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ConJur – Artigo: É preciso planejar a herança do patrimônio digital – Por Laura Morganti e Fernanda Figueiredo
É um fator cultural: o brasileiro não tem o hábito do planejamento sucessório. Visto como um tabu, o planejamento sucessório nada mais é que a adoção de estratégia para a transferência do patrimônio de uma pessoa para seus herdeiros da maneira mais eficaz possível, aos menores custos financeiro, tributário e emocional possíveis. Nos últimos tempos, uma nova questão entra nesse cenário: a herança digital.
A transformação do mundo analógico para o digital tem impulsionado um novo olhar do Direito, especialmente do Direito Sucessório, para as situações decorrentes das relações contemporâneas.
O crescimento acelerado dos bens digitais no cotidiano das pessoas tem se tornado uma realidade cada vez mais presente, inexistindo dúvidas quanto à sua importância na vida moderna.
Entretanto, de um modo geral, as pessoas não costumam refletir sobre a continuidade da sua relevância mesmo após a morte de seu titular e a constituição da chamada herança digital.
Mas, afinal, o que é herança digital e quais bens podem integrá-la?
A doutrina considera a herança digital como um conjunto de bens imateriais da pessoa falecida arquivados em espaço virtual, tais como senhas bancárias, perfis em redes sociais, contas de e-mail, contas de streaming, criptomoedas, livros digitais arquivados em nuvem, lojas virtuais, pontuação em programa de milhagem de empresas aéreas ou de fidelização, personagens de jogos online, materiais publicados em mídias virtuais, tais como fotos, textos, áudios, muito desse patrimônio digital, inclusive, com expressivo valor econômico.
Justamente em razão do avanço da vida digital e do crescente número de casos que chegam ao Judiciário envolvendo a herança digital de pessoas falecidas, famosas ou não, cujos pleitos muitas vezes entram em choque com a proteção conferida aos dados pessoais instituídos na legislação atual, o planejamento sucessório tornou-se mais importante do que nunca.
Isso porque, muito embora o direito de herança esteja assegurado pela Constituição Federal e por leis infraconstitucionais — dispondo que, pela sucessão hereditária, transmite-se a universalidade de bens e direitos da pessoa falecida aos seus herdeiros —, ainda não existe regramento específico para tratar da sucessão da herança digital.
Apesar de haver alguns projetos de lei tratando da herança digital em tramitação no Congresso Nacional, a questão ainda não está normatizada. A falta de regulamentação pode criar um verdadeiro embaraço para os familiares do indivíduo falecido, sobretudo em se considerando a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados, em 2020.
Os herdeiros deparam-se, ainda, com regramentos próprios das plataformas digitais, os quais, de uma maneira geral, sequer são lidos pelos usuários, assim como com as diferentes interpretações judiciais dadas pelos tribunais sobre as sucessões envolvendo a herança digital, que muitas vezes experienciam o impasse entre decidir sobre o direito de herança e a proteção à privacidade do falecido.
Há perguntas como: até que ponto se poderia liberar o acesso ao herdeiro? Teria ele direito a acessar todas as mensagens particulares do falecido? A proteção à privacidade se estende ou não à pessoa falecida?
E quando se trata de pessoa falecida que possuía milhares de seguidores, constituindo o seu perfil na rede social um verdadeiro patrimônio digital, com considerável valor comercial agregado, como fica na prática a transferência desse patrimônio para os seus herdeiros? E a continuidade de pagamento pelos acessos aos conteúdos até então produzidos?
Como a lei atual é omissa e ainda não se formou uma orientação jurisprudencial nos tribunais, como solução recomenda-se a utilização dos institutos tradicionais do Direito Sucessório para o enfrentamento dessas situações contemporâneas, tal como ocorre com a sucessão digital.
Nesse sentido, o planejamento sucessório, com a utilização de testamento ou codicilo, a depender da expressão econômica do patrimônio, ou outras formas de manifestação da vontade, revela-se como um importante mecanismo, já que o indivíduo, ainda em vida, vai externar sua vontade de forma clara sobre o destino de seus bens digitais, e, sobretudo, manifestar o seu consentimento com o tratamento de seus dados por terceiros, no caso, os herdeiros, após a sua morte.
Inexistindo manifestação prévia nesse sentido, a questão deverá ser judicializada pelos herdeiros e o Judiciário poderá adotar solução que eventualmente não correspondem àquela que seria a vontade do então titular do patrimônio digital, trazendo insegurança jurídica e muitas vezes perdas financeiras para a família, o que, por mais uma razão, justifica recorrer ao planejamento sucessório.
Autoras:
Laura Beatriz de Souza Morganti é sócia da área Cível e de Resoluções de Conflitos da Innocenti Advogados.
Fernanda Mendonça dos Santos Figueiredo é sócia-consultora da Innocenti Advogados.
Fonte: ConJur