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ConJur – Artigo: Retificação administrativa e a luta contra a aquisição indevida de propriedade – Por Arthur Gabriel Ramos Barata Lima

08-11-2022

Consoante preceitua o artigo 1.245 do Código Civil, dar-se-á a transferência da propriedade imóvel, entre vivos, através do registro do título de transferência no registro de imóveis.

Conforme se extrai dessa norma, todo imóvel, para ser transferido à titularidade de outrem, deverá passar pelo procedimento de registro de imóvel, que representa o ato formal realizado no cartório de registro de imóveis onde o bem está localizado, através do qual se oficializa a transferência ao atual titular ou novo adquirente (artigo 169, da Lei nº 6.015/1973).

Dessa forma, é através do citado registro que se faz constar/registrar no livro cartorário, na folha onde consta a matrícula do imóvel, a nova situação do referido bem.

No mais, devido às constantes alterações feitas na matrícula, durante o tempo de existência do bem, sejam elas: doações, vendas, inventários, dentre outros, nasce a denominada cadeia sucessória, isto é, a constatação de todos os atos registráveis (artigos 167 e 221, da Lei nº 6.015/73) realizados desde a origem até o momento atual da propriedade.

Por outro lado, a averbação consiste no ato de anotar um fato jurídico, posterior ao registro, que modifica ou cancela o conteúdo desse. Essa anotação é realizada à margem direita do registro, já apropriada para este fim (artigo 169, I, da Lei n.º 6.015/73).

Contudo, como o registro e a averbação são condutas de natureza humana, e passíveis de falhas e vicissitudes, o legislador pátrio entendeu, por bem, criar um mecanismo de combate ágil para tais situações, qual seja a possibilidade de revisão destes atos, através da retificação no registro de imóveis.

À vista disso, o Código Civil aduz, no artigo 1.247, a possibilidade do interessado reclamar a retificação ou anulação do registro, caso o teor deste não exprima verdade.

Retificação no Registro de Imóveis

À luz do Código Civil e após alterações pela Lei nº 10.931/2004, a Lei nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos ou LRP) disciplina o procedimento de retificação no Registro de Imóveis nos seguintes termos:

“Art. 212. Se o registro ou a averbação for omissa, imprecisa ou não exprimir a verdade, a retificação será feita pelo Oficial do Registro de Imóveis competente, a requerimento do interessado, por meio do procedimento administrativo previsto no art. 213, facultado ao interessado requerer a retificação por meio de procedimento judicial.

Parágrafo único. A opção pelo procedimento administrativo previsto no art. 213 não exclui a prestação jurisdicional, a requerimento da parte prejudicada.”

Infere-se do artigo supracitado que a retificação do registro ou da averbação pode ser realizada de duas maneiras, sendo elas: 1) retificação administrativa; 2) retificação judicial. Isso porque, após alteração da Lei de Registros Públicos, o que antes era exclusivo da esfera judicial, passou a ser legalmente admitido que os Oficiais dos Cartórios de Registro de Imóveis realizem determinadas alterações nos registros e nas averbações.

Além disso, segundo o artigo 213 da LRP, o oficial cartorário poderá realizar o procedimento de ofício ou a requerimento do interessado nos seguintes casos: a) omissão ou erro cometido na transposição de qualquer elemento do título; b) indicação ou atualização de confrontação; c) alteração de denominação de logradouro público, comprovada por documento oficial; d) retificação que vise a indicação de rumos, ângulos de deflexão ou inserção de coordenadas georreferenciadas, em que não haja alteração das medidas perimetrais; e) alteração ou inserção que resulte de mero cálculo matemático feito a partir das medidas perimetrais constantes do registro; f) reprodução de descrição de linha divisória de imóvel confrontante que já tenha sido objeto de retificação; g) inserção ou modificação dos dados de qualificação pessoal das partes, comprovada por documentos oficiais, ou mediante despacho judicial quando houver necessidade de produção de outras provas.

Por outro lado, somente por requerimento do interessado, ocorrerá a retificação administrativa na hipótese de inserção ou alteração de medida perimetral de que resulte, ou não, em modificação de área (artigo 213, II, LRP).

Percebe-se, pois, que o propósito primacial do legislador, ao ampliar a atuação da esfera administrativa, foi trazer maior efetividade e celeridade, bem como reduzir a burocracia para resolução de situações tidas como “simples” no cotidiano cartorário. Situações estas, em que o diminuto grau de complexidade não justificaria o acesso às vias judiciais.

Assim, verificada a existência de quaisquer fatos supramencionados, seja na averbação ou no registro imobiliário, cabe ao oficial do cartório de registro de imóveis competente, mesmo de ofício, realizar a retificação, nos moldes da previsão contida no artigo 212 da Lei 6.015/1973.

Neste diapasão, cumpre salientar, que mesmo podendo o procedimento ser realizado pela via administrativa, inclusive de ofício, resta facultado à parte interessada, seja “beneficiado” ou “prejudicado”, quando houver, a utilização de requerimento na esfera judicial, para realizar o direito ou coibir possível dano.

Requisito para o pedido

O requerimento de retificação, quando realizado, deverá observar os requisitos do artigo 225, isto é, à indicação, com precisão, das características, das confrontações e das localizações dos imóveis, mencionando os nomes dos confrontantes e, ainda, quando se tratar só de terreno, indicar se esse fica do lado par ou ímpar do logradouro, em que quadra e a que distância métrica da edificação ou da esquina mais próxima, exigindo dos interessados certidão do registro imobiliário.

Aliás, o supramencionado artigo determina também:

“§ 1º. As mesmas minúcias, com relação à caracterização do imóvel, devem constar dos instrumentos particulares apresentados em cartório para registro.

§ 2º. Consideram-se irregulares, para efeito de matrícula, os títulos nos quais a caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior.

§ 3º. Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica — ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo Incra, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.”

Ademais, optado o procedimento judicial, a ação judicial deve ser ajuizada perante o foro do local onde se acha o bem. Contudo, caso o interessado escolha a esfera extrajudicial, o pedido será formulado ao oficial do Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição do imóvel.

No mais, além do requerimento com firma reconhecida, para realizar o pedido, o interessado precisa apresentar documentos comprobatórios conforme a hipótese pretendida (vide art. 213, I, da Lei nº 6.015).

Finalmente, é importante esclarecer quem pode ser considerado interessado para requerer a retificação, a respeito disso, o renomado doutrinador Carlos Roberto Gonçalves ensina:

“Têm legitimidade para pleitear a retificação de registro imobiliário não só o titular do direito real ali lançado, senão também qualquer interessado, como, por exemplo, o titular de direito real imobiliário impedido de ter acesso ao Registro Público em razão de erro, falha ou omissão do registro anterior, a ser retificado.”

Tramitação cartorária

Por conseguinte, após instruído o pedido nos moldes do artigo 225 da Lei de Registro de Imóveis, deverá o oficial de registro proceder com o procedimento de retificação com base no artigo 213, parágrafos 1º e seguintes, da Lei nº 6.015/1973, in verbis:

§ 1º. Uma vez atendidos os requisitos de que trata o caput do art. 225, o oficial averbará a retificação.

§ 2º. Se a planta não contiver a assinatura de algum confrontante, este será notificado pelo Oficial de Registro de Imóveis competente, a requerimento do interessado, para se manifestar em quinze dias, promovendo-se a notificação pessoalmente ou pelo correio, com aviso de recebimento, ou, ainda, por solicitação do Oficial de Registro de Imóveis, pelo Oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la.

§ 3º. A notificação será dirigida ao endereço do confrontante constante do Registro de Imóveis, podendo ser dirigida ao próprio imóvel contíguo ou àquele fornecido pelo requerente; não sendo encontrado o confrontante ou estando em lugar incerto e não sabido, tal fato será certificado pelo oficial encarregado da diligência, promovendo-se a notificação do confrontante mediante edital, com o mesmo prazo fixado no § 2º, publicado por duas vezes em jornal local de grande circulação.

§ 4º. Presumir-se-á a anuência do confrontante que deixar de apresentar impugnação no prazo da notificação.

§ 5º. Findo o prazo sem impugnação, o oficial averbará a retificação requerida; se houver impugnação fundamentada por parte de algum confrontante, o oficial intimará o requerente e o profissional que houver assinado a planta e o memorial a fim de que, no prazo de cinco dias, se manifestem sobre a impugnação.

§ 6º. Havendo impugnação e se as partes não tiverem formalizado transação amigável para solucioná-la, o oficial remeterá o processo ao juiz competente, que decidirá de plano ou após instrução sumária, salvo se a controvérsia versar sobre o direito de propriedade de alguma das partes, hipótese em que remeterá o interessado para as vias ordinárias.

§ 7º. Pelo mesmo procedimento previsto neste artigo poderão ser apurados os remanescentes de áreas parcialmente alienadas, caso em que serão considerados como confrontantes tão-somente os confinantes das áreas remanescentes.

§ 8º. As áreas públicas poderão ser demarcadas ou ter seus registros retificados pelo mesmo procedimento previsto neste artigo, desde que constem do registro ou sejam logradouros devidamente averbados.

§ 9º. Independentemente de retificação, dois ou mais confrontantes poderão, por meio de escritura pública, alterar ou estabelecer as divisas entre si e, se houver transferência de área, com o recolhimento do devido imposto de transmissão e desde que preservadas, se rural o imóvel, a fração mínima de parcelamento e, quando urbano, a legislação urbanística.

Retificação para aumentar a extensão de área

São frequentes os casos em que “sobras” de parcelas de terras tornam-se objeto de pedido de retificação de registro de imóveis visando incorporá-la a matrícula de imóvel já existente.

O fundamento muitas vezes utilizado diz respeito à previsão contida no artigo 213, II, da Lei nº 6.015/73, que admite a retificação no caso de inserção ou alteração de medida perimetral de que resulte, ou não, alteração de área.

Nesta esteira, entende-se a retificação de área como o procedimento utilizado para adequar a descrição do imóvel anotada no texto do registro de imóveis com a realidade do terreno, considerando as áreas públicas e os limites dos imóveis confrontantes. Sendo assim, a retificação de área promove a correção da descrição do terreno no documento registral, sem, contudo, corrigir o imóvel em si.

Em síntese, o objetivo desse procedimento é garantir a uniformidade entre a verdade dos fatos, não apenas os dados que constam no título, e os elementos consignados no registro.

Outrossim, a retificação de área tem a finalidade de comprovar que o imóvel sempre teve aquelas medidas pleiteadas e que, na verdade, ocorreu um erro ao registrá-lo.

Assim, sendo evidente a inconsistência na descrição posta no registro imobiliário, é imprescindível a retificação das medidas da propriedade imobiliária, com respeito aos limites tabulares e aos direitos dos confrontantes.

Entretanto, verifica-se que o direito de requerer a conformidade entre à descrição do imóvel e a realidade do terreno não habilita que o procedimento de retificação seja utilizado para expandir a dimensão da propriedade.

Para Narciso Orlandi Neto, por exemplo, a lei admite modificações na descrição das divisas ou na área, quando são respeitadas as divisas enunciadas no registro. Todavia, se o interesse é ultrapassar essas divisas verdadeiras, não há pedido de retificação do registro, e sim, uma tentativa de adquirir o domínio por método não previsto na lei.

Logo, a retificação não é o meio hábil para alterar as medidas do imóvel, pois, não se retifica o imóvel, mas sua descrição, salvo se for provado que a propriedade sempre teve aquela área e que a falha está no dado registrado.

O problema, nesse ponto, emerge sob o imo da ausência no estabelecimento de limites de extensão que podem ser objeto de pedido de retificação de área.

Isto porque a Lei de Registros Públicos não estabelece e/ou fixa percentuais máximos para aumento ou diminuição na dimensão das áreas a serem “incorporadas”.

Neste diapasão, cumpre salientar, nas sábias palavras do professor Arnaldo Rizzardo, que as situações do artigo 213 envolvem a retificação, de modo a se buscar a alteração de elementos do registro, não podendo constituir em um modo de aquisição da propriedade imóvel, cujas previsões se encontravam regradas no Capítulo II do Título III, do Livro III do Código Civil (artigos 1.238 a 1.259).

Ocorre que, como não há limitação legal, não há de se falar em limite dimensional, de modo que deve ser observado, para harmonização da aplicação legal com o princípio da especialidade, os parâmetros estabelecidos pela jurisprudência e doutrina que leva a uma interpretação com bom senso.

Acerca da retificação que visa expandir a área, orienta o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que:

“RECURSO ESPECIAL. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE IMÓVEL. ART. 213 DA LEI N. 6.015/73. PRETENSÃO DE AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE. IMPOSSIBILIDADE.

1. A Lei de Registros Públicos busca dar plena validade, eficácia e segurança aos registros, visando, sobretudo, proteger o interesse dos legítimos proprietários e de terceiros.

2. Não serve o procedimento de retificação constante da Lei de Registros Públicos como forma de aquisição ou aumento de propriedade imobiliária, pois destinado apenas à correção dos assentos existentes no registro de imóveis, considerando-se a situação fática do bem.

3. Recurso especial desprovido.” (REsp nº 1.228.288/RS, relator Ministro João Otávio de Noronha, 3ª Turma, julgado em 3/3/2016, DJe de 10/3/2016)

Destarte, é inconteste que a área da propriedade imobiliária será somente corrigida, caso haja incongruência em relação àquela que constar no registro. Não sendo esse, portanto, o procedimento adequado para incorporação de nova área de modo que sejam ultrapassados os limites do imóvel originário.

Por último, visto que a retificação não serve como medida adequada para aquisição ou aumento das medidas do imóvel, na hipótese do interessado desejar expandir a área, caso preencha os requisitos legais, pode optar por obter a propriedade através da formalização da aquisição derivada (por registro do título) ou por aquisição originária (usucapião, acessão natural).

Conclusão

Em face às considerações aduzidas, resta induvidoso que o registro imobiliário deve refletir a verdade sobre o imóvel. Por essa razão, quando há a anotação de alguma informação incorreta no registro ou na averbação, esta deve ser corrigida por meio do procedimento de retificação, seja via judicial ou extrajudicial.

No entanto, ao tratar-se de retificação de área, é necessário haver um certo cuidado, isto porque, embora seja autorizada a correção da descrição das medidas do imóvel, de modo a se adequar a situação fática do bem, a jurisprudência e a doutrina defende que não é admitida a retificação extratabular, ou seja, com acréscimo da área não titulada.

No mais, apesar de o legislador não ter limitado a quantidade de área a ser retificada, é preciso respeitar os limites tabulares e os direitos dos confrontantes, com o intento de não prejudicar a terceiros ou ocorrer a aquisição de propriedade de forma ilegal.

Finalmente, conquanto a retificação para a aquisição de “sobras” de parcelas de terras não tenha respaldo no ordenamento jurídico nacional, nada impede que o interessado busque adquirir, judicialmente ou por via administrativa, seja por usucapião ou registro de título, a área extramuros do imóvel.

*Arthur Gabriel Ramos Barata Lima é advogado, sócio do escritório Arthur Ramos Sociedade de Advocacia, membro do escritório Ramos e Barata Advogados Associados ex-assessor técnico da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Pesca e Aquicultura do Estado da Bahia (Seagri), MBA em Direito Executivo Empresarial pela FGV-RJ e LLM em recursos nos Tribunais Superiores pelo IDP-BSB.

Fonte: ConJur