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Extra Online – Dez anos após o STF reconhecer a união estável de casais gays, conheça histórias de casamentos homoafetivos

10-05-2021

Em 2010, 576 casais formados por pessoas do mesmo sexo registraram sua união estável no país. Brigaram na Justiça para que suas relações fossem reconhecidas. Em 2020, esse número aumentou para 2.125 — agora em cartório, sem a necessidade de ações judiciais. O direito foi garantido há dez anos, depois que o Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, reconheceu a união estável de casais gays.

Uma década depois, o número desses registros cresceu 269%. Há ainda os de casamento homossexual – direito que veio depois, após resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2013. Desde então, até abril deste ano, o país registrou 54.757 casamentos homoafetivos, segundo a Associação de Registradores de Pessoas Naturais do Brasil.

Para o presidente do STF, Luiz Fux, “a garantia desse direito é uma das formas mais nítidas da cidadania”.

— Na esteira daquela decisão, o Supremo criminalizou a homofobia, outro passo importante contra o preconceito e o ódio — acrescenta Fux. — O STF seguirá vigilante para a garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Presidente da Comissão de Diversidade e Gênero da OAB, Raquel de Oliveira diz que a decisão tirou “casais da invisibilidade” e abriu portas:

— Quando se reconhece a entidade familiar, avanços vêm junto, do direito de ser dependente no plano de saúde até a facilitação da adoção, um dos principais impactos daquela decisão marcante.

Abaixo, as histórias de casais que formaram as famílias após a manifestação do STF

‘Ter nosso casamento reconhecido é muito importante’

Quando a psicóloga Viviane D’Andretta e Silva e a médica Lessandra Chinaglia decidiram se casar, em 2014, planejaram uma comemoração simples, com alguns familiares e amigos. Elas não sabiam, naquele momento, que era permitido a duas mulheres o casamento no cartório, “como é para todo mundo”, nas palavras de D’Andretta. Uma amiga lhe avisou sobre o direito.

— Era algo que me parecia muito distante. Eu e a Lessandra até pensávamos: “Não é permitido agora, mas um dia vamos ter que tentar e lidar com trâmites legais porque queremos ter filhos”. Era uma preocupação que a gente tinha: queríamos ser entendidas como uma família, e ter o casamento legalizado, como qualquer outro, é se sentir pertencente à sociedade — afirma D’Andretta.

Ela e Chinaglia então se casaram num cartório da cidade de São Paulo, com “uma cerimônia bonita, inclusive com troca de votos”, lembra a psicóloga. A decisão de ter filhos veio em seguida, e, depois de uma fertilização in vitro, D’Andretta deu à luz Maria, em 2018. Agora, é sua esposa, palavra que ela faz questão de usar para se referir à mulher, quem tem planos de fazer fertilização in vitro para aumentar a família.

— Podemos ser minoria, mas somos parte do todo — resume a psicóloga. — Ter o nosso casamento reconhecido, ter nossa filha reconhecida como filha de duas mães é muito importante para que a gente quebre a heteronormatividade. E para nos sentirmos pertencentes a um grupo maior, que é a família.

O casal Toni Reis e David Harrad com os filhos adotivos, Jessica e FilipeO casal Toni Reis e David Harrad com os filhos adotivos, Jessica e Filipe Foto: Guilherme Pupo / Agência O Globo

‘Passamos por vários cartórios até conseguir um que registrasse’

Toni Reis conheceu o inglês David Harrad em 1990, no metrô de Londres. O brasileiro puxou papo, os dois engataram conversa, e uma semana depois estavam namorando. Casaram-se na Inglaterra naquele mesmo ano e, em seguida, vieram para o Brasil. À época, Reis começava sua trajetória como ativista dos direitos LGBT+. Como não havia legislação no país sobre a união homoafetiva, o pedagogo fez uma declaração em cartório, em 2004, para provar que o tradutor britânico era seu companheiro e, portanto, tinha direito de viver no Brasil.

Foi só em 2011, quatro dias depois da decisão do STF, que os dois conseguiram enfim ter a união estável reconhecida como se aplica a outros casais. Mas não sem alguma luta:

— Nós queríamos ser os primeiros, mas chegamos ao cartório e não quiseram fazer nosso registro. Pelejamos. Passamos por vários cartórios até conseguir um que registrasse – lembra Reis, que, aos 56 anos, é diretor da Aliança Nacional LGBT+.

Antes mesmo de ter o direito à união estável, ele e o marido já lutavam para formar família. Em 2005, começaram o processo de adoção, provando com documentos a longa relação que mantinham. Alyson, o primeiro de três filhos que adotaram, só chegaria à família em 2011. Aos 20 anos, o mais velho atualmente mora no Rio.

Jéssica, de 18 anos, e Filipe, de 16 anos, vivem com os pais em Curitiba. Hoje, Dia das Mães, os adolescentes ficaram responsáveis pelo preparo do brunch em comemoração à data – batizada pela família de “Dia dos Pães”.

Camila Marchi e Yve Pestana: casadasCamila Marchi e Yve Pestana: casadas Foto: Leo Martins / Agência O Globo

‘Quero ficar com ela para o resto da minha vida’

Camila Marchi se casou pela primeira vez aos 19 anos com um homem. Cumpria, como lembra, o roteiro de uma criação muito conservadora. Cinco anos depois, ela se viu infeliz.

— Foi quando percebi que estava vivendo sob padrões que não eram os meus. Minha cabeça abriu, e comecei a ter um olhar para mulher. Até que me apaixonei, joguei tudo para o alto e fui viver isso— conta a produtora de cinema, de 40 anos, advogada de formação.

Quando o STF votava para reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo, em 2011, ela fazia parte da Comissão de Diversidade e Gênero da OAB. Acompanhou o julgamento à distância, recebendo mensagens de uma colega que foi acompanhar a votação. Ela recorda:

— Naquela época, eu estava descobrindo essa luta por direitos. Tinha ido a um congresso de direito homoafetivo e chorei o tempo inteiro. Era a minha vida, aquilo mexia comigo.

O desejo de se casar veio quando conheceu Yve Pestana, há cinco anos. As duas se encontraram num aplicativo e descobriram ter amigos em comum. “Depois de um primeiro encontro horrível”, ela lembra rindo, criaram um grupo no WhatsApp com uma amiga em comum.

— Era mais uma desculpa pra gente se encontrar de novo. Logo pensei: quero ficar com ela para o resto da minha vida. E a gente queria ter isso no papel para que as pessoas nos enxergassem como um casal mesmo — diz Marchi: — Nós somos casadas, nós temos os mesmos direitos de qualquer casal.

Fonte: Extra Online