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ConJur – Artigo: Debate sobre extrajudicialização marcou ano do mercado imobiliário – Por Olivar Vitale e Marília Nascimento

28-12-2022

O tema extrajudicialização esteve em voga ao longo de 2022 no âmbito do Direito Imobiliário. A Lei 14.382/22 trouxe diversas alterações legislativas que visam o aprimoramento, desburocratização e desjudicialização do mercado imobiliário. Mais. Neste ano aconteceu a 1ª Jornada de Direito Notarial e Registral promovida pelo Conselho da Justiça Federal (CJF), que aprovou 24 enunciados em um contexto inovador e de cooperação entre os seguimentos de serventias judiciais e extrajudiciais, para ampliação das soluções extrajudiciais.

Nesse contexto é o Projeto de Lei 3.999/2020, em trâmite na Câmara dos Deputados, aprovado em novembro pela Comissão de Defesa do Consumidor em forma de substitutivo, após parecer do relator da comissão.

 O PL 3.999 dispõe sobre o despejo extrajudicial e a consignação extrajudicial de chaves em relações locatícias, em caso de inadimplemento do locatário por falta de pagamento do aluguel.

O texto inicialmente proposto previa um procedimento completo promovido no âmbito do Tabelionato de Notas da comarca do imóvel. A requerimento do locador, instruído com o contrato de locação, prova de tentativa de conciliação, planilha com valores para purgação da mora, caberia ao tabelião lavrar ata notarial, que acompanharia a notificação ao locatário, pelo locador, para purgação da mora no prazo de 30 dias, sob pena de desocupação compulsória.

Havendo a inércia do locatário, resolver-se-ia o contrato de locação e o Tabelião decretaria o despejo compulsório, com a remessa do procedimento ao Judiciário para cumprimento da ordem despejo. Nos termos da proposta, o locatário poderia recorrer à esfera judicial. 

Trata-se de um procedimento simplificado e célere, que desafoga a jurisdição formal, trazendo uma alternativa extrajudicial para a solução de conflitos que atualmente tramitam exclusivamente no Judiciário.

Entretanto, com a aprovação do texto substitutivo proposto pela Comissão de Defesa do Consumidor, o procedimento foi profundamente alterado. 

A partir da nova proposição, o locador requererá ao oficial de registro de títulos e documentos da comarca do imóvel a notificação do locatário, preferencialmente na modalidade pessoal, para purgação da mora ou desocupação do imóvel. Transcorrido o prazo da notificação e verificada a inércia do locatário, o locador deverá requerer ao juiz competente o despejo compulsório do locatário, instruindo seu pedido com o procedimento realizado extrajudicialmente e, facultativamente, ata notarial para comprovação da situação da ocupação do imóvel.

Se na ata notarial constar que o imóvel se encontra desocupado, o juiz deferirá o despejo liminarmente, antes da citação do locatário. Se, contudo, não houver apresentação de ata notarial, o juiz poderá, a seu critério, aguardar o término do prazo de defesa para emitir a ordem de desocupação compulsória do imóvel.

O novo texto está fundamentado sob a ótica da natureza consumerista do contrato firmado entre o proprietário do imóvel e a imobiliária que exerce a administração do bem, assentado em jurisprudência recente, em que a administradora exerce a prestação de um serviço profissional para o proprietário do imóvel, ao atuar como mandatária do locador perante o inquilino, e, equivocadamente, na prestação de um serviço pela imobiliária e administradora, que representaria o proprietário perante o locatário, firmando com este um contrato de adesão, o que ensejaria uma relação de consumo.

Apesar da iniciativa de conferir proteção ao consumidor é evidente a incorreção desse entendimento.

Em primeiro lugar, a recente proposição descaracteriza a lógica da resolução de conflitos extrajudicial. Ela acrescenta etapas para o procedimento de despejo e mantém o sobrecarregamento do Judiciário, eis que o locador deverá ajuizar ação de despejo caso o locatário se mantiver inerte. 

Em segundo lugar, a relação locatícia é firmada entre locador e locatário, independentemente de intermediação de administradora. Não há relação jurídica entre administradora e locatário. Inclusive, pode o locador resolver o contrato com a administradora, mantendo-se vigente o contrato celebrado entre locador e locatário. 

Sob esse aspecto, as relações locatícias são regidas por lei especial, Lei 8.245/91, afastando-se qualquer presunção de existência de relação consumerista.

Em síntese, o PL 3.999/20 tal como inicialmente proposto promoveria o aprimoramento do mecanismo do despejo por inadimplemento do contrato pelo locatário, privilegiando os bons locatários e acarretando benefícios ao mercado imobiliário e à sociedade como um todo. O novo texto, se aprovado pelo Congresso, desvirtua sua concepção original de desjudicialização do procedimento, praticamente tornando-o inútil.

Sob esse prisma, espera-se que em 2023, permanecendo como tendência o aprimoramento, agilidade, eficácia e eficiência de institutos e procedimentos, por meio da extrajudicialização, bem como o desafogamento do Judiciário, os debates acerca do tema sejam ampliados e o texto do PL 3999/20 seja modificado e aprovado para atender o movimento bem-vindo da desjudicialização.

Autores:

Olivar Vitale é advogado, sócio fundador do VBD Advogados, fundador e diretor institucional do Ibradim, membro do Comitê de Gestão da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento de São Paulo (SMUL), membro do Conselho de Gestão da Secretaria da Habitação do Estado de São Paulo, conselheiro jurídico do Secovi-SP e do Sinduscon-SP, diretor da MDDI (Mesa de Debates de Direito Imobiliário), membro do conselho deliberativo do IBDiC (Instituto Brasileiro de Direito da Construção), professor e coordenador da especialização/MBA da Poli-USP, da ESPM-SP, da UniSecovi e de outras entidades de ensino.

Marília Nascimento é advogada associada ao VBD Advogados, com atuação na área de direito imobiliário e membro da comissão de negócios imobiliários do Ibradim. Pós-graduada em Direito Imobiliário Empresarial pela UniSecovi, em Direito Tributário pelo Ibet (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários) e em propriedade intelectual pela ESA (Escola Superior de Advocacia) de São Paulo.

Fonte: ConJur