditada pela lei processual – ubi eadem ratio ibi eadem dispositio”.( Voto do Relator Ministro Antonio Carlos Ferreira no Resp nº1.412.272, em 23 de março de 2021).
Acredito, salvo engano do cronista, que se referia tanto aos planos de previdência privada como aos contratos de seguro vida de um modo geral.
Data vênia, se assim foi seu entendimento, ouso divergir.
Tanto pelas breves razões acima lançadas, como também alicerçado em um voto recentemente proferido em uma demanda envolvendo dissolução de casamento, no qual o STJ entendeu que os bens de valor econômico distintos como acontece com a previdência complementar aberta não possuem a mesma finalidade indenizatória já que se tratou, em um processo sub judice, de dividir valores do ex-casal aplicados nas modalidades PGBL e VGBL. De acordo com entendimento exarado por maioria de votos, a 3ª Turma, entendeu que a formação do investimento é semelhante ao que ocorreria se as contribuições fossem realizadas em fundos de renda fixa ou na aquisição de ações, os quais seriam objeto de partilha no momento da dissolução do vínculo conjugal.
Pois bem. No julgamento em pauta prevaleceu o voto da Ministra Relatora Fátima Nancy Andrighi, de que “na previdência privada aberta, há ampla flexibilidade do investidor, que poderá escolher livremente como e quando receber, aumentar ou reduzir contribuições, realizar aportes adicionais, resgates antecipados ou parcelados a partir da data em que porventura indicar”. (Excerto do voto da Relatora).
Enfim. Em meu entender, há um novo enfoque a ser tratado no tema em pauta. A uma, porque a natureza jurídica em que hoje a previdência complementar é tratada é, totalmente, diversa de sua forma original esculpida na antiga lei da previdência privada. A duas, porque o princípio do mutualismo não é mais aplicável em sua essência, até mesmo pelo teor inserto na nova Lei. A três, porque a previdência complementar aberta não orbita mais na esfera constituída para repartição de riscos entre seus associados, já que objetiva exclusivamente o lucro e a especulação em ganhos estribados sobretudo em investimentos do mercado de capitais.
É o que penso, sob censura.
Porto Alegre, 03/06/2022.
*Voltaire Marensi é advogado e professor.
Fonte: IBDFAM