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ConJur – Artigo: O Direito Processual Civil na extinção dos contratos de locação – Por Rodrigo Elian Sanchez e Vitória Pedroso Silva
A lei de locações urbanas (Lei 8.245/91) é diploma legal complexo e que enfeixa tanto regras de direito material como de processual. No que se refere ao direito material, a lei de locações regula os direitos e obrigações dos locadores e locatários. No aspecto processual, determina o procedimento pelo qual o locador poderá retomar a posse do imóvel (ação de despejo), bem como regula a ação de consignação de aluguéis e, ainda, prevê a ação revisional e a ação renovatória, a primeira voltada a reajustar o valor da locação e a segunda voltada a proteger o ponto comercial, no caso da locação comercial.
Por outro lado, a lei de locações segue as regras gerais contidas no código civil no que se refere às hipóteses para o término da relação contratual. Tal extinção pode se dar de algumas formas, como por meio da rescisão contratual, da resolução contratual ou da resilição contratual.
Em breve síntese, a resolução é a extinção do vínculo contratual por fato não imputável ao devedor (e.g. força maior); já a rescisão é a extinção do vínculo contratual por falta imputável ao devedor, i.e., inadimplemento contratual; e, por fim a resilição é a extinção do contrato por vontade das partes, seja bilateral (distrato) ou unilateral (denúncia).
Nos contratos de locação, as formas mais comuns do término dos contratos são: a) rescisão contratual (i.e.: despejo por falta de pagamento), e, b) através de resilição, seja na modalidade bilateral (ou seja, quando há consenso para desfazer o contrato) ou unilateral.
Na locação comercial, a resilição pode ser sempre exercida, tanto pelo locador, como pelo locatário, mediante comunicado com trinta dias de antecedência, se o contrato estiver em vigência por prazo indeterminado. Já na locação residencial, a regra geral é que o locador apenas poderá denunciar o contrato se a locação tiver sido formalizada por escrito, com prazo igual ou superior a 30 meses (artigo 46, da Lei de locações) e que referido contrato tenha entrado em vigência por prazo indeterminado.
No caso de o contrato estar em vigência por prazo determinado, a regra é que o locador não poderá reaver o imóvel antes do prazo final da locação (artigo 4° da Lei de locações). Já o locatário, poderá denunciar a locação, mesmo estando em vigência por prazo determinado, pagando a multa, proporcional ao período de descumprimento do contrato. A exceção é o contrato built to suit em que o locatário não poderá denunciar a locação (artigo 54-A da lei de locações urbanas).
Por outro lado, é importante destacar que a lei de locações contém regras cogentes, sendo diploma legal rígido, que não somente limita o exercício da autonomia da vontade das partes, com o intuito de proteger o locatário, como também, sanciona com pena de nulidade as cláusulas de contrato de locação que visem a elidir as garantias previstas em referido diploma legal; notadamente as que visem inviabilizar a prorrogação do contrato residencial por prazo indeterminado, ou que tenham como objetivo negar o direito à ação renovatória, no caso da locação comercial.
No que se refere ao procedimento para o locador retomar a posse do imóvel, destacamos que a lei de locações em seu artigo 5° estabelece que: “seja qual for o fundamento do término da locação, a ação do locador para reaver o imóvel é a de despejo”.
Ao instituir a ação de despejo como o único meio (procedimento) para o locador retomar a posse do imóvel, o legislador desejou submeter ao escrutínio do poder judiciário a legalidade do fundamento alegado pelo locador para pôr fim ao contrato de locação.
Ademais, é evidente que o legislador desejou oportunizar ao locatário a possibilidade para demonstrar que sua permanência no imóvel é legitima e que o contrato de locação não poderia ser encerrado.
Neste sentido, e considerando que no caso de conflito entre locador e locatário, necessariamente o fim da relação locatícia será submetida ao exame judicial, a pesquisa da natureza da sentença proferida na ação de despejo é de extrema relevância, especialmente no que se refere as diligências e cuidados a serem dispensados nos negócios imobiliários, na medida em que o locatário ainda não despejado, poderia ou não remanescer na qualidade de locatário.
A questão que se coloca é se a natureza da sentença de despejo seria declaratória ou constitutiva negativa. No caso de ser declaratória, apenas reconhecerá que o contrato já teve seu término, em razão da ocorrência de uma das hipóteses previstas em lei para o encerramento do contrato de locação: i.e. denúncia vazia. A decisão meramente declaratória pressupõe uma situação de incerteza e tem por objetivo eliminá-la, por meio de uma certificação.
Por outro lado, se a sentença for constitutiva, o término da relação de locação apenas terá ocorrido com sua prolação. As sentenças constitutivas são aquelas que criam ou modificam uma relação jurídica. Diz-se então que elas tanto podem constituir como desconstituir. No primeiro caso, dizem-se constitutivas positivas, neste último, constitutivas negativas.
Por outro lado, e se as sentenças declaratórias têm seus efeitos retroativos, pois apenas reconhecem a existência, inexistência ou modo de ser de uma determinada situação jurídica, as sentenças constitutivas negativas tem efeito ex nunc, ou seja, não retroagem no tempo, já que é através delas que a relação jurídica é modificada.
Ao examinar a natureza da sentença proferida na ação de despejo, Sylvio Capanema de Souza afirma que: “o que busca o autor, na ação de despejo, é dissolver o contrato de locação (…) trata-se, ainda, de uma ação de natureza constitutiva (…) desconstituindo o vínculo contratual.”[1]. E ainda: “Na ação de despejo não se objetiva, propriamente recuperar a posse perdida pelo locador, e sim dissolver o contrato de locação[2]”
No mesmo sentido, a jurisprudência do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo[3], reafirma ter a ação de despejo natureza constitutiva negativa, de modo que o pedido de resolução contratual está inserido dentro do pedido de despejo.
Tais conclusões são da mais alta relevância, pois se o contrato de locação se extingue através da sentença de despejo, o locador que pretende vender imóvel, em que está pendente sentença a ser proferida em ação de despejo, deverá conceder o direito de preferência ao réu, porque este ainda guarda a posição de locatário.
De outra banda, e se tiver suprimido o exercício do direito de preferência, o locatário poderá reclamar do alienante as perdas e danos ou, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência, haver para si o imóvel locado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar do registro do ato no cartório de imóveis, desde que o contrato de locação esteja averbado pelo menos trinta dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel (artigo 33 da Lei de locações).
É também de se destacar, que a sentença proferida na ação de despejo tem eficácia imediata, independente da interposição pelo vencido de recurso de apelação (artigo 58, V, da lei de locações).
Por todo o exposto, se conclui que a natureza da ação de despejo é constitutiva negativa, motivo pelo qual se verifica a necessidade de análise cautelosa de operações imobiliárias, enquanto ainda estiver pendente ação de despejo.
Notas
[1] SOUZA, Sylvio Capanema de. A lei do inquilinato comentada, 8ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 256.
[2] SOUZA, Sylvio Capanema de. A lei do inquilinato comentada, 12ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 53.
[3] TJSP, Apelação cível 1015562-58.2019.8.26.0554, Órgão Julgador 30ª Câmara de Direito Privado, Relatora Des. Maria Lúcia Pizzotti, v.u., data do julgamento 23/06/2020.
TJSP, Apelação Cível 1107572-96.2017.8.26.0100, Órgão Julgador 30ª Câmara de Direito Privado, Relatora Des. Maria Lúcia Pizzotti., v.u., data de julgamento 27/11/2019.
Autores:
Rodrigo Elian Sanchez é advogado, sócio fundador do escritório Rodrigo Elian Sanchez Advogados, especialista em Processo Civil pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) e mestre em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Vitória Pedroso Silva é advogada no escritório Rodrigo Elian Sanchez Advogados e pós-graduanda em Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).
Fonte: ConJur