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ConJur – Artigo: Auditorias imobiliárias estão perto do fim? – Por Olivar Vitale e Daniele Gazel

17-01-2022

No Brasil, para a aquisição de imóveis, contratação de garantias reais ou formalização de operações estruturadas com ativos imobiliários, é necessária a realização de prévia auditoria.

Além da análise dos documentos que dizem respeito ao próprio imóvel, a auditoria tem por escopo a análise das certidões forenses dos proprietários e dos antecessores proprietários [1], e visa, nesse exame, a verificar a existência de algum apontamento capaz de acarretar a perda da propriedade do imóvel em razão da dilapidação do patrimônio sem o pagamento de débitos de responsabilidade desses proprietários ou antecessores proprietários.

Por muitos anos, a boa-fé do adquirente ou do tomador da garantia ou do empreendedor em uma operação estruturada (aqui de forma genérica tratados por “adquirente de boa-fé”), comprovada com a guarda das certidões analisadas durante a auditoria durante todo o prazo máximo prescricional. Na existência de apontamentos de qualquer um dos pesquisados, recomendava-se, ainda, a guarda da verificação de patrimônio à época da operação, de modo a demonstrar, se preciso, no futuro, que com a operação o devedor não se tornou insolvente e tinha outros bens para satisfazer suas dívidas.

Muitas incorporadoras ampliavam sua abrangência por acreditarem que, dada sua expertise, sua demonstração de boa-fé deveria ser ainda mais ampla e, com isso, estendiam a análise a empresas dos proprietários e antecessores proprietários, se estes eram pessoas físicas, ou aos sócios quando os pesquisados eram pessoas jurídicas.

Com o avanço da jurisprudência, e com a demonstração de que a ampliação almejada jamais poderia abranger, de fato, todas as situações em todo o país, muitas felizmente retrocederam e, atualmente, somente estendem a análise a empresas ou sócios na hipótese de haver nas certidões dos distribuidores, algum apontamento que indique a desconsideração da personalidade jurídica ou grupo econômico familiar.

Em maior ou menor amplitude, quem faz auditoria sabe que este é um processo minucioso, lento e trabalhoso, em que esclarecimentos de todos os apontamentos devem ser cuidadosamente examinados, que nem tudo está disponível, mas muitas informações não podem ser obtidas diretamente por aquele que pesquisa. Mesmo com a utilização de robôs para a emissão de certidões e elaboração de planilha de apontamentos, a análise sistêmica de tudo quanto examinado só é possível por um ser humano, pois há muito subjetivismo envolvido (chance de êxito, valor de alçada, data de distribuição, data de inscrição em dívida ativa, entre outros elementos).

Com o advento da Lei 13.097/2015, a demonstração da boa-fé deixou de limitar-se ao exame da documentação em auditoria e transferiu ao credor relevante responsabilidade para perquirir seu crédito ao prever que os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis (daqui em diante chamados em conjunto de “negócios jurídicos”) são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as informações referentes às citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias, execuções, constrição judicial ou fase de cumprimento de sentença, restrição administrativa ou convencional ou qualquer outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência.

Embora a Lei 13.097 tenha trazido mais conforto ao adquirente de boa-fé, a auditoria continuou a abranger as mesmas certidões forenses pois: 1) alguns débitos não necessariamente constariam da matrícula para futura alegação de fraude por parte do seu credor (exemplo da inscrição na dívida ativa da união, nos termos do artigo 185 do Código Tributário Nacional) [2]; 2) a inserção de informações na matrícula nem sempre é tarefa simples, muitas vezes não é autorizada pelo juízo competente para a demanda em que o credor visa à satisfação do seu crédito (artigo 54, inciso IV, da lei 13.097/15) ou não é concretizada pela serventia imobiliária ou, ainda, não é levada adiante pelo próprio credor com receio de revés judicial; e 3) não havia alteração de qualquer dispositivo legal que tratava do exame de documentos e dever de diligência na aquisição de um bem por força da incorreta interpretação do disposto no parágrafo 4º do artigo 792 do Código de Processo Civil [3].

Ademais, mesmo após o advento da Lei 13.097, por inúmeras vezes a jurisprudência se posicionou no sentido de que a ausência de indicação de penhora ou de ação de execução no respectivo registro não obsta o reconhecimento da fraude à execução, cabendo, entretanto, ao credor demonstrar a má-fé do adquirente [4].

Ou seja, o exame da documentação e a guarda para a demonstração de boa-fé não foram dispensados.

Estis a grande novidade: em dezembro de 2021 o artigo 54 da Lei 13.097/2015 foi alterado pela Medida Provisória 1.085, visando a reforçar o conforto do adquirente de boa-fé a partir do simples exame da matrícula do imóvel, ao prever no novo parágrafo 2º do mesmo artigo 54 que não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no registro de imóveis, inclusive para fins de evicção (ressalvado o disposto nos artigos 129 e 130 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel), e que não serão exigidos, para a validade ou eficácia dos negócios jurídicos ou para a caracterização do adquirente de boa-fé: 1) a obtenção prévia de quaisquer documentos ou certidões além daqueles requeridos nos termos do disposto no §2º do artigo 1º da Lei nº 7.433, de 18 de dezembro de 1985 [5]; e 2) a apresentação de certidões forenses ou de distribuidores judiciais.

A dúvida que remanesce, e sobre a qual este artigo pretensiosamente ousa opinar: será que as alterações introduzidas pela MP 1.085 de fato representam o fim do processo de auditoria, trazendo segurança ao adquirente a boa-fé a partir do simples exame da matrícula?

Pois bem, a MP 1.085 não trouxe qualquer facilitação para o acesso das informações nas matrículas dos imóveis pelos devedores, não diminuiu de alguma forma os riscos que credores tem ao lançar as informações na matrícula e depois sofrerem alguma responsabilização por perdas e danos pelo excesso de medidas tomadas, tampouco impôs aos entes públicos o dever de informar nas matrículas dos devedores quando um débito é inscrito em dívida fiscal.

Ademais, a MP teve a oportunidade de esclarecer o principal ponto que gera dúvida, qual seja, o inciso IV do artigo 792 do CPC, reforçando a importância do seu parágrafo 2º ou, até mesmo, revogando-o expressamente. Mas não o fez, o que reforça, em nossa visão, a importância do exame de todas as certidões forenses a fim de verificar a existência de apontamento capaz de levar o alienante à insolvência.

Não se pode esquecer, ainda, que o idealizado sistema de consulta de ônus, protestos, garantias, dívidas e contratos previstos na MP 1.085 não está em funcionamento.

Isso sem falar no desafio de compatibilização de consulta de dados diante das medidas protetivas da Lei Geral de Proteção de Dados, outro tema importante a ser enfrentado.

Assumindo que a MP 1.085 seja convertida em lei, por enquanto concluímos que a celeridade e segurança almejadas, ao menos para auditoria em negócios imobiliários, ainda não podem ser obtidas por meio de simples consulta na matrícula do imóvel. Ainda assim, não há como negar que com a implementação do Serp estaremos em um caminho muito mais próximo desse ideal.

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[1] Não mencionaremos aqui o prazo que entendemos seguro para retrocedermos à análise dos antecessores, porque a questão é extremamente controvertida e não é o objeto deste artigo.

[2] “CTN, Artigo 185 – Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa”.

[3] “CPC, Artigo 792 – A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução: …IV – quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência”.

[4] STJ, Resp nº 1.863.999 – SP (2020/0048011-4).

[5] § 2º O Tabelião consignará no ato notarial a apresentação do documento comprobatório do pagamento do Imposto de Transmissão inter vivos, as certidões fiscais e as certidões de propriedade e de ônus reais, ficando dispensada sua transcrição.

*Olivar Vitale e Daniele Gazel são sócios do escritório VBD Advogados.

Fonte: ConJur