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ConJur – Artigo: Sucessão e inventário no agronegócio: reflexos e peculiaridades – Por Heráclito Higor Bezerra Barros Noé
O falecimento de um familiar é sempre um momento de grande desafio para toda e qualquer família, pois, além do luto, há uma série de reflexos dele decorrentes.
Se em qualquer situação sofremos impactos diretos e indiretos com o falecimento de um membro da família, muito mais reflexos temos quando estamos diante do falecimento de um produtor rural, tendo em vista que nessa atividade, na imensa maioria dos casos, o negócio é conduzido por grupos familiares e a ausência de um membro poderá impactar de tal forma que dificulte ou até mesmo impossibilite a continuidade da operação.
Apesar de ser um momento complexo para a família, alguns procedimentos devem ser realizados justamente para que não haja a interrupção indesejada do negócio que até então vinha sendo o responsável pela provisão de toda a família.
Pensando nisso e na necessidade de aclarar o que deve ser feito nesses momentos é que teceremos alguns comentários esclarecendo quais procedimentos devem ser realizados pelos herdeiros em caso de falecimento dos seus pais.
Primeiramente, cabe à família solicitar e receber a declaração de óbito fornecida pelo hospital ou atestado de óbito fornecido pela Secretaria de Saúde ou Instituto de Medicina Legal, quando o óbito ocorrer fora do ambiente hospitalar.
Juntamente com o sepultamento ou cremação, é importante providenciar o restante da documentação necessária para o registro do óbito do falecido, realizado perante o cartório de registro civil das pessoas naturais do local onde ocorreu o falecimento.
Nesse caso deverá a família apresentar a declaração de óbito, guia de sepultamento e demais documentos solicitados para que haja a emissão da certidão de óbito, documento necessário para todos os trâmites seguintes. No momento em que o óbito é registrado em cartório, haverá comunicação automática a Receita Federal, Secretaria de Segurança Pública e inclusive o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Lembramos que caso o cartório do local não possua a comunicação automática com o INSS, é dever dos herdeiros realizar essa informação ao órgão previdenciário, que inclusive tem o condão de cessar o pagamento de benefício até então recebido, pois o recebimento indevido após o óbito do beneficiário pode acarretar inclusive responsabilização civil e criminal de quem não comunicou o falecimento com a finalidade de continuar recebendo o benefício em nome do de cujus.
Uma vez registrado o óbito, terá início o procedimento sucessório. Mas o que vem a ser exatamente esse procedimento sucessório? O que significa o termo inventário?
Procedimento sucessório vem a ser todo o procedimento que envolve a transferência do patrimônio do falecido para os seus herdeiros. Por exemplo, é através dos atos sucessórios que os filhos recebem os bens deixados pelos pais falecidos, tudo isso dentro de um processo (que pode ser judicial ou extrajudicial) conhecido como inventário ou partilha de bens.
No processo de inventário, será realizado o levantamento do ativo e do passivo do de cujus, ou seja, relacionam-se todos os bens móveis e imóveis, saldos bancários, aplicações financeiras, enfim, todos os ativos em nome do familiar que faleceu, bem como suas dívidas.
Após esse levantamento, os bens serão avaliados e relacionados para na sequência serem utilizados primeiramente para pagar o passivo por ventura existente em nome do autor da herança. Lembramos sempre que os herdeiros não herdam dívidas e, com isso, apenas o patrimônio do falecido irá responder pelo seu passivo. Assim, após o pagamento do passivo é que o bens remanescentes serão partilhados entre os herdeiros.
Como dito anteriormente, o inventário pode ser um processo judicial ou extrajudicial. O procedimento extrajudicial, apesar de mais célere e, por isso, mais interessante, só poderá ser realizado quando todos os herdeiros forem maiores, capazes e estiverem de acordo, devendo em qualquer dos casos haver obrigatoriamente a participação de advogado, segundo determinação legal.
A participação de um advogado com conhecimento em Direito Sucessório é de suma importância, pois num momento tão difícil para toda a família o auxílio desse profissional poderá significar a redução de problemas e menor desgaste para todos os envolvidos, bem como a adoção das melhores soluções jurídicas para cada caso.
Em qualquer dos procedimentos escolhidos há um prazo legal a ser obedecido para início do processo, qual seja, 60 dias após o óbito. Caso os herdeiros não observem o referido prazo poderá haver a incidência de multas e penalidades.
Desde que preenchidos os requisitos legais, na maioria dos casos o procedimento extrajudicial acaba sendo o mais vantajoso, pois ocorre em cartório, de forma muito mais célere, com uma média de 90 dias de duração.
Já os processos de inventário judicial, por diversos fatores, entre eles a ausência de consenso e inúmeros prazos e recursos existentes, costumam demorar muitos anos, na maioria das vezes décadas, até serem finalizados, o que é extremamente desgastante e dispendioso para as partes envolvidas. A demora demasiada acarreta problemas patrimoniais e até mesmo familiares, muitas vezes provocando desavenças e colocando em risco a continuidade do negócio da família.
Maior importância ainda tem o inventário quando o falecido era o proprietário dos imóveis rurais e exercia a atividade que gerava o sustento do grupo familiar, tendo em vista que, após o seu falecimento, poderá haver a inviabilização da continuidade da produção agrícola, caso não sejam tomadas as providências jurídicas necessárias.
Um exemplo disso encontramos diariamente nas operações de custeio e investimento. Na maioria dos casos, os produtores rurais realizam operação de credito rural junto a instituições financeiras, operações de Barter com distribuidoras de insumos e trading’s, para com isso terem implementos e insumos suficientes para continuidade da sua produção.
Ocorre que, para realizar tais operações, os credores exigem garantias, sendo as mais comuns as hipotecárias. Esse tipo de garantia, quando recai sobre imóvel rural ou sobre a produção agrícola, exige, por exemplo, a averbação da hipoteca junto à matrícula do imóvel rural onde a atividade é desenvolvida. Temos aqui o principal desafio: se o imóvel estava em nome da pessoa falecida, como poderão os herdeiros oferecer o imóvel e a produção nele existente se não são ainda os legítimos proprietários? Se não desejarem mais realizar diretamente a operação e, sim, arrendar as terras, como poderão validamente dispor do patrimônio, já que ainda perante o registro de imóveis não são os donos das terras?
Vemos com o exemplo acima como a continuidade do negócio rural será impactada diretamente e, por isso, patente a necessidade de o inventário ser iniciado com auxílio do advogado que domine o assunto.
A título de exemplo, uma vez iniciado o inventário (judicial ou extrajudicial), haverá a nomeação do inventariante, que será o responsável pelo espólio (conjunto de bens do autor da herança). Com isso, poderá haver requerimento de alvará judicial autorizando os herdeiros a oferecerem em garantia bens do espólio para obtenção de crédito rural, possibilitando a continuidade da operação até que se finalize o inventário, pois o tempo certo para plantar e colher não pode esperar. Até mesmo para que a atividade seja exercida por algum herdeiro ou terceiros de forma válida há a necessidade da formalização de comodato e/ou arrendamento entre o espólio (na pessoa do inventariante) e os comodatários ou arrendatários, pois apenas com tais documentos quem está produzindo conseguirá obter inscrição estadual e atenderá Às demais determinações legais e fiscais necessárias para comercialização da produção.
Além do exemplo acima, que demonstra a importância do inventário e da assessoria jurídica para continuidade do negócio, temos ainda outro ponto de suma importância: na prática da advocacia sucessória, sabemos que a demora na finalização do inventário e partilha de bens poderá acarretar inúmeros conflitos familiares que, além de atrapalharem o lado negocial, acabam por desestabilizar a harmonia do grupo familiar, gerando conflitos por vezes até maiores e mais complexos do que os problemas exclusivamente financeiros.
Diante de todas essas observações e demais aspectos direta ou indiretamente relacionados com o falecimento de um ente querido, percebemos a extrema necessidade da realização do processo sucessório da forma mais célere e eficiente possível, evitando com isso conflitos familiares e proporcionando ao grupo familiar uma continuidade eficiente e segura do seu negócio.
Fonte: ConJur