Notícias
Decisão Monocrática do Ministro Gilmar Mendes, na Reclamação Nº 12.610-PB a respeito do ISSQN
Decisão: Trata-se de reclamação constitucional, com pedido de medida liminar, ajuizada pelo Município de João Pessoa-PB, contra ato do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba que, ao aplicar o regime privilegiado de tributação previsto nos §§ 1º e 3º do art. 9º do Decreto-Lei 406/1968 para o pagamento de Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza aos cartórios localizados em sua região, teria violado a autoridade das decisões proferidas no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 3.089, Red. p/ acórdão Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, DJe 1.8.2008; e 1.800, Red. P/ acórdão Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe 28.9.2007.
Na inicial, aduz-se que a Lei Complementar 116/2003 acrescentou à lista de serviços tributáveis por meio do ISSQN diversas atividades, entre as quais as de registros públicos, cartorários e notariais – itens 21 e 21.01 da lista anexa à LC 116/2003. Informa-se, também, que referidos itens foram declarados Constitucionais por esta Corte, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.089, Red. p/ acórdão Min. Joaquim Barbosa.
Ocorre que, segundo o Reclamante, o Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba entendeu, em relação ao Município de João Pessoa, que o ISSQN somente seria exigível após a data do trânsito em julgado da ADI 3.089. Nesse contexto, sustenta, ainda, que houve usurpação de competência desta Suprema Corte, no ponto em que o ato reclamado pretendeu modular os efeitos da decisão-paradigma proferida por esta Suprema Corte.
É o relatório.
Dispenso a vista à Procuradoria-Geral República, nos termos do art. 52, parágrafo único, do RISTF.
Passo a decidir.
Inicialmente, verifico que duas questões foram postas nesta reclamação: 1) a forma de tributação incidente sobre os serviços cartorários e notariais; 2) A data a partir da qual poderia ser exigido o ISSQN.
No que diz respeito ao primeiro ponto, a discussão perpassa pela análise do modo de prestação do serviço nos cartórios. Quer-se saber se os serviços são prestados de forma pessoal, circunstância em que a tributação é paga anualmente, com base em um valor fixo, ou por meio de atividade empresária, caso em que se aplica a alíquota de 5% sobre o total dos emolumentos brutos auferidos pelos contribuintes.
O Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba entendeu que os serviços prestados em cartórios são executados de forma pessoal, razão pela qual a tributação deve incidir na forma do § 1º do art. 9º do Decreto-Lei 406/608, segundo o qual: “Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho”.
A discussão quanto à forma de cobrança do ISSQN não foi objeto de discussão nas decisões-paradigmas indicadas pelo autor da reclamação. O objeto da ADI 3.089, Red. p/ acórdão Min. Joaquim Barbosa, é a constitucionalidade dos itens 21 e 21.01 da lista anexa à LC 116/2003; e na ADI 1.800, Red. p/ acórdão Min. Ricardo Lewandowski, esta Corte apreciou apenas a constitucionalidade da Lei 9.534/1977, que prevê a gratuidade do registro civil de nascimento e do assento de óbito.
Assim, não há, nesse ponto, identidade ou similitude de objeto entre o ato impugnado e as decisões deste Tribunal indicadas como paradigma, o que acarreta a inadmissibilidade da ação, por ausência de pressuposto de cabimento necessário. Nesse sentido, registro como precedentes o Agravo Regimental na Reclamação 7.163, Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, DJe 28.5.2010; e a Reclamação 2.799, de minha relatoria, Tribunal Pleno, DJe 7.8.2009.
A reclamação, portanto, não deve ser conhecida neste ponto.
Quanto à modulação de efeitos, entretanto, consigno que este Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 3.089, Red. p/ acórdão Min. Joaquim Barbosa, realmente declarou a constitucionalidade dos itens 21 e 21.01 da lista anexa à Lei Complementar 116/2003, sem proceder à modulação dos efeitos da decisão, de modo que se ratificou a possibilidade de cobrança de Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza incidente sobre registros públicos, cartorários e notarias desde o início da vigência da lei declarada constitucional. Eis a ementa do julgado:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ITENS 21 E 21.1. DA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR 116/2003. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA – ISSQN SOBRE SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS. CONSTITUCIONALIDADE. Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra os itens 21 e 21.1 da Lista Anexa à Lei Complementar 116/2003, que permitem a tributação dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais pelo Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN. Alegada violação dos arts. 145, II, 156, III, e 236, caput, da Constituição, porquanto a matriz constitucional do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza permitiria a incidência do tributo tão-somente sobre a prestação de serviços de índole privada. Ademais, a tributação da prestação dos serviços notariais também ofenderia o art. 150, VI, a e §§ 2º e 3º da Constituição, na medida em que tais serviços públicos são imunes à tributação recíproca pelos entes federados. As pessoas que exercem atividade notarial não são imunes à tributação, porquanto a circunstância de desenvolverem os respectivos serviços com intuito lucrativo invoca a exceção prevista no art. 150, § 3º da Constituição. O recebimento de remuneração pela prestação dos serviços confirma, ainda, capacidade contributiva. A imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente remunerados. Não há diferenciação que justifique a tributação dos serviços públicos concedidos e a não-tributação das atividades delegadas. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente”.
No presente caso, o redador do acórdão reclamado, oriundo do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, assentou:
“(…) tenho que a data início para a incidência do ISSQN sobre o exercício da atividade notarial e registral em João Pessoa seria 1º de janeiro de 2004. Todavia, não se registrando lançamento anterior ao julgamento da ADI 3.089 e, em respeito ao princípio da segurança jurídica e à liminar concedida no Mandado de Segurança, além da impossibilidade de lançamento tributário com feito retroativo, a data a partir da qual o imposto, no caso específico de João Pessoa, só pode ser a data do trânsito em julgado da Ação Direta de Inconstitucionalidade que reconheceu a constitucionalidade a lei instituidora do tributo na relação anexa ao Código tributário Nacional, a Li Complementar nº 116/2003”.
Da leitura do acórdão recorrido, constato que o ato reclamado procedeu à modulação dos efeitos da decisão proferida no julgamento da ADI 3.089, Red. p/ acórdão Min. Joaquim Barbosa, para o Município de João Pessoa-PB
, em manifesta afronta à autoridade desta Corte, que não adotou referida técnica de decisão.
Ante o exposto, conheço parcialmente da reclamação e, nesta parte, julgo-a procedente, para cassar o acórdão recorrido no ponto em que determinou que a exigibilidade do ISSQN sobre os serviços cartorários e notariais somente ocorreria com o trânsito em julgado da decisão proferida na ADI 3.089, uma vez que o tributo é exigível desde o exercício financeiro de 2004.
Comunique-se.
Publique-se.
Brasília, 10 de novembro de 2011.
Ministro Gilmar Mendes
Relator
Documento assinado digitalmente.