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G1 – Justiça determina venda de prédios da família fundadora do bar Mercearia, na Vila Madalena, após briga entre irmãos

Imóvel onde fica bar reduto da boemia paulistana é alvo de segundo processo que ainda não foi apreciado. Incorporadora nega que tenha comprado os três terrenos alienados pela Justiça.

20-08-2021

A Justiça de São Paulo determinou em 4 de agosto a venda de três prédios na Rua Rodésia, na Vila Madalena, Zona Oeste de São Paulo, pertencentes à família Benuthe, fundadora do bar Mercearia São Pedro, um dos mais tradicionais pontos de encontro da boemia paulistana.

Já o imóvel onde fica o bar, no número 34 da Rodésia, é alvo de um segundo processo e a decisão ainda não saiu. A ação por dissolução de sociedade aguarda a apreciação da juíza Luciana Bassi de Melo, da 5ª Vara Cível do Fórum de Pinheiros.

A decisão sobre os outros imóveis aconteceu depois de um litígio judicial entre os irmãos e atuais sócios do estabelecimento, Marcos Benuthe e Pedro Anis Issa Benuthe.

Com isso, os três edifícios da Rua Rodésia 16, 20 e 26 devem ser vendidos para a divisão de bens entre os irmãos. Apenas o número 20, onde funciona um depósito, se liga ao número 34, onde fica o bar.

Marcos acionou a Justiça alegando que o irmão deixou há anos de apresentar as contas da sociedade e pagar o pró-labore a que ele tem direito, como detentor de 50% do negócio.

No processo, Marcos alegou que tem 64 anos, e o bar era sua única fonte de renda. Ele pediu à Justiça que passe a receber os 50% dos aluguéis de dois imóveis ao lado do bar – locados para terceiros – além do aluguel de um terceiro imóvel que serve como depósito para o Mercearia São Pedro.

“O Requerente já é idoso, tem atualmente 64 anos de idade, além de sofrer por não receber o que lhe é devido a título de pró- labore e dos alugueres que não lhe foram repassados todos esses anos pelo seu irmão, ora Requerido, conforme exposto, obriga-se a pensar em como se sustentar condignamente. O fato é que diante das demandas judiciais atualmente em trâmite, o Requerente precisa receber valores decorrentes do uso e locação de seus imóveis para seu sustento”, defenderam as advogada Valéria Reis Zugaiar e Maria José Gianella, que representaram Marcos Benuthe.

Diante da impossibilidade de acordo entre os dois irmãos, a juíza Mariana de Souza Neves Salinas, da 31ª Vara Cível da capital paulista, determinou a venda dos três edifícios para a divisão dos bens.

“Verifica-se que o condômino possui o direito de exercer sobre a coisa as mesmas prerrogativas que o proprietário individual, respeitada a compatibilidade com eventual indivisão do bem. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES em parte os pedidos para determinar a alienação judicial dos três imóveis descritos na inicial, com a divisão do produto da venda entre os condôminos, segundo o quinhão pertencente a cada um”, disse a juíza.

O G1 procurou os dois irmãos e os advogados que os representam, mas nenhum deles se pronunciou até a última atualização desta reportagem.

Fim do Mercearia?

A decisão da Justiça e o litígio dos irmãos pode colocar fim ao tradicional ponto de encontro entre intelectuais e escritores de São Paulo.

Fundado em 1968 pelo comerciante Pedro Benuthe, pai dos atuais sócios, o Mercearia São Pedro é um dos bares mais antigos da Vila Madalena e abriga uma pequena livraria internamente.

A decoração é formada por cartazes de filmes brasileiros clássicos e muitos dos cineastas expostos no bar frequentaram ou frequentam o “velho Merça”, assim como os escritores, que antes da pandemia constantemente marcavam lançamentos de obras, palestras e bate-papos no local.

Em 52 anos de história, o bar foi frequentado por nomes importantes da literatura, como Xico Sá, Marçal Aquino, Andrea Del Fuego, Marcelo Rubens Paiva, Marcelino Freire, Mário Bortolotto e a cartunista Laerte Coutinho, que assina a logomarca do estabelecimento.

Jogadores de futebol como Sócrates e Casagrande, ex-ídolos do Corinthians, também sempre davam as caras por lá.

Em entrevista ao jornal “Folha de S.Paulo”, o sócio Marcos Benuthe, que era o elo de amizade com os escritores e intelectuais, disse que o bar deve fechar as portas, uma vez que a venda dos edifícios determinada pela Justiça já foi pré-acordada com uma incorporadora.

O irmão Pedro Anis, outro sócio do bar, negou a venda e o fechamento do espaço. Além dos dois sócios, o imóvel do número 34 da Rodésia tem outros dois herdeiros como donos, filhos do terceiro irmão da família Benuthe, já falecido.

Procurada pelo G1, a Even Incorporadora também negou que tenha comprado os três terrenos.

“A incorporadora não tem nenhum acordo de compra do terreno onde está localizado o Bar Mercearia São Pedro”, disse a empresa.

Enquanto o imbróglio não se resolve, Marcos disse nas redes sociais que deve abrir um novo espaço na Vila Madalena que deve se chamar RIA, mesmo nome da pequena livraria dentro do velho Merça.

Repercussão

A notícia de que o Bar Mercearia deve fechar as portas gerou comentários de escritores e personalidades nas redes sociais nesta quarta-feira (18).

“Notícia muito triste: a Mercearia São Pedro vai fechar. O quarteirão todo foi vendido para uma dessas construtoras cuja missão é terminar de matar SP”, afirmou o escritor Michel Laub, assíduo frequentador do bar.

“Soube que a Mercearia São Pedro vai deixar de existir – vão fazer um condomínio ou coisa assim ali. Saúde e força, Marquinhos, Pedro, França, foi muito o que vocês trouxeram para a nossa mesa”, disse a cartunista Laerte.

“O quadrilátero da Harmonia e Rodésia será demolido para construir condomínio de alto padrão, e o Mercearia não existirá a partir de março de 2022. 52 anos de história e palco intelectual que dão espaço para os espigões cafonas da Even, que mudou a característica da Vila Madalena”, declarou o jornalista José Trajano.

“A Merça vai fechar. A gloriosa Mercearia São Pedro. O lugar vai virar um condomínio de luxo. Mais um. Um dos últimos redutos verdadeiramente boêmios da cidade. E que além de tudo sempre privilegiou literatura e cinema e qualquer tipo de arte. Depois do fechamento do Filial onde a gente sempre ia depois da Merça comer coxinha e tomar chopp, eis que agora somos surpreendidos por mais essa notícia que nos deixa a todos cada dia mais orfãos. Se a gente não conseguir manter o nosso aberto, vou acabar tendo mesmo que ficar bebendo em casa. A noite vai ficando sem sentido com esses lugares únicos fechando as portas”, escreveu o dramaturgo Mário Bortolotto.

Fonte: G1 – São Paulo