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ConJur – Artigo: STF e a votação da constitucionalidade da cobrança antecipada do ITBI – Por Wesley Cesar Gomes Costa
Em março de 2022 o PSDB ajuizou no Supremo Tribunal Federal a ADI 7.086 pleiteando o reconhecimento da incompatibilidade da cobrança antecipada do Imposto Sobre Transmissão de Bens eImóveis (ITBI) com a Constituição Federal e após três meses da instauração, o plenário iniciou o julgamento do tema.
Segundo o partido, o foco da ação são os artigos 1º, parágrafo 2º, da Lei 7.433/1985, 289 da Lei 6.015/1973 e 30, inciso XI, da Lei 8.935/1994. Tais dispositivos impõem aos notários e aos oficiais de registros que exijam o recolhimento do imposto, previsto no artigo 156, inciso II, da Constituição para a lavratura de atos notariais ou registrais relacionados à transmissão de propriedade imóvel.
Contudo, antes de tratar sobre os detalhes da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta, é importante contextualizar sobre este tributo tão pouco discutido, mas muito exigido.
A Constituição Federal de 1988 atribui competência aos Municípios para instituir determinados impostos, dentre eles, o ITBI. O tributo é imprescindível mesmo na compra de um imóvel não construído, ou seja, na planta. Se o imposto não for recolhido, não é possível efetuar a transmissão da propriedade do imóvel, o que impede a liberação da documentação. Agora, se a aquisição do imóvel ocorrer por meio de herança ou doação, o tributo incidente é o Imposto sobre Transmissão de Causa Mortis e Doação (ITCMD) de competência estadual.
O cálculo do ITBI é feito por porcentagem, podendo variar de acordo com a legislação municipal. Em São Paulo, por exemplo, é cobrado 3% do valor do negócio. Em algumas outras cidades, o ITBI fica perto de 2% do valor do imóvel.
No dia 3 de março deste ano, no julgamento do REsp 1.937.821 (2020/0012079-1) analisado pela primeira seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos, foi decidido que a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel declarado pelo contribuinte e não conforme a base de cálculo do IPTU, que, inclusive, não pode ser utilizada como piso de tributação.
Também foi decidido que o valor declarado pelo contribuinte na transação goza da presunção de que é equivalente ao valor de mercado, e que somente pode ser afastada pelo Fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (artigo 148 do CTN). Dessa forma, o município não pode arbitrar a base de cálculo do imposto com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente.
Esta foi uma decisão relevante e tem levado muitos contribuintes a pleitearem a restituição do imposto, para os casos em que o ITBI tenha sido calculado com base em valor superior ao efetivamente praticado.
Porém, é importante entender que o pedido deve ser feito judicialmente, considerando o fato de que a decisão vincula apenas o Judiciário e isso não exige alteração na forma de cobrança das prefeituras, permitindo assim que a cobrança pelos municípios continue utilizando os valores pré-estabelecidos para o cálculo do imposto.
Caso a decisão se mantenha e transite em julgado, os procedimentos adotados pelos municípios precisarão ser revistos para que reflitam o entendimento fixado pelo STJ, sob pena de ilegalidade da exigência de ITBI que esteja em desconformidade com a decisão da Corte.
O PSDB declara na ação a possibilidade da inconstitucionalidade da cobrança antecipada do ITBI para registro de transmissão da propriedade e aponta como objeto da ação dispositivos legais que impõem a notários e registradores de imóveis a comprovação do recolhimento do imposto no ato da lavratura de atos notariais ou registrais relacionados à transmissão e propriedade imóvel.
Em resumo, a exigência é imposta por diversos cartórios de notas e ofícios de registros de imóveis em todo o país, de que seja comprovado o recolhimento do ITBI como condição prévia, ou à lavratura de escritura pública de compra e venda de imóvel (ou qualquer espécie de transmissão) ou ao registro de tais operações na matrícula do imóvel.
Na ação, o partido sustentou que o STF, no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo 1.294.969 (ARE), sob a sistemática da repercussão geral (Tema 1.124), declarou inconstitucional a cobrança de ITBI sobre situação que não constitui a efetiva transferência da propriedade imobiliária, a qual se dá somente mediante registro em cartório.
Ou seja, o ITBI só seria devido após o registro da transmissão da propriedade no cartório de registro de imóveis. Afinal, antes da realização do registro não existe qualquer transmissão de propriedade (incorrência do fato gerador), desse modo, não haveria que se falar em cobrança de imposto que incide apenas sobre transmissão se ainda não ocorreu.
Apesar disso, diversos cartórios no país continuaram exigindo a apresentação de comprovante de pagamento do imposto como condição para a realização do respectivo registro e dessa forma a cobrança seria ilegal e prejudicial aos vendedores de imóveis, vez que o ITBI pode ser cobrado de qualquer das partes envolvidas na transação, dependendo da legislação municipal.
Quando o ITBI é cobrado do comprador, que é o cenário majoritário, é muito comum a situação na qual o comprador não realiza o registro da transação porque não deseja recolher o ITBI. Em casos como esses, o vendedor, por exemplo, fica responsável pelo recolhimento do IPTU e frequentemente sofre execuções fiscais, ficando impossibilitado de resolver o problema, porque não consegue registrar a alienação do imóvel sem pagar o imposto que é de responsabilidade do comprador. E a situação se torna ainda pior quando o comprador também deixa de pagar o IPTU, por saber que o imóvel não está registrado em seu nome e que não sofrerá ação do Estado.
Assim, o vendedor acaba obrigado a pagar o ITBI devido pelo comprador, e o IPTU de um imóvel que já não lhe pertence mais, isso sem contar os encargos legais pelo pagamento em atraso. Além dos emolumentos de cartórios, sem qualquer obrigação legal. Diante disso, o partido pede a proibição dos cartórios de notas e ofícios de registro de imóveis de exigirem o pagamento do imposto como condição prática de atos notariais e registrais. A Procuradoria Geral da República (PGR), evidentemente, defende que a cobrança antecipada é constitucional.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, entende que o Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência pacífica sobre o tema: “exatamente porque o fato gerador do imposto somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro“. A questão apontada pelo PSDB na ADI é distinta, uma vez que ao chegar ao cartório, a transmissão inter vivos, por ato oneroso, de bem imóvel, já foi iniciada e exige o pagamento do imposto. Acrescenta que “uma coisa é exigir o pagamento do ITBI numa fase preliminar do próprio processo de registro do contrato de compra e venda do imóvel e outra, completamente diferente, é a exigência do tributo a partir da formalização de negócios jurídicos diversos“, observa Aras.
Adicionalmente, segundo o procurador-geral, a cobrança prévia do imposto segue os requisitos constitucionais para a antecipação tributária. Defende que o artigo 150, §7º, da CF determina que a lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente.
Aras defende que a própria constituição garante a restituição do valor pago, caso o fato que originou o tributo — no caso, a transferência de propriedade — não seja concretizado.
Há também manifestação da Advocacia-Geral da União (AGU) pela improcedência do pedido, sustentando que “a apresentação do documento comprobatório do pagamento do imposto, para registro no ato notarial, configura mera garantia de que as obrigações tributárias sejam adimplidas“, ressaltando que, “no atual e acelerado avanço das tecnologias ofertadas pelos bancos aos contribuintes, o referido recolhimento poderá ocorrer até mesmo no ato da transferência efetiva da propriedade, na presença do notário ou oficial de registro“.
Ao iniciar o julgamento, a relatora ministra Rosa Weber entendeu pela impossibilidade de conhecimento da ação, uma vez que não foi impugnado todo o complexo normativo. Para a relatora, é firme a linha decisória do STF no sentido de que a ausência de impugnação da integralidade do complexo normativo torna o provimento judicial pretendido ineficaz e, por isso mesmo, destituído de utilidade, de modo a afastar a indispensável caracterização do interesse de agir.
Weber entende que há uma verdadeira simbiose normativa entre as normas concernentes ao dever dos notários e registradores de fiscalizar o recolhimento dos tributos e a sua responsabilização pelo pagamento desses mesmos tributos, se não efetuado pelo contribuinte a tempo e modo.
Até o presente momento, os ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Roberto Barroso e Edson Fachin acompanham a relatora.
Certamente é um tema muito relevante, pensando nos argumentos sustentados pelo partido. Do ponto de vista operacional, o PSDB tenta resolver um problema encarado pelos vendedores dos imóveis que não são responsáveis pelo pagamento do ITBI.
Agora, espera-se que os demais ministros se manifestem sobre o tema, pois este é mais um dos que demonstram como o país sofre com a insegurança jurídica.
Fato é que, se há uma inadimplência do responsável pelo pagamento do tributo, a outra parte tem total direito de recorrer ao poder judiciário para pedir que o pagamento seja realizado.
*Wesley Cesar Gomes Costa é advogado constitucionalista com atuação nas áreas eleitoral, municipal e criminal.
Fonte: ConJur