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ConJur – O comércio eletrônico e o Código de Defesa do Consumidor
A grande expansão da internet nos últimos anos foi extremamente relevante para o crescimento do comércio eletrônico no Brasil e no mundo
O comércio eletrônico é uma extensão do comércio convencional, pois se trata de um ambiente digital em que as operações de troca, compra e venda e prestação de serviço ocorrem com suporte de equipamentos e programas de informática, por meio dos quais se possibilita realizar a negociação, a conclusão e até a execução do contrato, quando for o caso de bens intangíveis.
Quando as partes estiverem sediadas no Brasil, os contratos celebrados pela internet estão sujeitos ao mesmo regime jurídico dos demais contratos firmados fisicamente no território brasileiro. Logo, sem prejuízo da aplicação de outras normas especiais, aplicam-se as regras do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor aos negócios concretizados eletronicamente.
O Código de Defesa do Consumidor tem incidência em situações nas quais se evidencia uma relação de consumo, abrangendo, de um lado, a figura do fornecedor e, de outro, a figura do consumidor, com o objetivo de adquirir ou utilizar um produto ou serviço como destinatário final, sendo a amplitude desse campo de fácil constatação, na medida em que se permite não só a tutela de interesses individuais, mas também a defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, tudo com o único propósito de restabelecer equilíbrio a tais relações.
Dessa forma, são aplicáveis as regras legais sobre contrato de adesão, cláusulas abusivas, publicidade enganosa e abusiva, responsabilidade por inadimplemento contratual e por ato ilícito; os princípios do Direito Contratual, como o da boa-fé e o da função social do contrato, entre outros.
De qualquer forma, cada vez mais vem surgindo normas sobre problemas jurídicos relacionados ao uso da Tecnologia da Informação, como o Marco Civil da Internet (MCI), Lei nº 12.965, de 23/4/2014.
Mas será que essa lei é aplicável ao comércio eletrônico? Trata-se de uma lei principiológica que estabelece parâmetros gerais acerca de princípios, garantia, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, além de determinar algumas diretrizes a serem seguidas pelo poder público sobre o assunto [1]. Em seu texto também há regras específicas a serem cumpridas por agentes que operam na internet, especialmente as dirigidas aos provedores de conexão (acesso) e de aplicações de internet (de conteúdo). Por exemplo, o artigo 19, caput, da Lei n° 12.965/2014 estatui: “com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.
Ao se analisar o Marco Civil da Internet pode se ter a impressão inicial de que a norma não trata claramente sobre comércio eletrônico em sentido estrito (quanto à compra e venda de produtos e prestação de serviços), mas apenas de outras operações realizadas no comércio eletrônico em sentido amplo (como questões envolvendo a proteção à privacidade e a vedação da captação indevida de dados e da sua comercialização). Entretanto, suas regras e princípios têm implicação direta em tudo o que ocorre na internet em âmbito brasileiro, inclusive, o e-commerce, enquanto operações envolvendo a produção e a circulação de bens e de serviços.
Além disso, o artigo 7º, inciso XIII, da Lei nº 12.965/2014 [2] reafirma a aplicação das normas de defesa do consumidor nas relações firmadas pela internet, desde que configurada uma relação de consumo. Uma questão muito interessante para efeitos de e-commerce está no artigo 6° da Lei nº 12.965/2014 [3], ao prever que na interpretação dessa norma serão levados em consideração os seus fundamentos, princípios e objetivos, bem como a natureza da internet, seus usos e costumes particulares e sua importância para a promoção do desenvolvimento humano, econômico, social e cultural.
Todavia, uma norma que trata mais especificamente sobre comércio eletrônico é o Decreto nº 7.962, de 15/3/2.013, que regulamenta o Código de Defesa do Consumidor para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico. Ele dispõe acerca da necessidade de informações claras sobre o produto, o serviço, o fornecedor, o atendimento facilitado ao consumidor e o respeito ao exercício do direito de arrependimento.
Podemos lembrar, por exemplo, o caso de um suposto dano, por parte do fornecedor, que teria como a veiculação, em seu site, informações falsas sobre a qualidade dos seus produtos.
A informação perfaz direito básico do consumidor, assegurada pelo artigo 6°, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, mostrando-se enganosa, nos termos do artigo 37, parágrafo 1º do CDC [4], toda propaganda que preste informações de maneira precária, incompreensível, obscura ou confusa, conduzindo o consumidor a praticar um ato que, em circunstâncias normais, não praticaria.
Outrossim, cabe destacar que o artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor estatui que “a oferta e a apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, extensiva, em língua portuguesa, sobre suas características, qualidade, quantidade, composição, preço, garantia e prazo de validade de origem, entre outros dados”.
Portanto, o dever de informar é fonte de obrigações civis, com base na responsabilidade pré-contratual, e não um simples controle sobre a enganosidade ou abusividade da informação e traz, assim, como elemento de grande importância para que o consumidor esteja habilitado para conhecer a qualidade do bem ofertado pelos seus próprios meios, exercendo a livre escolha do que lhe é assegurado.
Enganosa é a mensagem falsa ou que tenha aptidão para induzir em erro o consumidor, que não conseguiria distinguir a natureza, as características, a quantidade, a qualidade, o preço, a origem e os dados dos produtos ou serviço contratado.
Fábio Pugliese [5] considera o site comercial como “equivalente, do ponto de vista do usuário do comércio eletrônico, à sensação de mergulhar em um cartaz, conhecer a estrutura organizacional, a situação financeira, o negócio da empresa, os diversos produtos e até viabilizar o acesso a outras home pages (este é o negócio das search engines) tudo em escala muito maior que outros meios de divulgação”.
Para fins didáticos, poderíamos dividir a publicidade enganosa via internet em dois grupos. O primeiro deles diz respeito aos casos de publicidade enganosa que são em tudo semelhantes à publicidade vinculada através das outras formas de mídia. Isto é, apenas se diferenciam pela vinculação através da rede mundial de computadores. Assim, a internet aqui apenas funciona como uma forma a mais de propaganda. Exemplo: o fornecedor X anuncia determinado produto (ou serviço) Z via internet e, em virtude de a propaganda ter sido, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, ter induzido o consumidor Y a erro a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço ou quaisquer outros dados sobre o referido produto (ou serviço), entende-se configurada a publicidade enganosa. Assim ocorreria publicidade enganosa via internet no caso de oferta de produtos em determinada página ou site, que não existissem no estoque do fornecedor anunciante, com o intuito de atrair o consumidor a entrar na loja virtual ou página na web. Estar-se-ia diante da chamada oferta como chamariz. Percebe-se claramente a semelhança do caso acima com qualquer relação de consumo induzida por outro tipo de publicidade (através de televisão, rádio, jornal etc.).
Obviamente que, em virtude das informações contidas na home page terem o caráter de promover o produto, é indispensável que não haja omissões sobre as características, propriedades, origem, preço e outros dados que possam interferir na compra pelo consumidor, a fim de que este não tenha uma ideia falsa do produto ou do serviço recebido. Além disso, as informações contidas na home page são consideradas como parte da oferta do fornecedor do produto ou do serviço, constituindo uma autêntica promessa de sua parte ao público potencialmente consumidor e vinculando-o para todos os fins. Equivale, pois, em termos gerais, a uma cláusula escrita no instrumento contratual.
Assim, a home page deve revelar todas as informações consideradas relevantes, tais como limitações para uso de idade, cuidados que devem ser tomados com o produto, valores não inclusos no preço etc. A exemplo do que já é apresentado em outdoors e propagandas em revistas. Como a home page tem um caráter dinâmico, é imprescindível que as informações na tela devem ser inteligíveis, permanecer o tempo necessário para que se capte, leia e compreenda a mensagem, cuidar para não haver na tela outros sinais ou imagens que distraiam a atenção do consumidor no momento em que efetua a compra ou conhece as propriedades e atributos do produto ou serviço e, acima de tudo, colocar as informações relevantes antes do ato da compra.
Uma questão bastante pertinente é suscitada acerca da responsabilização do provedor de acesso por publicidade enganosa vinculada na rede. Isto é, responde o provedor de internet por todos os conteúdos ofertados por terceiros, dentro de uma responsabilidade extracontratual, que ultrapassa a gama de serviços e produtos por ele diretamente disponibilizados para o consumo direto de seus serviços?
Em nosso sentir, diante dos princípios norteadores das relações consumeristas no Brasil, da vulnerabilidade evidente do usuário da internet frente à agressiva publicidade vinculada pela rede, diante do artigo 6º, IV, do CDC que estabelece como direito básico do consumidor a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, bem como olhos postos no parágrafo único do artigo 7º do CDC, que prevê a responsabilidade solidária quando a ofensa tiver mais de um autor, não há como afastar uma eventual responsabilização do provedor de acesso se teve a oportunidade de valorar a ilicitude do conteúdo (no caso a enganosidade da publicidade), vez que é responsável pela criação, organização e funcionamento do site.
Fonte: ConJur