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ConJur – Sobre a possibilidade de aplicação do usufruto nas execuções trabalhistas – Por Rachel Melchert de Queiroz Guimarães e Ana Paula Prado Bertoncini
1) Introdução
Antes de entrar no mérito, vale lembrar que é totalmente plausível a penhora do direito de usufruto em execuções trabalhistas. Ou seja, os devedores em execuções laborais procuram, de qualquer forma, algum meio de proteger seu patrimônio. Para isso, ocorre que muitos transferem seus bens a terceiros ou até familiares, em prol do menor déficit possível, restando, por último, o direito ao usufruto, quando há tais casos. E, para que analisemos com uma maior amplitude é preciso observar alguns pontos:
2) Usufruto
A aplicação desse instituto deu-se, primeiramente, com razões excepcionalmente familiares, ou seja, a única finalidade era de assegurar uma vida digna ao cônjuge (seja assistencial ou alimentar), ora viúvo(a), nos casamentos sine manu, sem que saíssem os bens do patrimônio da família.
O instituto do usufruto possui como conceito clássico, originado pelo Direito romano: “Usufruto é o direito de usar uma coisa pertencente a outrem e de perceber-lhe os frutos, ressalvada sua substância”.
Da mesma forma, o Código Civil de 1916 conceituou o mesmo instituto, em seu artigo 713, como o “direito real de fruir as utilidades e frutos de uma coisa, enquanto temporariamente destacado da propriedade”. Porém, não ocorreu o mesmo cuidado com Código Civil de 2002, observando, portanto, uma denominação implícita no seu teor.
O usufruto, portanto, é o direito real sobre coisas alheias, observando ao usufrutuário, a capacidade, o poder de usar as utilidades e os frutos (rendas) do bem, ainda que não seja o nu-proprietário.
3) Usufrutuário x vu-proprietário
Como vimos na análise conceitual do usufruto, há em sua contemplação dois indivíduos: usufrutuário e nu-proprietário.
O usufrutuário, de acordo com o artigo 1.394 do Código Civil, é a pessoa física ou jurídica, que detém os seguintes direitos: “O usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos”.
Vale ressaltar que essa classificação de direitos não é taxativa, mas mínima ao usufrutuário. Nada impede que esses direitos sejam estendidos de acordo com a necessidade e vontade do usufrutuário em seu título constitutivo. Porém, se este for deficiente ou possuir lacunas com relação a esse conteúdo, há de se aplicar o rol geral de direitos citados acima.
A partir disso, é necessário elencar e explicar tais verbos positivados no artigo citado:
a) Direito à posse: Ao usufrutuário, há a pressuposição da posse direta e justa. Ou seja, primeiramente, se diz direta, pois o usufrutuário exerce a posse e justa, pois não há qualquer tipo de vício.
b) Direito de uso: Seria o direito de servir-se da coisa alheia na medida em que suas necessidades próprias e se sua família vier a colidir, porém, sem retirar-lhe as vantagens.
c) Administrar a coisa: É o direito do usufrutuário de cuidar da coisa, como se fosse sua fazendo com que, portanto, ela não se deteriore.
d) Percepção dos frutos: Refere-se ao direito do usufrutuário de gozar da coisa, tirando-lhe todos os proveitos. É cabível a ele perceber-lhes os frutos (rendas) — salvo suas restrições contidas no título — e assim, os consumir ou alugar. Resumindo, é a exploração econômica da coisa que se reserva ao usufrutuário
Esses direitos só poderão ser exercidos a partir da transferência da posse ao usufrutuário. Então, podemos dizer que a ele se institui a posse justa e direta e ao nu-proprietário, a indireta (tem a posse).
Ao nu-proprietário, por sua vez, cabe o direito de dispor do bem (jus disponendi ou abutendi), ou seja, é o atributo que permite ao proprietário alienar o bem, ou mesmo dá-los em garantia (seja penhor ou hipoteca), mas não a fazer o uso dele, este cabe ao usufrutuário.
4) Características do Usufruto
4.1) É direito real sobre coisa alheia. Possui essa característica, pois, de acordo com Silvio Rodrigues: “Recai diretamente sobre a coisa, não necessitando de seu titular para exercer seu direito, de prestação positiva de quem quer que seja”.
Nele, há uma relação vertical, ou seja, entre sujeito e objeto e, assim, apresenta como característica, a tipicidade, ou seja, está previsto em lei.
Diferentemente do direito das obrigações, pois neste há uma relação horizontal, sendo assim, entre pessoas, sendo elas físicas ou jurídicas, e, por sua vez, não há qualquer incidência de tipicidade.
4.2) Tem caráter temporário. Tem esse caráter pois o usufruto se extingue pela renúncia ou morte do usufrutuário (artigo 1.410, inciso I, CC), pelo termo de sua duração (artigo 1.410, inciso II, CC), pelo decorrer do prazo de trinta anos da data em que se começou a exercer tal direito, se instituído em favor da pessoa jurídica (artigo 1.410, inciso III, CC) e o acabar do motivo de que se origina (artigo 1.410, inciso IV, CC).
É necessário o direito de usufruto ter um tempo determinado porque, do contrário, seria prejudicial à expectativa a ilusão do nu-proprietário de resgatar a propriedade plena, não mais despojada dos elementos que lhe dão conteúdo.
4.3) Personalíssimo. Tem um caráter personalíssimo (intuitu personae) pelo fato de que esse direito não passa, cessa com a pessoa que o adquiriu.
Essa característica é diretamente ligada ao caráter temporário, pois, de acordo com Farias e Rosenvald (2008, página 571): “Esse caráter transitório decorre de seu conteúdo intuito personae, pois a única finalidade do usufruto é beneficiar pessoas determinadas”.
Tanto assim o é que, falecendo o usufrutuário, o direito não se transmite aos herdeiros, ainda que o usufruto tenha sido instituído por prazo certo e a morte tenha ocorrido antes do termo de duração. O prazo máximo de 30 anos de duração do direito, se o titular for pessoa jurídica, explica-se pela imprevisibilidade de sua duração. Apesar de jamais ser perpétuo, o que, frise-se, desconfiguraria o instituto, o direito pode ser vitalício, isto é, durar a vida inteira do usufrutuário.
4.4) Inalienável. O usufruto em si é caracterizado como inalienável, ou seja, desprovido do direito de disposição. Até porque, como vimos, há uma intransmissibilidade do objeto do usufruto para terceiros ou familiares, mesmo sendo de boa-fé. Porém, nada impede a possibilidade da cessão do direito de usufruto por título gratuito ou oneroso.
Isso pode ser averiguado no artigo 1.393, CC: “Não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso”. Isso porque estamos falando de um direito pessoal, transferível e de valor monetário.
Atualmente, há de se averiguar essa possibilidade, principalmente em execuções trabalhistas, em que o direito do usufruto é penhorado em face da dívida do trabalhador perante o credor, o que podemos observar a seguir.
5) Penhora do direito do usufruto de bens imóveis nas execuções trabalhistas
Pois bem, sabendo que o objeto do usufruto, a propriedade, não pode ser penhorada, devemos explicar o porquê disso.
De uma forma simplificada, pelo fato de o usufrutuário não ser o proprietário, não há qualquer possibilidade da disposição dela. Somente cabe ao nu-proprietário alienar o bem, seja móvel ou imóvel.
O que acontece muitas vezes é que, caso de usufruto de bens imóveis, se o empregado (no papel de nu-proprietário) tem uma dívida — não raras vezes, em virtude de querer usufruir de uma boa qualidade de vida — com alguém (na qualidade de credor), no intuito de não perder a propriedade, a passa para um terceiro ou familiar, através de título, seja gratuito ou oneroso, fazendo com que este, por sua vez, passe a ser o nu-proprietário e, como consequência, conceda ao antigo nu-proprietário o usufruto do bem imóvel.
Após concedido o direito do usufruto, há uma penhora do mesmo em virtude do déficit perante outrem. Agora vocês devem estar pensando: “e como é feito isso?”.
Bom, é injusto em face do(s) credor(es) que o agora usufrutuário não pague de alguma forma a dívida instituída.
Pensando nisso, o magistrado relator do recurso em tramite na 2ª Turma do TRT da 3ª Região, em julgado recente, entendeu que é totalmente possível que a penhora recaia sobre o direito de usufruto do bem imóvel, fazendo com que o credor receba os rendimentos do imóvel, um aluguel, até que seja sanada a dívida ainda ativa.
Esse viés demonstrado pelo juiz relator Rodrigo Ribeiro Bueno é decorrente do artigo 897 do NCPC/15: “Se o arrematante ou seu fiador não pagar o preço no prazo estabelecido, o juiz impor-lhe-á, em favor do exequente, a perda da caução, voltando os bens a novo leilão, do qual não serão admitidos a participar o arrematante e o fiador remissos”.
E ademais ele alega que a própria legislação possibilita a cessão do exercício do usufruto a título oneroso ou gratuito, de acordo com o artigo 1.393, CC: “Não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso”.
Na jurisprudência acima citada, o empregado pediu a penhora de imóvel do qual o sócio da empresa devedora teria direito a usufruto vitalício. O pedido foi indeferido pelo juízo de primeiro grau, primeiramente por ser o devedor apenas usufrutuário do imóvel e porque eventual penhora sobre esse direito seria inócua por não possibilitar a satisfação do crédito.
Diante disso, levando em conta que o imóvel poderá ser alugado pelo credor, por prazo suficiente para a quitação do seu crédito, o que indica a efetividade da medida, o relator deu provimento ao recurso para autorizar a penhora do imóvel, nos limites a serem determinados pelo juízo da execução.
Para melhor fixar essa possibilidade, há como complementação o entendimento da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) na Apelação Cível 0003631-93.2010.4.03.6106/SP, o qual relata que, o usufruto em nada impede a execução, “ficando ressalvado o direito real de usufruto, inclusive após a arrematação ou a adjudicação, até que haja sua extinção”.
O imóvel foi deixado pelo marido aos dois filhos, o qual tinha sido dividido em partes iguais entre eles, levando em conta que um deles responde a uma execução fiscal. Entretanto, a averbação do usufruto do imóvel em favor da apelante não foi anotada quando do registro da partilha, por equívoco do cartório de registro de imóveis.
Contudo, o juiz federal convocado, Marcelo Guerra, relator do acórdão, afirmou que isso não é nenhum impedimento à penhora de 50% do imóvel, referente à parte do herdeiro executado, “ficando ressalvado o direito real de usufruto, inclusive após a arrematação ou a adjudicação, até que haja sua extinção”. Em primeira instância, a sentença havia levantado em somatória que a questão do usufruto somente dificulta a alienação do bem, “pois eventual arrematante deverá respeitar o ônus real que recai sobre o imóvel”.
O magistrado ainda citou o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça no REsp 1.232.074 , o qual alega: “Em que pese a dificuldade na alienação do bem imóvel em questão, é certo que a execução é realizada em benefício do credor, nos termos do artigo 612 do Código de Processo Civil. A indivisibilidade do bem e o fato de o imóvel estar gravado com ônus real, in casu, usufruto, não lhe retiram, por si só, a possibilidade de penhora”.
5.1) Penhorabilidade do direito de usufruto x precatórios. Antes de qualquer coisa, é necessário esclarecer o que, de fato, são precatórios.
Pois bem, quando um cidadão ou uma empresa ganha um processo judicial contra o Estado, a ele é concedido o direito a indenização e esta, por sua vez, é feita através dos chamados precatórios, que nada mais é que o pagamento do valor da causa ganha.
Nesse caso, se o usufrutuário (anteriormente nu-proprietário) possuir uma dívida com o Estado e ao mesmo tempo tiver ajuizado uma ação contra ele e assim obtiver o êxito, há de se averiguar que esse precatório deve ser considerado como parte da quitação da dívida, ou seja, o usufrutuário nem chegaria a receber esse precatório, pois serviria como uma parcela, um “aluguel” ao Estado, para um futuro sanar da dívida, e essa indenização ficaria estabelecida em um depósito judicial, esperando darem um destino próprio a ele.
6) Considerações finais
Diante do exposto, é possível ver a importância do usufruto tanto no âmbito cível, como trabalhista. Esse instituto possui uma abrangência inestimável, em virtude de suas inúmeras variantes e complexas características.
Observamos que, ao mesmo tempo que ele vem com uma finalidade excepcionalmente assistencial e alimentar, por outro lado pressupõe uma blindagem do devedor, uma proteção ineficiência, pois faz com que não ocorra a penhora de seus bens, e, sim, de um direito que na verdade, após quitada a dívida, pode ser revertido.
É algo a se analisar, pois, como tudo no Direito, o usufruto tem “os dois lados da moeda”.
Fonte: ConJur