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ConJur – Artigo: Constitucionalidade dos leilões da alienação fiduciária – Por Alexandre Laizo Clápis
Encontra-se pautado para julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) o Recurso Extraordinário nº 860.631/SP [1], da relatoria do ministro Luiz Fux, que trata da constitucionalidade do procedimento de execução extrajudicial dos créditos garantidos por alienação fiduciária de imóveis, previsto na Lei Federal nº 9.514/1997.
No dia 2 de fevereiro de 2018, o tribunal, por maioria de votos, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada.
Do acórdão sobre a repercussão geral, pode-se depreender que os pontos centrais da discussão circunscrevem-se à alegação de que a execução extrajudicial da alienação fiduciária viola os princípios do devido processo legal, da inafastabilidade da jurisdição, da ampla defesa e do contraditório, pois permite ao fiduciário (credor) executar o contrato e alienar o imóvel que é o objeto da garantia real imobiliária sem que haja a participação do Poder Judiciário, o que configuraria uma forma de autotutela.
No cerne da questão está a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade dos leilões públicos extrajudiciais da Lei Federal nº 9.514/1997.
A exposição de motivos da referida lei destaca que se trata de estrutura jurídica capaz de oferecer segurança no que se refere à forma de execução. Assim, minimizaram-se prazos, de modo a instrumentalizar o mercado de poderosa ferramenta capaz de estimular o crédito com rápida recuperação, a produção e a aquisição de imóveis.
Com o inadimplemento do fiduciante (devedor) e a sua constituição em mora, pode o fiduciário consolidar a propriedade e promover os leilões públicos extrajudiciais. Caso o primeiro seja negativo, a lei exige que seja realizado um segundo leilão.
A lei da alienação fiduciária contém um rígido e exaustivo procedimento que o fiduciário deve observar sob pena de invalidar a execução extrajudicial. Em resumo, com o não pagamento da dívida no prazo, o fiduciário não tem alternativa a não ser intimar pessoalmente o fiduciante para purgar a mora, e, caso este permaneça inadimplente, promover os leilões públicos extrajudiciais após a consolidação da propriedade.
Apesar de o procedimento ser manejado fora do Poder Judiciário, é possível concluir que os limites procedimentais são muito bem definidos pela própria lei e pelo contrato, dos quais o fiduciário não pode se afastar.
Durante todo o procedimento de execução extrajudicial, é garantido o direito do fiduciante de discutir, no âmbito do Poder Judiciário, eventuais excessos na atuação do fiduciário. Será possível ao fiduciante, por exemplo, a propositura de ação anulatória de execução extrajudicial para ou impedir liminarmente a alienação do imóvel na fase dos leilões ou discutí-la posteriormente, caso já realizados, na hipótese de descumprimento de formalidades legais e contratuais pelo fiduciário [2].
Ao se analisar a lei da alienação fiduciária, percebe-se que houve apenas um deslocamento do momento em que pode ocorrer a intervenção do Poder Judiciário. Dentro do sistema de execução judicial, o devedor pode exaurir sua defesa antes de sofrer as consequências patrimoniais definitivas para o pagamento da dívida. No procedimento extrajudicial também é garantido ao fiduciante exercer plenamente sua defesa durante todo o procedimento de execução [3], mas, para possibilitar a alienação da propriedade plena nos leilões extrajudiciais, pela estrutura da lei da alienação fiduciária, a consolidação da propriedade no fiduciário retira do fiduciante os direitos que este detinha sobre o imóvel enquanto era adimplente já no início do procedimento de execução.
No procedimento judicial de execução, o receio de lesão ao direito do devedor prevalece em relação ao temor de lesão ao direito do credor. Adia-se a satisfação do crédito, ainda que tido como líquido e certo, para garantir o direito de defesa do devedor, quaisquer que sejam os motivos e os argumentos. O procedimento judicial, entretanto, convoca o devedor para efetuar o pagamento e não para contestar o crédito contido no título executivo. Sua defesa, porém, é garantida em sede de embargos, o que atende aos princípios da ampla defesa e do contraditório.
Na execução extrajudicial, essa ordem é invertida para prevalecer inicialmente a satisfação do crédito, mas sem impedir a defesa do fiduciante de poder alegar irregularidades durante a realização dos procedimentos. Caso seus argumentos sejam admitidos, por exemplo, na ação anulatória de execução extrajudicial, a decisão judicial desconstituirá a alienação feita em leilão para reparar a lesão (ou, ainda, liminarmente a ameaça de lesão) a direitos do fiduciante, além de poder impor, desde que constante do pedido, reparação de danos causados por fraudes de qualquer natureza.
E essa modificação de perspectiva de interesses não acarreta danos irreparáveis às garantias de defesa do fiduciante, pois mantém aberta a via da reparação no âmbito do Poder Judiciário desde a sua notificação para purgação da mora, caso alguma ilegalidade seja cometida pelo fiduciário. Não se atribui ao fiduciário qualquer parcela de jurisdição, mas tão somente uma função administrativa de promover os leilões públicos extrajudiciais nos exatos termos que preveem a lei da alienação fiduciária e o contrato.
Percebe-se que o acesso ao Judiciário está garantido ao fiduciante, não consistindo a propriedade fiduciária imobiliária em autotutela nem afronta aos princípios da ampla defesa ou do contraditório, mas sim em procedimento administrativo com regras de condutas precisas, liderado pelo fiduciário, que deve observar os ritos da lei e os termos do contrato para não causar lesão ou ameaça de lesão aos direitos do fiduciante, sob pena de o Poder Judiciário poder ser acionado pelo prejudicado para que os repare, se o caso.
A execução extrajudicial da alienação fiduciária auxilia no processo de desafogamento do Poder Judiciário, ao qual se reservará a apreciação dos temas de lesão ou de ameaça de lesão aos direitos do fiduciante, por exemplo.
Portanto, por ser possível ao fiduciante acionar o Poder Judiciário desde o momento de sua intimação para purgação da mora e também nas fases de alienação extrajudicial [4] para submeter eventuais irregularidades ao controle jurisdicional, garantindo, assim, o acesso à justiça e a observância dos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, o procedimento de execução extrajudicial da alienação fiduciária não pode ser tido como inconstitucional.
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[1] Em consulta realizada no dia 27 de fevereiro de 2023, no website do STF, o recurso encontra-se conclusos ao relator.
[2] TJSP, Apelação Cível nº 1000003-51.2020.8.26.0546.
[3] TJSP, Apelação Cível nº 1014328-55.2019.8.26.0032.
[4] TJSP, Apelação Cível nº 1000706-97.2019.8.26.0228.
*Alexandre Laizo Clápis é sócio da área de Direito Imobiliário do Stocche, Forbes, Padis, Filizzola e Clápis Advogados.
Fonte: ConJur