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ConJur – Artigo: Adjudicação compulsória extrajudicial – Por Maria Clara Gomes
A palavra “adjudicar” significa “conceder a alguém ou reconhecer-lhe algo”, “entregar legalmente (algo) a alguém” ou “estabelecer condição (para a realização ou reconhecimento de algo)”. Do ponto de vista jurídico, consiste em “dar por sentença a uma das partes uma propriedade contestada.” Já o termo “compulsória”, significa “tudo aquilo que possui a capacidade de compelir”, ou seja, algo que é obrigatório.
Isso posto, a adjudicação compulsória, prevista nos artigos 1.417 e 1.418 do Código Civil, é o procedimento utilizado para regularizar o registro de um imóvel para o qual se tem o direito real adquirido, mas não possui a documentação exigida em lei.
“Artigo 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.”
“Artigo 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.”
De acordo com os artigos 108, 1.227 e 1.245 do Código Civil, a propriedade de bens imóveis apenas é efetivamente transferida após o registro do título translativo perante o cartório, isto é, apenas com a formalização da compra e venda na matrícula do imóvel alienado. Enquanto tal registro não ocorre, o alienante continua a ser considerado o proprietário perante terceiros.
Dessa forma, a adjudicação tem a finalidade de possibilitar a obtenção da escritura pública definitiva. Esse tipo de procedimento apenas é cabível quando houver recusa ou algum impedimento para que se obtenha a escritura, possibilitando o registro da propriedade no Cartório de Registro de Imóveis (RGI) por meio de decisão judicial que substitua a outorga da escritura definitiva do bem imóvel.
Não é tão fácil assim obter o registro no RGI. Como exemplos de impedimentos, citam-se:
– Quando o proprietário (ou o comprador) se recusa a realizar a escritura, mesmo após cumpridos os termos da promessa de compra e venda.
– Quando ocorre o falecimento do vendedor antes de efetuar a escritura de compra e venda.
– Quando não for possível localizar o vendedor para realizar a outorga.
E quais são os requisitos para a adjudicação compulsória? Apenas três: 1) a existência de provas da aquisição legítima do imóvel, como o contrato ou a promessa de Compra e Venda (famosa “PCV”), dação em pagamento; 2) a inexistência de previsão do direito de arrependimento no contrato (caso ainda vigente); e 3) existência de recusa ou impedimento para obtenção da escritura.
Todavia, para que seja possível utilizar-se desse remédio processual, também é necessário apresentar a comprovação de quitação integral do valor acordado entre as partes para a alienação do imóvel, uma vez que só é possível exigir o cumprimento das obrigações pela outra parte após o adimplemento das suas próprias obrigações (artigo 476 do Código Civil).
Relevante pontuar que a necessidade de registro prévio da PCV no RGI foi afastada pela Súmula 239 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece:
“Súmula 239: O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.”
Para a maioria dos juristas, a natureza jurídica da adjudicação compulsória é pessoal, tendo em vista que decorre das obrigações assumidas pelas partes no contrato de compra e venda. Sendo assim, na prática, apenas o comprador ou o vendedor do imóvel possuem o direito real para propor a ação, podendo esses direitos serem transferidos para eventuais cessionários ou sucessores.
Assim, proferida a sentença em favor do requerente e lavrada a “carta de adjudicação” pelo juiz, esta deverá ser levada ao cartório para outorga da escritura pública definitiva, registrando a propriedade do adquirente na matrícula do imóvel.
Acerca do prazo de prescrição para buscar amparo por meio da adjudicação, o entendimento do STJ é de que se trata de um direito potestativo, isto é, não se sujeita a prazo prescricional e sim apenas ao decadencial (ainda não previsto em lei para a adjudicação), vide:
“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. ATO NULO QUE NÃO SOFRE COM OS EFEITOS DA PRESCRIÇÃO. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. Segunda a jurisprudência desta Corte, ‘tratando-se de direito potestativo, sujeito a prazo decadencial, para cujo exercício a lei não previu prazo especial, prevalece a regra geral da inesgotabilidade ou da perpetuidade, segundo a qual os direitos não se extinguem pelo não uso. Assim, à míngua de previsão legal, o pedido de adjudicação compulsória, quando preenchidos os requisitos da medida, poderá ser realizado a qualquer tempo’ (REsp nº 1.216.568/MG, relator ministro Luis Felipe Salomão, DJe 29/9/2015). Incidência da Súmula nº 83/STJ.
2. Agravo interno desprovido”.
(AgInt no AREsp 1181960/GO, relator ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, 3ª TURMA, julgado em 247/04/2018, publicado em 03/05/2018).
Importante apenas ressaltar que, como toda regra tem uma exceção, não há possibilidade de recorrer ao procedimento aqui disposto caso um terceiro adquira o direito de usucapião sobre o imóvel.
Recentemente, em 28 junho de 2022, foi publicada a Lei 14.382, alterando a Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73) ao dispor sobre a possibilidade de realização do procedimento da adjudicação compulsória extrajudicialmente pelo cartório:
“Artigo 216-B. Sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão poderá ser efetivada extrajudicialmente no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel, nos termos deste artigo.
§1º São legitimados a requerer a adjudicação o promitente comprador ou qualquer dos seus cessionários ou promitentes cessionários, ou seus sucessores, bem como o promitente vendedor, representados por advogado, e o pedido deverá ser instruído com os seguintes documentos:
I – instrumento de promessa de compra e venda ou de cessão ou de sucessão, quando for o caso;
II – prova do inadimplemento, caracterizado pela não celebração do título de transmissão da propriedade plena no prazo de 15 dias, contado da entrega de notificação extrajudicial pelo oficial do registro de imóveis da situação do imóvel, que poderá delegar a diligência ao oficial do registro de títulos e documentos;
III – (VETADO);
IV – certidões dos distribuidores forenses da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente que demonstrem a inexistência de litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda do imóvel objeto da adjudicação;
V – comprovante de pagamento do respectivo Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI);
VI – procuração com poderes específicos.
§ 2º (VETADO).
§ 3º À vista dos documentos a que se refere o §1º deste artigo, o oficial do registro de imóveis da circunscrição onde se situa o imóvel procederá ao registro do domínio em nome do promitente comprador, servindo de título a respectiva promessa de compra e venda ou de cessão ou o instrumento que comprove a sucessão.”
Fica evidente, portanto, a exigência da atuação obrigatória de um advogado para dar entrada no requerimento de adjudicação compulsória extrajudicial no cartório de RGI competente (isto é, no qual o imóvel está devidamente registrado e possui um número de matrícula). Ressaltando que ambas as partes (promitente vendedor e promitente comprador) devem ser devidamente representadas por advogado, como ocorre na maioria dos procedimentos extrajudiciais.
Assim, para que seja processado e deferido pelo cartório de imóveis, o requerimento deve conter: 1) instrumento de promessa de compra e venda (ou de cessão ou de sucessão, quando houver); 2) prova do inadimplemento (recusa do vendedor em outorgar a escritura); 3) certidões dos distribuidores forenses da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente que demonstrem a inexistência de litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda do imóvel objeto da adjudicação; 4) comprovante de quitação do ITBI; e 5) procuração que forneça os poderes necessários ao representante legal da parte.
A princípio, também integrava a lista de documentos obrigatórios a apresentação de “ata notarial lavrada por tabelião de notas da qual constem a identificação do imóvel, o nome e a qualificação do promitente comprador ou de seus sucessores constantes do contrato de promessa, a prova do pagamento do respectivo preço e da caracterização do inadimplemento da obrigação de outorgar ou receber o título de propriedade”. No entanto, tal disposição foi posteriormente vetada com fundamento no fato de que essa exigência poderia “encarecer e burocratizar o procedimento”, dificultando a regularização célere do imóvel. Todavia, alguns defendem que a apresentação da ata é fundamental na instrução do requerimento perante o RGI, para dar segurança quanto à autenticidade da documentação apresentada.
Uma vez apresentados os documentos listados acima e com o pagamento dos emolumentos de cartório, o oficial de registro de imóveis procederá ao registro em nome do promitente comprador, utilizando como título o próprio documento particular de compromisso de compra e venda.
A possibilidade de realização desse procedimento extrajudicialmente confere uma maior celeridade (e menor onerosidade) para um problema que, muito provavelmente, levaria anos para ser solucionado na via judicial. Contudo, por se tratar de um instrumento muito recente, dificuldades práticas poderão surgir, o que fomenta a necessidade de elaboração de um ato normativo pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), assim como ocorreu com a usucapião extrajudicial e o inventário extrajudicial, com o objetivo de melhor regular e conferir segurança ao procedimento.
Por fim, é importante pontuar que, apesar de também tratar-se de uma ferramenta para a regularização de imóveis, a principal diferença entre a adjudicação compulsória e a usucapião é que a primeira exige provas da aquisição legítima do imóvel (por meio de contrato compra e venda, dação em pagamento ou qualquer outro tipo de instrumento), bem como a comprovação do cumprimento da obrigação de pagar, enquanto no procedimento de usucapião basta o cumprimento de dois requisitos: posse ininterrupta por lapso temporal suficiente (5 a 15 anos) e a existência de “animus domini” (posse com a intenção de ser dono da coisa).
*Maria Clara Gomes é membro do escritório Portela Soluções Jurídicas e graduanda em Direito pela Faculdade Damas da Instrução Cristã.
Fonte: ConJur