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ConJur – Artigo: Responsabilidade trabalhista em serventias extrajudiciais – Por Daniela Freitas Gentil
Para debater sobre a extensão da responsabilidade trabalhista dos Oficiais Delegados de Serventias Extrajudiciais, faz-se necessário rememorar a história dos ofícios de Notas e Registros no Brasil. Os primeiros registros de documentos no Brasil tiveram início com a posse das terras brasileiras pelo Rei de Portugal em 1500. Na sequência o país foi dividido em capitanias hereditárias, e depois as sesmarias.
Os Registros Imobiliários têm sua origem com a criação da Lei da Terra, em 1850, enquanto o Registro Civil de Pessoas Naturais era incumbido à Igreja Católica, permanecendo assim até a Constituição Republicana de 1891, quando se deu a separação entre ambos. A partir de então, os registros relacionados à vida civil dos brasileiros ficaram sob responsabilidade estatal. Acerca do notariado, desde a carta de Pero Vaz de Caminha, até hoje, houve pouca mudança.
Para tratarmos de responsabilidade trabalhista dos delegatários precisamos lembrar que: por mais de 500 anos, as Serventias Extrajudiciais foram providas primeiro de forma venal (propriedade que era vendida ou doada) e, na sequência, de forma conhecida popularmente como “hereditária”, formato que ficou estabelecido até a concretização do primeiro Concurso de Outorga de Delegação, no ano 2000. Era comum o uso do vocábulo “sucessão” para tratar da continuidade da prestação do Serviço Notarial e de Registro quando o titular se afastava da Serventia Extrajudicial. Afinal, o próprio Oficial era o responsável por indicar o seu sucessor, geralmente um filho ou parente próximo.
A morosidade para a implantação de Concursos Públicos de Provas e Títulos demonstra a resistência em dar cumprimento ao mandamento que alterou uma instituição de meio século, então denominada “Cartório”. Toda esta introdução se faz necessária para aclarar o quão imaturo é o atual modelo de outorga no Brasil. Principalmente quando comparado a todo o histórico da atividade Notarial e Registral desde o seu surgimento, passando pelas transformações e revoluções mundiais, até chegar aos dias de hoje.
Todo aquele que pleiteia uma vaga de Oficial Titular em Serventia Extrajudicial deve ter a lei 8.935/94 na cabeça. Porém, ao se deparar com a aprovação no certame, o candidato percebe que existem letras mortas na lei em vigor. Os novos oficiais ficam presos aos funcionários escolhidos e contratados pelo antigo titular, inclusive àqueles vinculados ao regime estatutário. Se o novo titular não quiser manter o quadro de funcionários e fazer valer sua prerrogativa garantida pelo artigo 20 da lei 8.935/94, contratando e ajustando salários livremente, ele poderá ser condenado a pagar todas as verbas rescisórias de ex-funcionários que nunca lhe prestaram serviço.
Pesquisei em torno de 50 julgados, tanto dos Tribunais Estaduais de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, quanto dos Tribunais Federais da Justiça Trabalhista, pelos termos “sucessão”, “Serventia extrajudicial”, “estatutário”, “funcionário”, “recepção” e retornaram resultados demonstrando ações ajuizadas por ex-funcionários contra novos titulares que os dispensaram tão logo ocorreu a investidura, mas também alguns que prestaram serviço por muitos anos ao antigo oficial e continuaram por alguns meses prestando serviço ao novo delegatário, até que o vínculo trabalhista fosse cortado.
Em grande parte destas ações, os funcionários obtinham êxito contra os novos oficiais sob a tese da sucessão empresarial e trabalhista, importadas como um Frankstein do Direito Societário e do Trabalho, como se houvesse qualquer analogia entre a atividade das Serventias Extrajudiciais e empresas de verdade. Diante das mais diversas orientações em decisões administrativas e judiciais, algumas Corregedorias Gerais de Justiça já enfrentaram o tema em suas Normas de Serviço, afinal o seu poder de fiscalizar e organizar a atividade Extrajudicial lhes garante o dever/poder de regramento através de seus Códigos de Normas Extrajudiciais. Trata-se de uma forma de pacificar situação causadora de tamanha insegurança jurídica tanto para os funcionários, quanto aos novos delegatários, a cada novo provimento de uma Serventia vaga.
A solução encontrada pela Corregedoria Geral do estado de Goiás foi a exigência aos oficiais que tiverem a delegação extinta em casos de remoção, pedido de aposentadoria voluntária ou renúncia à delegação, que seja feito o acerto trabalhista, comprovando ter dado aviso prévio a todos os funcionários e o pagamento de todas as verbas rescisórias, além da apresentação de diversas certidões. Ou seja, nestas situações, os oficiais são obrigados a quitar as obrigações trabalhistas daqueles funcionários que o serviram durante o seu exercício à frente da Serventia Extrajudicial, afinal a responsabilidade de cada Oficial é pessoal. O mesmo se aplica aos interinos que têm a faculdade de resguardar verba para quitar obrigações trabalhistas referentes ao período da interinidade.
Infelizmente a maioria das Corregedorias Estaduais não enfrentam o tema, normatizando o óbvio, o que causa inúmeras demandas judiciais que se dilatam no tempo. Porém acredito que estamos mais próximos de um apaziguamento com entendimento jurisprudencial, à medida que o STJ já enfrentou o tema da ausência de sucessão entre delegatários.
O ministro Paulo de Tarso Sanseverino (STJ), em julgamento de Recurso Especial em 2020, deixou claro a ausência de sucessão empresarial entre delegatários pela própria natureza da atividade, que é delegada pelo Poder Público. Portanto, seria impossível responsabilizar o novo titular por atos lesivos praticados pelo antecessor, afinal a “responsabilidade pessoal apenas se inicia a partir da delegação, não havendo sucessão empresarial”.
Nesta pesquisa, encontrei muitas sentenças da Justiça do Trabalho que foram favoráveis ao demandante, em detrimento ao novo oficial que o dispensou ou não recepcionou, porém não é o mesmo o entendimento dos Tribunais Superiores do Trabalho, que tem reformado decisões baseadas em sucessão entre delegatários que não recepcionam os funcionários das antigas delegações.
Existem inúmeros julgados em que novos delegatários se viram envoltos em cobrança de dívidas trabalhistas milionárias. Se por um lado o funcionário é hipossuficiente na relação jurídica, o fato é que o novo oficial, este que recebe a Delegação do Poder Público, sequer é parte da relação jurídica findada com a extinção da delegação anterior. Com isso, conclui-se todas as relações existentes entre o Oficial e a Serventia Extrajudicial, porém a responsabilidade sendo pessoal deve persegui-lo.
Diante das premissas levantadas e do atual Entendimento pacificado pelo STJ, além das jurisprudências estudadas, no sentido de que não existe Sucessão Trabalhista entre delegatários, é o antigo oficial, ou o seu espólio, quem deve responder por dívidas trabalhistas oriundas de período passado, ou mesmo o Estado, detentor do Poder Delegado.
*Daniela Freitas Gentil é advogada especialista em serventia extrajudicial.
Fonte: ConJur