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ConJur – Lei não permite trocar registro civil inteiro por nome indígena, diz ministro do STJ
As hipóteses listadas na Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973) para a mudança do registro civil não contemplam a exclusão total do nome e dos sobrenomes de alguém, com a substituição por outros de livre escolha do interessado.
Com esse entendimento, o ministro Raul Araújo, da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, abriu divergência no julgamento que analisa se Solange Souza Reis, uma líder comunitária indígena de uma aldeia do Rio de Janeiro, pode alterar seu registro civil para Opetahra Nhâmarúri Puri Coroado.
Em junho, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, votou por permitir a alteração, em observância ao princípio da dignidade humana. Nesta terça-feira (27/9), porém, o ministro Raul Araújo votou contra a mudança. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Marco Buzzi.
O caso trata de uma mulher que nasceu na cidade do Rio de Janeiro e, em 2011, aos 48 anos, passou a se aproximar de suas raízes indígenas em São Fidélis (RJ), onde seus pais nasceram. Ela participou de reuniões e se mudou para lá, onde adotou costumes e tradições indígenas e se tornou líder comunitária da etnia puri.
Em 2018, ela pediu na Justiça para mudar o nome e os sobrenomes, fazendo a substituição completa do registro civil para dar lugar a algo que represente verdadeiramente suas raízes. O pedido foi negado pelas instâncias ordinárias.
A solução do caso passa pela interpretação dos artigos 57 e 58 da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973), que preveem que a alteração do nome é excepcional e deve ser motivada. No entanto, a jurisprudência do STJ tem tratado com liberalidade tais pedidos, não raro conferindo interpretação extensiva a essas regras, conforme já mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico.
Autodeterminação indígena
Para o ministro Salomão, as exceções trazidas pela lei ao princípio da imutabilidade do registro civil são exemplificativas e devem ser interpretadas levando em consideração o momento histórico-evolutivo da sociedade, para que se amoldem à realidade social.
Em suma, segundo o ministro, será possível mudar de nome, em regra, se não houver risco à segurança pública e indícios de prejuízo a terceiros. O ponto foi ressaltado por Salomão nesta terça, ao ratificar o voto, após a divergência inaugurada pelo ministro Raul Araújo.
“Fiquei a me perguntar qual seria o prejuízo da alteração desse nome para o da etnia indígena”, disse Salomão. “Penso que devemos, em algumas situações, avançar. É o nosso papel. Esse é um caso onde não consigo vislumbrar nenhum prejuízo para a segurança jurídica.”
Para ele, o direito à identidade étnico-cultural das pessoas indígenas não pode ser limitado por uma ótica registral que lhes negue a possibilidade de usar o nome que verdadeiramente reflita sua autoafirmação, inclusive porque o caso não traz nenhum aspecto patrimonial.
Nem índia ela é
Para o ministro Raul Araújo, no entanto, a autora da ação não pode ser considerada indígena. “Ela deseja ser indígena, mas não é.” Em sua análise, o processo não traz comprovação de sua origem. Em vez disso, trata de um desejo surgido por razões voluntárias.
Assim sendo, ele concluiu que o caso de Solange Souza Reis não se amolda às normas que tutelam direito da pessoa comprovadamente indígena, integrada ou não, de autodeterminação. E também não encontra previsão na lei, pois trata-se de substituição total e completa do nome e dos sobrenomes.
Ele destacou ainda que sequer há precedentes no STJ autorizando tamanha alteração. E deu como exemplo o recente caso em que a 4ª Turma vetou a mudança do sobrenome do artista plástico Romero Brito — cujo registro traz o sobrenome com apenas uma letra “t”, mas que assina suas obras como Romero Britto, com dois “ts”.
“O pleito não tem amparo legal. As hipóteses que se relacionam com o princípio da definitividade do nome, elencadas na Lei de Registros Públicos, não contemplam a possibilidade de exclusão total dos patronímicos materno e paterno, com substituição por outros de livre escolha e criação do titular”, resumiu Araújo.
REsp 1.927.090
Fonte: ConJur