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Decisão do STF sobre sucessão de bens em união estável é tema de palestra do XIX Congresso

17-11-2017

Fortaleza (CE) – A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de tornar inconstitucional o artigo 1790 do Código Civil Brasileiro, que estabelecia diferenças entre a participação do companheiro e do cônjuge na sucessão dos bens foi o tema de destaque da palestra “O Impacto da Jurisprudência dos Tribunais Superiores na Atividade”. Ministrada pelo professor e tabelião, Zeno Veloso e pelo professor e registrador civil, Christiano Cassetari, o encontro foi marcado pelas possíveis consequências que a decisão da corte superior pode gerar no âmbito do registro civil.

Na abertura do debate, Veloso contou sua clássica história do ‘Nagibão’ para contextualizar o tema e exemplificar o porquê sempre foi contrário ao artigo 1790 do Código Civil. “Manacapuru, no Estado do Amazonas, é a terra de uma mulher que se envolveu com o Nagibão. Eles foram companheiros por 15 anos, e quando ele morreu, ela ficou preocupada, já que os dois nunca haviam se casado. Mas como ele já morava há mais de 40 anos no Brasil, sem nenhum parente, ela acreditou que ficaria com a herança. Mas eis que o amigo que tinha vindo com ele do Líbano, desapareceu de Manaus e foi atrás de um primo do Nagibão, lá no Líbano, para que ele assumisse a herança. O primo até questionou: mas quem é o louco que te disse que eu sou o herdeiro? E o amigo respondeu: o louco é Código Civil do Brasil” contou Veloso. “E ele era herdeiro mesmo porque o artigo 1790 dizia que um companheiro sobrevivente só herdaria os bens adquiridos onerosamente durante a convivência. E como o Nagibão constituiu toda sua fortuna antes da união estável, a sua companheira de 15 anos ficou sem nada. Eu venho falando do Nagibão desde 2002, que foi quando eu comecei a lutar contra esse artigo 1790”, completou.

Com relação ao momento atual, com a decisão de inconstitucionalidade do artigo 1790, Veloso afirmou que a declaração do tribunal é simples, mas que traz diversas consequências para o segmento. “Essa é uma decisão revolucionária. Descobriram o Brasil, como se diz na gíria. Mas a partir daí existem mil coisas para se fazer. Existem milhares de providências para serem tomadas. E interpretações a serem observadas”, explicou.

Já o professor e registrador Christiano Cassetari abriu sua fala criticando a decisão do STF. “Essa é uma decisão que vai mexer bastante com os nossos cartórios. Que dizer, já está mexendo e vai mexer cada dia mais. Por quê? Permitam-me a crítica, mas acho que foi uma decisão dada pelos nossos julgadores sem ter a ideia da dimensão do que estava sendo julgado. O STF é um tribunal que trata de direito público, não de direito privado. E algumas coisas estão tendo agora a oportunidade de ir até o STF para ser objeto de discussão. E quem assistiu ao julgamento, deve ter visto vários ministros fazerem uma reverência ao ministro Luiz Edson Fachin, um dos maiores especialistas em Direito de Família desse País. No entanto, muitos ainda até confessaram que não tinham a real noção das consequências do que poderia ocorrer com essa inconstitucionalidade do artigo 1790”, afirmou.

A decisão do STF também determinou a utilização do artigo 1829 do Código Civil, que trata da ordem sucessória, nos casos de união estável. Desta forma, se estabeleceu que a mesma regra que se aplica ao cônjuge, se aplicaria ao companheiro. De acordo com Cassetari, uma das consequências dessa tese é a inclusão do companheiro no rol dos herdeiros necessários.

“Tendo o companheiro esse status, muita coisa muda na vida dos cartórios. Por exemplo, eu, enquanto advogado, fiz vários testamentos excluindo companheiros da sucessão. E nós vamos ter problemas com esses testamentos porque ele agora deve ser incluído como herdeiro necessário”, explicou Cassetari.

“Essa é uma questão muito importante. Porque se o companheiro é herdeiro necessário, os testamentos até agora feitos sobre a preposição de que ele não era herdeiro necessário, ficaram prejudicados. Pode se considerar até uma espécie de ruptura. Então, é importante pegar os livros dos cartórios e analisar esses testamentos, mandar alguém levantar tudo, ligar para os testadores… porque estamos diante de um problema novo. Embora não haja uma opinião unânime de que essa decisão tenha levado o companheiro a ser herdeiro necessário. Nem eu, que trabalho em cartório tinha pensando nessa possibilidade, e a primeira coisa que vou fazer ao voltar para o cartório é olhar esses testamentos anteriores, dos últimos cinco anos, para não haver prejuízo”, também comentou Veloso.

Cassetari ainda destacou as mudanças com relação à doação de patrimônio. Segundo o palestrante, pessoas que viviam em união estável e anteriormente poderiam doar 100% da sua herança, com a definição do companheiro como herdeiro necessário, apenas 50% do patrimônio pode ser doado. “É uma questão de doação inoficiosa, quando ultrapassa o direito legítimo do herdeiro necessário. Então, a pessoa que vivia em união estável e, na sua cabeça não tinha nenhum herdeiro necessário podendo doar 100% do seu patrimônio, agora não pode mais. Porque há uma restrição, e se doar mais do que 50%, será inoficiosa, a parte que vale ao herdeiro legítimo é nula”, disse.

Multiparentalidade

Ainda dentro do tema Direito de Família, o professor Veloso também abordou a decisão do Supremo Tribunal Federal com relação à multiparentalidade. Favorável à medida, destacou que a regularização trará alguns desafios aos registradores, já que o Código Civil prevê apenas duas linhas sucessórias: a paterna e a materna.

“Em um caso que o filho morre e seus pais biológicos, junto com o pai socioafetivo, se tornam seu herdeiro necessário. Como será feita a divisão da herança? Igualmente? Mas a lei brasileira define apenas duas linhas sucessórias: paterna e materna. Então, dentro desta teoria, a mãe deveria receber 50% da herança e os pais, biológico e afetivo, dividiriam os outros 50%. Ainda não há um consenso com relação a essa divisão. Eu também não tenho uma opinião totalmente formada sobre a questão, mas sou mais a favor de dividir igualmente entre os três. Então, essas são algumas das questões que a multiparentalidade ainda vai gerar”, afirmou.

“Essa é uma questão importantíssima porque é uma realidade. Você tem dois pais: o biológico e aquele que te criou que é o novo marido da sua mãe. Então você tem dois pais na prática. Faltava dizer isso juridicamente. É normal. Pior são os que não têm pai nenhum”, concluiu Veloso.

Fonte: Assessoria de Imprensa da Anoreg-BR