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DJE/SP: 1ª VRP/SP: Permuta de frações ideais. Incidência do ITBI

15-05-2019

Processo 1015419-73.2019.8.26.0100
Espécie: PROCESSO
Número: 1015419-73.2019.8.26.0100

Processo 1015419-73.2019.8.26.0100 – Dúvida – Registro de Imóveis – Daniela Rafael Simões de Oliveira – Vistos. Trata-se de dúvida inversa suscitada por Daniela Rafael Simões de Oliveira, em face do Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital, tendo em vista a negativa do registro da carta de sentença expedida nos autos de ação de divisão referente aos imóveis objeto das matrículas de nºs 38.600, 38.666, 39.055, 39.056, 39.057, 39.058, 39.945, 39.946, 39.947, 40.172 e 40.175, além daquele matriculado sob nº 138.951 do 12º Registro de Imóveis da Capital, ressaltando-se que coube à suscitante o registro apenas nas matrículas nºs 38.666 e 39.058.

Os óbices registrários referem-se: a) na presente hipótese apesar de constar a denominação de divisão, trata-se de permuta de partes ideais dos imóveis, tendo em vista que os contratantes adquiriram a propriedade dos bens dando em troca as frações que possuíam; b) ausência de comprovação do ITBI, ou a isenção reconhecida pela Municipalidade de São Paulo; c) existência de indisponibilidade do parte dos bens transacionados, equivalente a 1/40 dos imóveis matriculados sob nºs 40.172 e 40.175; d) ausência de homogeneidade dominial em todas as matrículas, tendo em vista que algumas partilhas de bens de proprietários já falecidos foram registradas e outras não; e) o imóvel da matrícula nº 39.945 foi adjudicado a terceiros, os quais não participaram da divisão/permuta; f) o imóvel matriculado sob nº 39.947 foi parcialmente desapropriado, sendo necessária a apuração de seu remanescente; g) necessidade da apresentação de documentos de alguns proprietários, em consonância com o principio da especialidade subjetiva.

Entende o registrador pela impossibilidade da cindibilidade do título para que haja apenas o registro nas matrículas nºs 38.666 e 39.058, sendo que se for reconhecida a possibilidade o óbice permaneceria apenas em relação à necessidade de recolhimento do ITBI. Juntou documentos às fls.162/2.308. Insurge-se a suscitante acerca dos óbices impostos. Salienta que o Oficial do 12º Registro de Imóveis da Capital realizou o cumprimento do mandado da ação de divisão, sem exigência do recolhimento de ITBI, logo não pode haver favorecimento de uns em detrimento de outros.

Em relação à cindibilidade do título, assevera que a doutrina e jurisprudência tem admitido em determinados casos, ou seja, nas hipóteses em que os negócios jurídicos reunidos no mesmo instrumento não são inter-relacionados, mas apenas justapostos por economia formal. Salienta que é possível o registro da integralidade dos imóveis mencionados, posto não recair sobre eles qualquer restrição. Por fim, informa que quando da realização do instrumento particular de promessa irretratável e irrevogável de divisão dos terrenos em que cada um dos herdeiros tinham direitos a frações ideais dos 12 imóveis, buscou-se desde 03.07.200, uma forma mais fácil de administrar os imóveis, ocasião em que ocorreu diversas vendas, ainda que não registradas, desapropriações, dentre outros encargos e benefícios.

Juntou documentos às fls.07/136. O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls.2316/2323). O Oficial do 12º Registro de Imóveis da Capital manifestou-se às fls.2327/2328. Relata que cumpriu o mandado judicial na ação de demarcação e divisão, sendo o título qualificado como divisão, assim nenhum exigência foi feita em relação ao ITBI, pois na divisão não há transmissão de imóveis. Apresentou documentos às fls.2329/2335. É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.

A primeira questão a ser analisada na presente hipótese é a denominação do negócio jurídico entabulado entre as partes, ou seja se trata de permuta de frações ideais ou se trata de divisão de bem. Entendo que o fato da ação que tramitou perante o MMº Juízo da 36ª Vara Cível da Capital denominar-se “divisão” não gera automaticamente a qualificação do título como divisão de bens.

Ressalto que é pacífica a questão de que, tratando-se de diversos condomínios com titularidades diferentes, a atribuição exclusiva de um imóvel em prol de determinados condôminos configura-se como permuta e não como divisão de patrimônio. Ressalto que a consideração de um negócio por outro trará repercussão na esfera tributária. Questão semelhante foi analisada pelo Egrégio Conselho Superior da Magistratura, na Apelação 899-6/3, Rel: Des. Ruy Camilo, d.J. 07.10.2008: “Registro de Imóveis. Dúvida julgada procedente. Negativa de acesso ao registro de formal de partilha expedido nos autos do processo de arrolamento de bens Instrumento particular de divisão e extinção de condomínio sobre os imóveis partilhados, celebrado anteriormente ao falecimento. Negócio jurídico que configura, em verdade, permuta de partes ideais dos imóveis Irrelevância, no caso, de a permuta ter sido formalizada por instrumento particular. Homologação judicial da partilha que torna desnecessária a lavratura de escritura pública. Ausência, porém, de comprovação do recolhimento do ITBI, em princípio devido. Ocorrência de prescrição e decadência insuscetíveis de exame em sede administrativa, no processo de dúvida registral. Recusa do registro acertada Recurso não provido”.

Conforme consta do corpo do Acórdão: “… Esse tem sido, a propósito, o entendimento seguido nesta esfera administrativa, valendo mencionar antiga e paradigmática decisão proferida em primeira instância pelo então ilustre Juiz de Direito, hoje eminente Desembargador, José Renato Nalini, em processo que contou, ainda, com parecer da lavra do então ilustre Promotor de Justiça, hoje eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal, José Celso de Mello Filho: (…) A intenção dos partícipes do ato negocial foi, à evidência, eliminar a comunhão, e, para essa conseqüência, permutaram as frações ideais de que titulares. A circunstância de firmarem escritura de divisão de condomínio ao invés de escritura de permuta de partes ideais não desnatura a substância de sua expressa voluntariedade. Existe, aliás, previsão expressa em lei para que, nas declarações de vontade, se atenda mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem. Conforme bem assinala o Dr. Curador, invocando o superior magistério de Agostinho Alvim, os problemas da Dogmática não se resolvem pela taxonomia (Estudos e Pareceres de Direito Tributário, vol. 2/15, 1978, Ed. RT, fls.).

A matéria já foi objeto de v. acórdão do Egrégio CSM nos autos da Ap. cível 267.112, de Monte Alto, conforme enfatiza o notável magistrado Narciso Orlandi Neto, in Registro de Imóveis, Saraiva, 1982, p. 210. Deixou assente, na oportunidade, o Des. Corregedor Geral da Justiça: Tratando-se de comunhão sobre diversos imóveis rurais, o extingui-la com atribuição de domínio exclusivo de um deles a determinado consorte implica, à evidência, permuta de frações ideais. Se todos tinham apenas partes ideais sobre todas as coisas, e, pois, nenhum ostentava propriedade exclusiva sobre uma delas, quando vem, por força de negócio jurídico rotulado de divisão e extinção do condomínio, a ocorrer esta situação, aquele que recebeu o domínio exclusivo transferiu aos outros as parcelas ideais de que era titular sobre os demais prédios e, em troca, transmitiramlhe os outros as frações que possuíam sobre o imóvel que se tornou de propriedade exclusiva. E o correspondente negócio jurídico encobre autêntica permuta, que é fato gerador do imposto de transmissão.

No mesmo sentido RT 297/606, 292/638 e 287/645. (Sentença proferida na 1ª Vara de Registros Públicos em 06.01.1984)”. Pois bem, na presente hipótese foi determinada a extinção de condomínio das partes, nos termos do instrumento particular de divisão de patrimônio comum, cabendo à suscitante a integralidade dos imóveis matriculados sob nºs 38.666 e 39.058, acrescido de 5,484% de um terceiro imóvel matriculado sob nº 39.056, sendo que em relação aos outros imóveis houve uma permuta de fração ideal entre os condôminos, resultando na aquisição da integralidade de alguns imóveis para alguns, mediante concordância de todos. Logo, é nítida a real intenção das partes envolvidas na realização da permuta de fração. Caracterizado o negócio jurídico como permuta resta a análise de dois aspectos, quais sejam, a possibilidade de cindibilidade do título apresentado e a incidência do imposto ITBI.

Em relação a cindibilidade do título, ao contrário do que faz crer o registrador, entendo ser possível. O Conselho Superior da Magistratura tem admitido a cindibilidade do título, permitindo que dele sejam extraídos elementos que poderão ingressar de imediato no fólio real, desconsiderando outros que demandem providências diversas. Neste sentido, conforme mencionado pela D. Promotora de Justiça, é possível cindir-se a permuta, para registro de apenas um dos bens trocados, ainda que registrado na mesma circunscrição imobiliária, na medida em que as transações funcionam como duas operações de venda e compra (art.533 CC), sendo que a impossibilidade de efetivação de uma delas não leva à anulação de outra, mas apenas abre oportunidade que o prejudicado busque seu ressarcimento”.

A questão da possibilidade de cisão do título, tratando-se de permuta foi objeto de análise perante o Egrégio Conselho Superior da Magistratura : “Permuta. Registro. Dúvida. Imóveis situados em circunscrições diversas. Possibilidade da inscrição autônoma de uma das aquisições. Provimento do recurso” (Ap. Cível nº 1004930- 06.2015.8.26.0362, Rel. Des. Ricardo Dip, dj. 22.11.2016) E ainda inúmeros precedentes da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça trazem a lume esse entendimento: “O atual sistema registrário imobiliário, fundado no ato básico de cadastramento físico, já não admite o principio pretoriano da incidibilidade dos títulos.

O sistema anterior, em que não existia transcrição do imóvel, é que justificativa o princípio. Hoje, o ato básico do registro imobiliário não pe a reprodução textual dos instrumentos. Estes passaram a ser meio e não mais objeto de um ato reflexivo ou transcritivo” (Ap. Cív. n. 2003-0, Itapecerica da Serra, 13.6.83; Ap. Cív. n. 2.177-0, Ribeirão Preto, mesma data. Relator: Des. Affonso de André; Embargos de Declaração n. 3.034-0, 6.8.84, Des. Nogueira Garcez; Ap. Cív. n. 5.599-0, Franco da Rocha, 19.5.86, Des. Sylvio do Amaral) “Escritura de compra e venda. Instrumentalização que representa a real vontade dos interessados. Ausência de ofensa aos principios registrários e ao ordenamento jurídico. Manutenção dos atos praticados, cindindo-se o título quanto à clausula de incomunicabilidade nele inserida, por infrigencia ao disposto no art. 1848 do CC. Viabilidade do registro. Recusa afastada. Recurso provido” (Ap. Cív. 440-6/0, Data: 06.12.2005. Localidade: Sorocaba) Afasto o argumento do registrador de que “a admissão da cindibilidade sem determinação judicial poderá, eventualmente, ser questionada por condômino ou condôminos que se sintam prejudicados, uma vez que o registro do título resultará na redução do patrimônio de alguns…”. Entendo que tal análise refoge a esfera registral, sendo que eventual prejudicado pela redução patrimonial poderá valer-se das vias ordinárias para pleitear seus direitos.

Resta a análise da incidência do imposto de transmissão de bens imóveis. Defende a suscitante o afastamento de tal exigência, uma vez que o Oficial do 12º Registro de Imóveis da Capital teria efetuado o registro sem exigir o recolhimento de qualquer imposto. Destaco que o registrador tem plena liberdade para proceder à qualificação, gozando de independência na atribuição do exercício de suas funções para a avaliação do título a ele apresentado, observando as regras de prudência e zelo no exercício profissional.

Daí que ao qualificar o título entendeu o Oficial do 12º Registro de Imóveis da Capital tratar-se de divisão do patrimônio, razão pela qual se absteve de cobrar o imposto, por ausência do fato gerador. Todavia, a qualificação realizada por um registrador não induz ao mesmo entendimento e consequentemente a mesma qualificação do título por outro delegatário. O Oficial do 17º Registro de Imóveis entendeu tratar-se de permuta, passível, portanto, do recolhimento de imposto. Daí que, em consonância com o principio da legalidade, não há como afastar a exigência do recolhimento, ressalvada a hipótese de isenção aprovada pelo órgão municipal ou ainda por determinação judicial.

Assim tem entendido o Egrégio Conselho Superior da Magistratura: “Registro de Imóveis. Negativa de acesso ao fólio real de certidão judicial. Sentença homologatória de acordo de permuta de quinhões com a finalidade de extinguir condomínio sobre imóveis. Sentença e decisões interlocutórias que indeferem a expedição de mandado de averbação, mandado de adjudicação ou carta de sentença. Permuta de quinhões que, homologada judicialmente, dispensaria escritura pública. Questão, no entanto, que foi especificamente examinada na via jurisdicional, e que não pode ser reapreciada na via administrativa. Negócio jurídico que exige o recolhimento de ITBI. Recurso não provido” (CSMSP – APELAÇÃO CÍVEL:990.10.249.808-5. Localidade: São Paulo. Data de julgamento:05/10/2010 Data DJ:24/11/2010. Relator: Des. Munhoz Soares) Por fim, entendo que não é o caso da instauração de procedimento administrativo em face do Oficial do 12º Registro de Imóveis da Capital, em relação a ausência de recolhimento do imposto.

Como acima mencionado, o Delegatário tem liberdade na realização da qualificação do título que lhe apresentado, logo, eventual ressarcimento ao prejuízo deverá ser objeto da competente ação a ser interposta pela Municipalidade de São Paulo, em procedimento especifico. Diante do exposto, julgo parcialmente procedente a dúvida suscitada por Daniela Rafael Simões de Oliveira em face do Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital, consequentemente mantenho o óbice atinente à necessidade de recolhimento do ITBI, ou a comprovação de isenção. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C.

São Paulo, 07 de maio de 2019. Tania Mara Ahualli Juiza de Direito – ADV: DENISE DO CARMO RAFAEL SIMOES DE OLIVEIRA (OAB 91945/SP)