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Folha de S.Paulo – Igualdade constitucional entre homens e mulheres ainda não tem 35 anos no Brasil

Constituição trouxe grande avanço, mas até 2003 Código Civil mantinha tratamento discriminatório

09-03-2023

Faz mais de um século que mulheres organizam grandes marchas em defesa de seus direitos, mas não faz nem 35 anos que, no Brasil, a Constituição estabeleceu a igualdade entre elas e os homens.

Isso aconteceu somente em 5 de outubro 1988, quando o Congresso promulgou a sétima Constituição brasileira. Mesmo assim, até o começo dos anos 2000, algumas leis continuaram tratando as mulheres como se fossem cidadãs de segunda classe.

A principal delas era o Código Civil, que ficou em vigor de 1917 até 10 de janeiro de 2003. Em pleno início século 21, essa lei permitia, por exemplo, que o homem anulasse o casamento se descobrisse que sua mulher não era virgem.

O mesmo código impedia que o marido adotasse o sobrenome da esposa e estabelecia que o homem era o chefe da sociedade conjugal –à mulher cabia apenas colaborar com essa função.

Essas regras mudaram somente em 11 de janeiro de 2003, quando passou a valer o novo Código Civil. O que não quer dizer que o tratamento discriminatório tenha deixado de existir de um dia para o outro.

“Apesar da igualdade nas leis, a disparidade entre homens e mulheres ainda está aí nos números de violência de gênero, por exemplo”, afirma a advogada Maria Berenice Dias, desembargadora aposentada e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família.

“A ideia de que a mulher tem o dever de obediência dentro do casamento persiste até hoje. Qualquer homem que bate na mulher vai dar um jeito de dizer que foi culpa dela: porque não cuidou dos filhos, não fez a janta, cometeu adultério ou qualquer outro motivo”, diz Dias.

“Também havia um número expressivo de absolvições de homens por legítima da defesa da honra. Isso era aceito até pouco tempo atrás”, afirma a desembargadora. “Ao mesmo tempo, o adultério masculino sempre foi visto como motivo de orgulho.”

É por isso que especialistas como a defensora pública Rita de Cássia Gandolpho apontam a Lei Maria da Penha, de 2006, como um marco recente na luta das mulheres por igualdade de direitos.

“[Com a lei], a violência doméstica deixa de ser um conflito privado para exigir intervenção do Estado e da sociedade”, diz Gandolpho, que é coordenadora auxiliar do Nudem (Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres).

É ainda mais recente, de 2015, a lei que introduziu a figura do feminicídio no Código Penal, mas, para Gandolpho, o valor simbólico dessa iniciativa é maior que o prático. “A mera criminalização não resolve o problema”, diz ela. “É importante uma mudança cultural.”

A discriminação de gênero é tão arraigada no país que, até pouco tempo atrás, o mundo jurídico entendia que o marido poderia exigir relações sexuais de sua esposa –e, caso ela não consentisse, ele poderia forçar o sexo sem risco de ser condenado por estupro.

Essa interpretação só perdeu força com a Constituição, depois com o novo Código Civil e, principalmente, com a Lei Maria da Penha, que incluiu a relação sexual não desejada entre as formas de violência contra a mulher.

Foi um longo percurso até esses avanços jurídicos mais recentes. Basta lembrar que, no Brasil, as mulheres só puderam ingressar na faculdade em 1879 e conquistaram o direito facultativo ao voto em 1932 –em 1965 ele se tornou obrigatório, como o dos homens.

Em boa parte do século 20, a mulher casada precisa da autorização do marido para atividades diversas, inclusive para exercer uma profissão, o que só mudou em 1962, com o Estatuto da Mulher Casada.

Além disso, o homem era o chefe da sociedade conjugal –ainda que com a colaboração da esposa a partir de 1962— e, como tal, administrava os bens e decidia onde a família iria morar.

Em 1977, a Lei do Divórcio começou a retirar a carga da mulher separada, que até então era chamada pejorativamente de desquitada.

Mas ainda seria preciso virar o século para que essa desigualdade entre homens e mulheres no casamento fosse diminuída.

DESIGUALDADE DE GÊNERO

Até 1879: mulher não podia fazer faculdade

Até 1932: mulher não podia votar

Até 1962: mulher precisava de autorização do marido para exercer profissão

Até 1988: homens e mulheres não eram considerados iguais em direitos e obrigações

Até 2003: homem era o chefe da sociedade conjugal, ainda que com a colaboração da mulher, e podia decidir onde a família iria morar, além de administrar os bens; homem podia anular casamento se mulher não fosse virgem

Até 2006: mulher não tinha proteção explícita contra violência doméstica

Fonte: Folha de S.Paulo