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ConJur – Artigo: Existe registro de marca para nomeação de empreendimento imobiliário? – Por Daniele de Araujo, Thalita Vani e Bárbara Kameda

15-12-2022

A crescente competitividade do mercado exige dos empreendedores a adoção de minuciosas práticas e estratégias para fechar vendas, oferecendo produtos e serviços de um bom custo-benefício, com algo que os diferencie de seus concorrentes.

Para aqueles que desejam empreender e desenvolver uma marca [1] própria, que agregue valor aos produtos ou serviços, o primeiro passo a ser adotado é realizar uma busca prévia, para então, solicitar o registro desta marca junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), de forma a proteger a identidade e identificação dos produtos ou serviços objeto do seu negócio, tornando o uso destas marcas exclusivo no território nacional em seu ramo de atividade e evitando a usurpação e aproveitamento alheio.

De acordo com a central de estatísticas do INPI, em 2021 foram depositados 386.845 pedidos de registro de marca, demonstrando que, mesmo após a pandemia do Covid-19, a atividade empresarial se mantém crescente, assim como a preocupação dos empreendedores em proteger legalmente sua marca e os investimentos realizados [2].

Quando se fala em marca, é comum a associação a produtos ou serviços presentes no cotidiano, inseridos em grandes segmentos de mercado, como supermercados, lojas de roupas, bancos, serviços de streaming, dentre outros. Porém, atualmente o INPI adota a 11ª Classificação Internacional de Produtos e Serviços de Nice (NCL 11 – 2022), que possui uma lista não exaustiva de produtos e serviços divididos em 45 classes não taxativas [3], nas quais estão incluídas centenas de tipos de produtos e serviços para os quais marcas são registráveis.
Assim, é possível registrar uma marca que visualmente identifique desde itens comuns, como sabonetes ou cervejas, até marcas que identifiquem produtos que a maioria das pessoas não tem conhecimento da existência, como ácido utilizado para conservação de frutas ou grampo para ardósia.

Em se tratando de empreendimentos imobiliários, não há uma regra definida para escolha de sua denominação, cabendo a cada empreendedor escolher o nome do condomínio da forma como melhor lhe aprouver. Por consequência, é comum identificar no mercado imobiliário os mais diversos tipos de nomenclatura para empreendimentos, inclusive nomes repetidos (já utilizados para outros similares), nomes em idioma estrangeiro ou nomes de bairros e pessoas. Neste cenário, levando-se em conta a possibilidade de registro de marca para distinção e conferência de exclusividade a produtos e serviços por elas identificados em determinado segmento de mercado e a busca incessante por produtos e serviços diferenciados e com alto valor agregado, o que ocorre nos casos em que os empreendedores buscam estabelecer um padrão de nomenclatura que possibilite a fácil identificação de sua concepção, de seu produto, de determinadas características? O que ocorre nos casos em que um empreendimento recebe a denominação de um produto ou marca de alto renome ou notoriamente conhecidas? Há vedação legal para a nomeação de um condomínio?

No que tange à NCL 11-2022, inicialmente vale comentar que empreendimentos imobiliários não estão inseridos em nenhuma das classes de produtos ou serviços, corroborando que os empreendimentos imobiliários não seriam efetivos produtos ou serviços.
Por outro lado, empreendimentos imobiliários não se enquadram em nenhuma das hipóteses de sinais não registráveis como marcas elencadas no artigo 124 da Lei 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial ou LPI). Desta forma, a análise da questão deve se pautar no conceito de marca e na hipótese de caracterização do empreendimento como um produto ou serviço, cuja identificação possua exclusividade de uso.

O registro da marca é efetuado de acordo com critérios estabelecidos na LPI e objetiva diferenciar e identificar os sinais distintivos visualmente perceptíveis de um produto ou serviço em seu mercado de atuação. Assim, é possível que produtos e serviços diferentes possuam marcas similares, desde que não seja uma marca de alto renome (definida no artigo 125 da LPI) e que seja demonstrada a improbabilidade de confusão por parte do consumidor em razão de estarem as marcas inseridas em ramos comerciais distintos, aplicando-se o chamado princípio da especialidade.

Ocorre que a identificação de um empreendimento imobiliário, com a atribuição de um nome, vem sendo considerada pela jurisprudência como um ato puro da vida civil que visa unicamente individualizá-lo, não possuindo o viés comercial de produto ou serviço no qual há propriedade industrial a ser protegida como marca. Ainda que se alegue a intenção de comercialização das unidades autônomas dos empreendimentos, fato é que qualquer empreendimento deverá ter a sua denominação individual independentemente da vontade do empreendedor em alienar ou não suas unidades.

E, em que pese a atribuição de nome ao empreendimento seja ato da vida civil e não abarcado pela proteção legal de marcas, é preciso se atentar para a caracterização de concorrência desleal (prevista no artigo 195 da LPI) ou má-fé do empreendedor ao nomear seu empreendimento buscando, propositadamente, fazer proveito da reputação e notoriedade de terceiros. A nomeação de um empreendimento com a inclusão de marca de alto renome no seguimento imobiliário ou a utilização de sinais característicos de empreendimentos de concorrentes de forma a alavancar as vendas, tudo com intenção e potencial de desvio de clientela e levar o consumidor à confusão, pode vir a tais caracterizações. Noutra ponta, a repetição de um nome de um empreendimento não configura, a princípio, qualquer tipo de infração à LPI, ainda que outro empreendedor tenha registrado este mesmo nome como uma marca para identificação de seus produtos e serviços.

A posição dos tribunais corrobora a tese da denominação de empreendimento como mero ato da vida civil com objetivo de individualização, e não comercial. Em julgado recente, o Superior Tribunal de Justiça [4] afastou a infringência a direito de marca por uma incorporadora que utilizou uma marca de alto renome de outro seguimento na denominação de um dos seus empreendimentos, já que a proteção à exclusividade da marca deve atingir apenas o que diz respeito às atividades empresariais.

Em suma, a legislação brasileira é omissa com relação ao registro de marca para nomeação de um empreendimento imobiliário, que não é identificado como sendo um produto ou um serviço. Porém, ao se analisar a definição de escolha da denominação de um empreendimento imobiliário e sua caracterização como um ato civil não comercial, em consonância com a jurisprudência atual, conclui-se que atualmente não há óbice legal à livre atribuição de uma denominação, mesmo que repetida, desde que não haja a intenção de se desviar clientela, induzir o consumidor a erro, dentre outras hipóteses repreensíveis, que puxariam a caracterização de concorrência desleal, má-fé ou outras condutas repreendidas pelo Direito.

Notas

[1] Marca é todo sinal distintivo, visualmente perceptível, que identifica e distingue produtos e serviços, bem como certifica a conformidade dos mesmos com determinadas normas ou especificações técnicas. A marca registrada garante ao seu proprietário o direito de uso exclusivo no território nacional em seu ramo de atividade econômica. Ao mesmo tempo, sua percepção pelo consumidor pode resultar em agregação de valor aos produtos ou serviços.

[2] É importante destacar que o registro no INPI protege a marca em âmbito nacional, não se confundindo com o registro estadual de empresas nas juntas comerciais, o qual objetiva unicamente registrar a atividade comercial exercida.

[3] Por ser um rol não taxativo, ainda que um determinado produto ou serviço não se encaixe em uma das classes, isso não significa que não possa ser objeto de registro.

[4] Superior Tribunal de Justiça. Embargos de divergência em RESP nº 1804960 – SP (2019/0080321-7). Embargante: Natura Cosméticos S/A e Indústria e Comércio de Cosméticos Natura Ltda. Embargado: Rossi Residencial S/A, relator: ministro Raul Araújo. Brasília, 15 jan. 2021. Publicação no DJe/STJ nº 3.119 de 05/04/2021.

Autoras:

Daniele Brandão Gazel de Araujo é sócia do VBD Advogados.

Thalita De Marco Vani é sócia de VBD Advogados.

Bárbara Kameda é advogada do VBD Advogados.

Fonte: ConJur