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ConJur – Artigo: Considerações sobre as recentes alterações no CPC (Lei nº 14.195/21) – Por Kaio César Pedroso
Entrou em vigor no último dia 26 de agosto a Lei nº 14.195/21, que promoveu inúmeras mudanças no Código de Processo Civil (CPC).
Entre as diversas alterações promovidas na legislação processual civil, destacam-se aquelas relacionadas ao ato citatório “pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual“, nos termos do artigo 238 do CPC.
O objetivo seria incrementar a sua realização por meio eletrônico.
Como bem se sabe, a citação é ato solene que, além de integrar sujeitos à relação processual, constitui requisito de validade do processo, induzindo a litispendência, tornando litigiosa a coisa, constituindo em mora o réu e interrompendo a prescrição.
Ocorre que, antes da reforma, a redação do CPC determinava que, regra geral, a citação dar-se-ia pelo correio, além das hipóteses subsequentes previstas no artigo 246, quais sejam: oficial de Justiça, comparecimento em cartório, edital e meio eletrônico.
Esta última forma, listada no então artigo 246, V, do CPC, indicava o propósito do legislador de aprimorar a citação por meio eletrônico, determinando ainda que empresas públicas e privadas, com exceção das microempresas e das empresas de pequeno porte, deveriam manter cadastro junto aos sistemas de processo em autos eletrônicos para recebimento de citações e intimações.
No Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), o projeto para cadastramento dessas empresas começou em 2020, como o próprio site do tribunal noticiou [1]. Ou seja, pelo que se verifica, apesar da intenção manifestada pelo legislador de fazer uso da tecnologia por ocasião da realização do ato citatório, iniciativas organizadas para a efetivação desse objetivo só começaram a tomar forma cinco anos depois, ao que se verifica, em razão da necessidade de manter distanciamento social em decorrência da pandemia provocada pelo Covid-19.
Assim, diante da premente necessidade de tornar o ato citatório mais moderno e alinhado às novas tecnologias que temos às mãos, a mencionada lei reforma o CPC para determinar que a citação seja feita preferencialmente por meio eletrônico, a partir de um banco de dados mantido pelo Poder Judiciário, regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Entretanto, até a presente data, não há registro da existência deste banco de dados.
Implementado o aludido banco de dados e realizado o cadastro pelo citando, após a determinação da citação, o envio do e-mail deverá ocorrer no prazo de até dois dias úteis. Após esse envio, o citando terá o prazo de três dias úteis para confirmar o recebimento da mensagem.
Caso não o faça, a citação será feita pelos outros meios citatórios tradicionais, quando então o réu, na primeira oportunidade de falar aos autos, deverá apresentar justa causa por não ter respondido o e-mail enviado, sob pena de ato atentatório à dignidade da Justiça, passível de multa de até 5% do valor da causa. Caso confirme o recebimento, contar-se-á o prazo a partir do quinto dia útil subsequente, conforme alteração no artigo 231 do CPC.
Ainda, a legislação reformista disciplina que a citação será efetivada em até 45 dias da propositura da ação. E se não o for? Não há previsão de qualquer consequência. Trata-se, portanto, de prazo impróprio para o juízo.
Por fim, questiona-se se a justa causa apta a justificar a falta de resposta a uma mensagem eletrônica (e-mail), evitando a fixação de multa, poderia se dar por eventual falha de conexão, direcionamento ao spam ou qualquer outro problema tecnológico? Fato é que “justa causa” constitui um conceito jurídico indeterminado, cercado apenas por uma aparência de objetividade. Nesse sentido, a falta de elementos que confiram concretude ao termo que serve como baliza para fixação de multa constitui fonte de incertezas.
Destaca-se ainda que as alterações promovidas pela Lei nº 14.195/21 têm impacto direto no fluxo da tramitação dos procedimentos de cunho executório, diminuindo substancialmente o tempo para que o credor localize o devedor e/ou seus bens.
Assim, de forma pontual, o legislador insere a previsão sobre o prazo da prescrição intercorrente — o mesmo da prescrição da pretensão — incorporando ao texto da lei o que já previa o Enunciado nº 150 da súmula do STF. Contudo, o foco das alterações promovidas pela Lei nº 14.195/21 é realmente o plano processual, especificamente o artigo 921 do CPC, pois:
a) Inova a redação do inciso III ao prever a suspensão da execução na hipótese de o próprio executado não ser localizado. Além disso, substitui o termo “não possuir bens penhoráveis” por não “localizar” bens penhoráveis;
b) Altera o termo inicial da prescrição intercorrente constante do parágrafo 4º do artigo 921 do CPC, que agora dispõe ser “(…) a ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis, e será suspensa, por uma única vez, pelo prazo máximo previsto no § 1º deste artigo“.
Lembre-se que, pela redação anterior, só depois de um ano de suspensão começava a correr o prazo da prescrição intercorrente. Essa mudança exige mais diligência do credor que agora deverá pesquisar e localizar o devedor e seu patrimônio penhorável antes de iniciar a execução, sob pena de, já na primeira tentativa frustrada, ver correr contra si o prazo prescricional [2].
c) Insere o parágrafo 4º-A, que dispõe sobre a interrupção da prescrição, incidente uma única vez, nas hipóteses de: 1) efetiva citação/intimação do devedor; e 2) constrição de bens penhoráveis, sendo excluídos do seu cômputo o tempo necessário para a prática desses atos, desde que cumpridos os prazos fixados em lei ou pelo juiz;
d) Acrescenta na redação do parágrafo 5º que o juiz poderá reconhecer a prescrição intercorrente e extinguir o feito “sem ônus para as partes“. No parágrafo 6º, estabelece também que eventual alegação de nulidade quanto ao procedimento só será conhecida se demonstrado o prejuízo, sendo este presumido apenas na hipótese de inexistência da intimação tratada no §4º;
e) Em sua última inserção (parágrafo 7º), possibilita-se a aplicação desses regramentos ao cumprimento de sentença, a evidenciar que esses procedimentos se sujeitam ao mesmo regime jurídico.
A Lei nº 14.195/21 também modificou o artigo 397 do CPC, ampliando o procedimento para exibição de documento ou coisa, já que antes, exigia-se a “individuação” daquilo a que se pretendia ter acesso. Com a alteração, basta a mera “descrição” e passaram a ser admitidas “categorias de documentos ou de coisas buscados“.
Nesse ponto, ao admitir pedidos mais genéricos, a mudança parece reforçar uma das novidades do CPC de 2015, qual seja, o alargamento do escopo da ação de produção antecipada de prova (artigo 381 e seguintes do Código).
Aplicada a referida alteração legislativa, a ação probatória autônoma se mostra ainda mais útil, considerando principalmente o artigo 381, III, do CPC, já que, a depender do(s) documento(s) ou da(s) coisa(s) previamente coletados(as), a produção antecipada da prova poderá de fato justificar ou até mesmo evitar o ajuizamento da ação pretendida.
Percebe-se, portanto, que as mudanças implementados pela Lei nº 14.195/21 são substanciais, sendo certo que inúmeros debates se seguirão após a vigência das referidas alterações legislativas.
Referências:
[1] TJSP. Conheça o projeto de citação e intimação eletrônica do TJSP. Disponível em: <https://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=63173>.
[2] ASSIS JUNIOR, Luiz Carlos de. Prescrição intercorrente — saiba tudo sobre as alterações no CPC. Youtube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=eDcIJNXRl_o>.
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*Kaio César Pedroso é especialista em Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Contratual, Advocacia Extrajudicial, Direito Empresarial e em Direito Constitucional Aplicado, mestre pelo IDP, filiado à AASP, IBDCONT e ao IBRADIM.
Fonte: ConJur