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G1 SP – Por que as mulheres em SP estão se casando cada vez mais tarde
Em 2021, idade média das mulheres que se casaram no Estado de São Paulo foi de 32,9 anos, um aumento de 42% na comparação com meio século atrás. Igualdade de gênero tanto nos indicadores de nupcialidade quanto do mercado de trabalho, porém, ainda está longe de ser atingida.
As mulheres no Estado de São Paulo que optam por se casar estão oficializando essa união cada vez mais tarde na vida. Os dados mais recentes, levantados pela Fundação Seade com base no Registro Civil, mostram que, entre as mulheres paulistas que se casaram em 2021, a idade média foi de 32,9 anos.
Mas a análise histórica, que não leva em conta os casamentos entre pessoas do mesmo sexo, revela que esse aumento se acentuou mais recentemente. Entre 1970 e 1995, a idade média da mulher paulista ao casar aumentou de 23,2 para 24,7 anos, uma alta de 6%.
Já nos 25 anos seguintes, entre 1995 e 2020, o salto foi de 32%, um ritmo seis vezes maior, chegando a 32,7 anos. Na comparação do período de meio século, o aumento foi de 42%. E a tendência de alta ainda continua. Desde 2015, o aumento anual tem sido de entre 0,6 e 1,3 ano.
Com isso, a situação registrada no início do século, quando 67% das mulheres que se casaram tinham até 29 anos, já se inverteu. Em 2021, 52% das paulistas que oficializaram a união no registro civil tinham 30 anos ou mais.
As mulheres de 20 a 29 anos eram 61% das que se casaram em 2003, mas apenas 43% em 2021. Entre as mulheres de 40 a 49 anos, a proporção mais do que dobrou no período, de 6% para 14%.
Fenômeno tem várias causas, dizem especialistas
Segundo Rosa Maria de Freitas, demógrafa da Fundação Seade, o fenômeno é produto de uma combinação de fatores:
• O fator educação: “O que a gente percebe é que as mulheres estão ficando mais tempo nos bancos escolares, elas têm uma dedicação maior aos estudos”, explica a especialista em nupcialidade do Seade. Nesse quesito, as mulheres de São Paulo já superam os homens em todas as faixas etárias, com exceção dos idosos a partir de 65 anos.
• O fator trabalho: Freitas explica que a inserção no mercado de trabalho também faz cada vez mais pessoas adiarem os planos de uma união civil oficializada. “Não que a família não seja importante, mas ela [a mulher] vem priorizando outros fatores na vida dela junto com a família. Muitas vezes ela tem uma co-habitação e ela oficializa essa união mais tarde. Mas a prioridade hoje da mulher é o mercado de trabalho, é a inserção, é a participação social e econômica na vida do país e dela.”
Mesmo com as gerações mais jovens de mulheres atingindo escolaridade mais alta na comparação com os homens da mesma idade, isso ainda não refletiu em igualdade no mercado de trabalho.
Segundo um levantamento do pesquisador Marcos Hecksher, doutor em População, Território e Estatísticas Públicas, com base em dados da Pnad Contínua de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres de São Paulo ainda têm rendimento médio 26% menor que os homens.
Um levantamento exclusivo obtido pela produção da TV Globo junto à Arpen-SP, a associação de cartórios de registro civil, mostra que a diferença entre a idade das mulheres ao casar nas diversas regiões da cidade de São Paulo coincide com as diferenças socioeconômicas da população nesses bairros.
• O fator econômico: Outra questão importante é a situação econômica do país, já que casais que já estão juntos, mas planejam casar só mais para frente, quando tiverem condição financeira pra bancar o evento.
• O fator legal: De acordo com a especialista da Fundação Seade, a Constituição de 1988 também teve um impacto na quantidade de casamentos oficializados no Registro Civil, já que houve a equiparação entre o casamento civil e a união estável. Então, muitas pessoas passaram a não se preocupar em validar a união quando nascem os filhos, como ocorria antes.
Além disso, “há algum tempo atrás o casamento era o início de uma família”, explica ela. “Com o advento da pílula anticoncepcional, com a maior liberação feminina, o casamento ficou mais uma realização pessoal e satisfação à família, talvez, do que uma questão de início de família.”
• O fator social: A antropóloga Glaucia Marcondes, professora e pesquisadora do Núcleo de Estudos de População Elza Berquó (Nepo/Unicamp), explica que a socialização das meninas e mulheres nas gerações mais recentes também mudou.
“As gerações que nos antecederam, nossas avós, bisavós até, as mães nem tanto, eram gerações em que a maternidade, a formação de família era o principal projeto de vida. Socialmente era o que mais se esperava das mulheres. E muitas das gerações de mulheres foram socializadas e trazidas para esse projeto da maternidade e do casamento como centralidade da sua própria identidade.” (Glaucia Marcondes, pesquisadora do Nepo/Unicamp)
Mais de 40 anos e solteiras
Samira Sousa Silva tem 43 anos, está solteira, vive com os pais, tem dois empregos e segue perseguindo seu sonho: ser professora. “Meu objetivo maior era ser profissionalmente realizada”, disse a moradora da Zona Leste da capital.
Raimunda, sua avó paterna, teve 19 filhos que ficou viúva cedo e trabalhava no mercado informal vendendo pastéis. A materna, Maria, foi mãe sete vezes, mas se separou do marido, e criou os filhos sozinha.
Seus pais, nascidos no Piauí, se casaram em São Paulo e tiveram duas filhas. Ambas têm mais de 40 anos e nunca casaram. A mais nova foi viver com um homem pela primeira vez há um ano.
“Em casa todo mundo tinha que ter uma formação de ensino médio, meu pai falava ‘vocês têm que estudar’. Eu terminei o ensino médio, comecei a faculdade, fiz dois anos, depois não tinha condições de continuar o curso, aí eu parei. Depois eu voltei, mas aí já voltei em outra faculdade e terminei química. E agora eu estou numa nova jornada, que é fazer pedagogia porque eu quero dar aula pras crianças do ensino fundamental I, então, vamos estudar mais um pouco.” (Samira Sousa Silva)
Helena Bernardes, gerente digital de uma agência de comunicação, mora sozinha no bairro que escolheu e coordena uma equipe que produz o conteúdo de redes sociais de grandes marcas e que cuida da reputação de empresas e altos executivos no ambiente digital. Fez a faculdade dos sonhos e mantém uma vida social ativa, frequenta os shows que escolhe.
“Meu maior sonho era morar sozinha, principalmente perto do centro e agora eu estou aqui no centro. Então assim o que eu imaginava: ‘ah eu queria fazer uma faculdade’. Eu fiz a faculdade que eu queria, fiz a USP. Eu queria morar sozinha, eu estou morando sozinha. Eu queria morar perto do centro, que é um lugar que me lembra a minha memória infantil porque a minha mãe me trazia aqui sempre, então eu estou fazendo coisas que eu posso escolher.”
O fato de Helena não ter um relacionamento enquanto faz tudo isso não significa menos felicidade. “Hoje em dia casamento não é algo que eu vejo como objetivo final, da felicidade final. ‘Ah, já fiz o colégio, já fiz a faculdade, tenho a minha carreira agora eu vou ser feliz e fazer uma família.”
Casamento após os 40 anos
O sonho de Marisol Pagliari sempre foi viajar. “Comecei a trabalhar dançando aos 16 anos. Aos 23 comecei a viajar cantando. Cantei no Japão, cantei em navios. Em 2010 abri uma empresa de eventos.” Com a carreira bem encaminhada na área, ela inclusive estudou e se formou como celebrante de casamentos.
Mas o seu próprio casamento nunca foi prioridade. “Queria viajar muito, por isso não quis casar antes”, explica a moradora de Praia Grande, no Litoral de São Paulo.
Pretendentes não faltaram. “Eu não quis porque achava que não era hora e não era a pessoa.”
O sonho da mãe, porém, era diferente. “Como qualquer mulher brasileira, a família sempre me cobrou. O sonho da vida da minha mãe era me ver de noiva”, conta ela.
Em 2016, aos 41 anos, ela disse ter encontrado a pessoa certa na hora certa. “Conheci meu marido tarde. Casei com ele em três meses no civil. Depois de um ano fizemos uma festa maravilhosa para 350 pessoas.” Hoje, ele trabalha com ela na empresa de eventos.
Desigualdade no mercado de casamentos
Para Marisol, era a primeira boda. O marido, porém, já era divorciado, depois de 20 anos no primeiro casamento.
Segundo Rosa Maria de Freitas, demógrafa da Fundação Seade, o mercado de casamentos entre casais heterossexuais tem se tornado menos desigual, mas ele ainda é mais favorável ao homem. Dados do Registro Civil analisados pela produção da TV Globo mostram que ainda há uma proporção maior de casamentos em que os noivos são divorciados ou viúvos do que os que têm a noiva na mesma condição.
Em ambos os casos, porém, houve aumento da proporção de pessoas que já foram casadas antes decidindo oficializar um novo casamento.
Maternidade moderna
Mesmo depois de casada, Marisol não se preocupou em correr para virar mãe. “Meu trabalho é muito instável. Para ter filho hoje você tem que ter muita responsabilidade, por várias razões eu não quis. Ia me proibir de fazer o que eu queria, que era viajar o mundo. Não quis ter filho e deixar para os outros cuidarem”, explicou ela.
Os dados da Fundação Seade mostram que a quantidade de filhos por mulher em São Paulo, a chamada taxa de fecundidade, também está em queda. Em 2000, eram 2,08 filhos por mulher. Em 2010, o valor recuou para 1,7 e, em 2020, ficou em 1,56, um valor considerado baixo.
A decisão de não engravidar, porém, não foi tomada antes de uma boa reflexão. “Teve uma época em que achei que era a ovelha negra da família”, conta Marisol. “Mas, se eu sentir no coração que quero ser mãe, eu adoto. Não precisa nascer de mim pra ser filho.
Samira, por sua vez, diz que nunca pensou em ter filhos, e que não mudou de ideia até hoje. “Eu acho que eu vou ser uma ótima tia, já tenho os sobrinhos do coração, tá ótimo.”
Fonte: G1 – São Paulo