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ConJur – Artigo: Amante não pode ser beneficiária de seguro de vida – Por Laísa Santos

18-04-2022

Nos últimos dias, tem reverberado no mundo jurídico uma decisão proferida pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que negou direito de uma amante de receber o seguro de vida deixado pelo falecido.

De acordo com os documentos carreados no processo, o segurado mantinha um relacionamento público com a mulher desde a década de 1970, ao mesmo tempo em que continuava casado com a esposa. Sabendo da impossibilidade daquela parceira (concubina) receber sua herança, contratou um seguro de vida colocando-a como beneficiária, juntamente com o filho que teve com ela. O herdeiro foi indicado como segundo beneficiário, para receber o valor total do prêmio, caso a mãe não pudesse recebê-lo.

Para a relatora, ministra Isabel Galloti, tanto o Código Civil de 1916 como o Código Civil de 2002 vedam a possibilidade de que amantes sejam beneficiários de seguro de vida instituído por pessoas legalmente casadas e não separadas de fato.

Como a indicação da companheira, feita pelo falecido, foi considerada inválida, o STJ reformou a decisão, determinando que a quantia deverá ser paga integralmente ao filho do casal de amantes, conforme previamente estabelecido na apólice do seguro.

A decisão proferida pela Corte Superior vai ao encontro de um recente entendimento do Supremo Tribunal Federal (RE 1.045.273) em que se reconheceu a impossibilidade de reconhecimento de um novo vínculo conjugal quando preexistente casamento ou união estável (união poliafetiva), preservando o princípio da monogamia e o dever de fidelidade recíproca entre o casal, respaldado pelo ordenamento jurídico constitucional brasileiro.

Do ponto de vista jurídico, a decisão não merece retoques, eis que o artigo 793 do Código Civil é bastante claro ao trazer que somente é válida a instituição de companheiro como beneficiário do seguro de pessoa se, ao tempo do contrato, o segurado era separado judicialmente ou já se encontrava separado de fato.

Em complemento, o artigo 550 da codificação civil também prevê que eventual doação de cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros.

Embora se entenda que juridicamente a decisão não mereça reparos, tal situação nos traz uma reflexão sobre a autonomia privada no âmbito do direito sucessório e familiar.

De início, convém questionar se não estaria o Estado adentrando demasiadamente no âmbito das relações pessoais, buscando legislar de maneira incompatível com as transformações da sociedade e das famílias?

Comprovado que as partes agiam de boa-fé e que inexiste prova de tentativa de fraude à partilha dos bens, por qual motivo a pessoa não poderia contratar seguro ou destinar parte do seu próprio patrimônio à pessoa com quem possuía um relacionamento pessoal, desde que respeitada a legítima dos herdeiros necessários? Perceba-se que o valor do benefício do seguro de vida nem sequer pertencia ao patrimônio daquele que o contratou. Se é permitida a destinação de 50% dos bens (comumente chamada de parte disponível) a um terceiro, a um desconhecido, a instituição filantrópica ou religiosa, por qual motivo se veda este tipo específico de situação?

Se uma família se formou, simultaneamente à outra, o princípio da monogamia deve se sobressair ao princípio da autonomia da vontade e da liberdade de contratar? O que se pretende, afinal, com a negativa ao direito a um seguro de vida, a uma previdência privada, pensão por morte ou, eventualmente, a partilha de bens adquiridos durante o período de relacionamento? Seria a de que homens e mulheres podem constituir famílias paralelas sem que existam repercussões e consequências no âmbito jurídico?

Veja-se, que não se está aqui tratando apenas sobre relacionamentos extraconjugais, mas sim, na relação extraconjugal em que se estabeleceu uma família simultânea àquela já existente.

Estaríamos, assim, condenando a existência destas famílias que, de fato, existem, à invisibilidade jurídica?

Se esta é uma realidade cada vez mais exposta na sociedade, cabe aos legisladores, aos juristas e a nós, advogados, pensarmos em alternativas que acompanham a evolução das famílias e, consequentemente, do direito familiar e sucessório.

Evidentemente que se trata de um assunto bastante delicado e, ainda, incipiente, atrelado a questões culturais bastante enraizadas em nossa sociedade. No entanto, tais situações não podem mais passar despercebidas.

*Laísa Santos é advogada da área de Planejamento Patrimonial, Família e Sucessões e sócia do escritório Schiefler Advocacia.

Fonte: ConJur