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Diário do Grande ABC – De 20 bebês, um não tem o nome do pai na certidão

No Brasil, estima-se que 5,5 milhões de crianças tenham apenas a referência da mãe no registro

09-08-2021

No fim de semana em que se celebra o Dia dos Pais, o Grande ABC apresenta realidade – que é espelho do resto do País – sobre a qual quase sempre não há motivos de comemoração: 5% dos bebês que nasceram entre janeiro e junho na região não contam com o nome do pai na certidão de nascimento. Das 14.187 crianças registradas em uma das sete cidades no período, 699 têm apenas o nome da mãe em seu registro civil. Os dados foram levantados pela Arpen-SP (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo) a pedido do Diário.

Doutora em psicanálise contemporânea, Andréa Ladislau aponta que em todo o Brasil, cerca de 5,5 milhões de crianças não têm o nome do pai na certidão do nascimento e que as implicações desse fato podem se prolongar pela vida toda do indivíduo. Com relação ao documento em si, os primeiros reflexos costumam ocorrer quando a criança atinge a idade escolar. Já a falta da presença paterna pode trazer sequelas emocionais severas e permanentes.

Segundo Andréa, a psicanálise mostra que a figura do pai é a que traz autoridade, entre outros fatores decisivos que vão definir o desenvolvimento cognitivo das crianças. “Pessoas que não tiveram esse contato podem desenvolver complexo de inferioridade, baixa estima, por se sentirem rejeitadas”, afirma. A especialista também aponta que muitas crianças se sentem inseguras e levam esses sentimentos para seus relacionamentos quando adultas.

Andréa destaca que a figura paterna não necessariamente é a presença de um homem. “Existem famílias com duas mães, mas mesmo nesses casos, há uma definição de papéis. Uma é mais amorosa, a outra é quem impõe mais a autoridade. A formação emocional da criança sofre a influência dessa dinâmica”, explicou.

A psicanalista pontua ainda que a criança que nunca conheceu o pai sente essa falta de convívio de uma maneira diferente daquela que chegou a ter algum contato, mas ambas podem vir a desenvolver sofrimentos emocionais. “O vínculo de memória pode deixar a pessoa presa naquelas lembranças e é preciso trabalhar os aspectos psicológicos.”

Do ponto de vista social, a realidade das mães solos – aquelas que tiveram os filhos abandonados pelos pais, não as que optaram, conscientemente, por uma produção independente – é de desigualdade e sobrecarga. Professora de direito civil, prática jurídica civil da Umesp (Universidade Metodista do Estado de São Paulo) e pesquisadora sobre gênero, Renata Toledo avalia que de uma maneira geral a realidade social atribuiu mais responsabilidade sobre os filhos para a mulher do que para o homem.

Para a docente, a mudança passa pela educação e pela conscientização dos meninos, cada vez mais cedo, sobre as responsabilidade que devem ter se um dia se tornarem pais. “Quando a gente fala sobre igualdade de gênero, a lei tem um limite. Mas a educação tem o poder de transformar a realidade”, cita. Renata destaca que o impacto na vida profissional e acadêmica da mulher que precisa criar o filho sozinha é enorme. “Cria um abismo de desigualdade”, finaliza.

Integrante da Frente Regional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres no Grande ABC e promotora legal popular, Cristina Pectol aponta que a situação é fruto da desoneração dos homens diante das responsabilidades, resultado de cultura machista e patriarcal. “Quando uma adolescente engravida, quando um adolescente se envolve com drogas, a primeira pergunta que fazem é onde estava a mãe. Mas ninguém pergunta pelo pai”, cita.

Cristina afirma que a responsabilidade de criar o filho sozinha coloca a mulher em situação de vulnerabilidade social e os filhos dela em situação de desigualdade, sem as mesmas chances e oportunidades da criança que é cuidada por dois adultos. A promotora corrobora o entendimento de que a mudança passa pela educação e deve envolver todas as esferas da sociedade. “Uma educação menos sexista, meninos que sejam envolvidos em brincadeiras de cuidado, como as meninas fazem desde cedo, para que também aprendam. É preciso falar disso em escolas, igrejas, nas práticas esportivas, no mercado de trabalho, para que haja realmente a mudança.

ESTADO

A proporção de crianças sem o nome do pai na certidão aumentou pelo terceiro ano seguido no Estado de São Paulo, segundo os dados da Arpen. Era 5% erm 2019, passou para 5,3% em 2020 e chegou a 5,5% em 2021. É possível solicitar nos cartórios de registros de pessoas o reconhecimento da paternidade para retificação de certidões.

Fonte: Diário do Grande ABC