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ConJur – Artigo: Certidão negativa de débitos fiscais não pode ser exigida para lavrar escritura – Por Alfredo Lobo

18-10-2021

A exigência da certidão negativa fiscal pelos registros de imóveis para lavrar a escritura de compra e venda de um bem imóvel tem se apresentado, frequentemente, como obstáculo intransponível para a concretização da vontade entre as partes de um negócio jurídico. Óbice este que impede, inclusive, a atuação do mais persistente corretor imobiliário, que fica de mãos atadas, já que o imbróglio se desfaz apenas a partir de decisão judicial.

Apesar de normas infralegais vincularem a atuação dos notários extrajudiciais para tal, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ-DFT), em acórdão do relator desembargador Teófilo Caetano, considerou ilegal condicionar a lavratura de escritura de compra e venda de um imóvel entre particulares a uma certidão negativa de cunho fiscal.

É nessa sanção política que muitos empresários esbarram, atualmente, ao tentar simplesmente exercer seu legítimo direito ao livre exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas. É o que efetiva o artigo 1.228 do Código Civil: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa…”.

Uma escritura pública, então, passa a ser nada mais do que um instrumento comprobatório da vontade das partes. Nele fica registrado o negócio jurídico fundado na alienação de um bem imóvel por um particular e na compra do mesmo por outro, contendo as devidas qualificações dos contratantes, descrevendo e caracterizando o objeto alvo e as condições definidas entre as partes para celebrar o acordo.

Posto isso, a vontade entre os particulares prevalece na compra e venda de um imóvel, devendo atender exclusivamente a preceitos que o constituinte originário e o legislador não apontem excludentes da boa conduta na relação negocial.

Há de se ressaltar, ainda, que não há qualquer regramento, tanto oriundo da Constituição Federal quanto de leis vigentes, que exijam a apresentação de certidão negativa fiscal à lavratura da escritura.

A condição estabelecida pelo serviço cartorário permeia uma situação com objetivo único de constranger o contribuinte ao pagamento de débitos pretéritos. Postura considerada inadmissível, já que a cobrança de quitação dos eventuais créditos tributários pendentes se apresenta de forma enviesada.

Assim, em decorrência do princípio da legalidade, consubstancia-se que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (Constituição Federal, artigo 5º, inciso II).

A não ser que o fato gerador do tributo seja a venda do imóvel em si, o que não é o caso, nada justifica que tal cobrança se dê com tamanha violação à garantia fundamental de acesso ao Poder Judiciário, na medida em que tal postura impede o contribuinte de ir a juízo discutir a validade do suposto crédito tributário.

Mas não há o que discutir face do já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, que considerou inconstitucional condicionar a prática de atos da vida civil e empresarial à quitação de créditos tributários. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 394, a corte confirma e garante, portanto, a proibição constitucional às sanções políticas.

Corolário, o próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que organiza a atividade dos cartórios extrajudiciais, reconhece:

“Não há mais que se falar em comprovação da quitação de créditos tributários, de contribuições federais e de outras imposições pecuniárias compulsórias para o ingresso de qualquer operação financeira no registro de imóveis, por representar forma oblíqua de cobrança do Estado, subtraindo do contribuinte os direitos fundamentais de livre acesso ao Poder Judiciário e ao devido processo legal”.

Contudo, não há de se valer da decisão do Supremo Tribunal Federal para encobertar os que utilizam a inadimplência tributária como diferencial de mercado. Para estes, o deliberado e temerário desrespeito à legislação não se configura como sanção política.

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*Alfredo Lobo é advogado especialista em Processo Civil pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e sócio fundador do escritório Miranda Lima & Lobo.

Fonte: ConJur