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ConJur – A responsabilidade civil do empregador
O tema da responsabilidade civil, como sabemos, pertence ao âmbito do Direito Civil, mas diz respeito ao Direito do Trabalho quando envolve empregado e empregador, em decorrência de ação ou omissão que venha a gerar prejuízos.
“Artigo 927 — Aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Resulta da leitura do artigo, e, especialmente, da ressalva constante de seu parágrafo único, que o nosso legislador optou pela teoria da responsabilidade subjetiva, o que significa que em princípio a responsabilização do agente decorre da demonstração da prática de ato ilícito, da culpa ou dolo do agente, e da existência de prejuízo para a vítima. Estando ausente qualquer um dos três elementos, não se caracterizará a responsabilidade do agente.
E assim podemos afirmar porque o parágrafo único do artigo 927 em comento afirma que, em se tratando de atividade de risco, haverá responsabilidade de reparação do dano independentemente de culpa. Isso significa que nas atividades normais, em que não há risco, a responsabilidade pela reparação e prejuízo só ocorrerá se houver prova da culpa.
Vejamos um caso concreto julgado pela 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, com a relatoria do ministro Hugo Carlos Scheuermann:
“Processo nº TST-RR-1005-17.2014.5.03.0080 – RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ACIDENTE DE TRABALHO COM ÓBITO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS COM O USO DE MOTOCICLETA. COLISÃO COM CAMINHÃO. ATIVIDADE DE RISCO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO EMPREGADOR. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA AFASTADA. CONDENAÇÃO DEVIDA. Ante as razões apresentadas pela agravante, afasta-se o óbice oposto na decisão agravada. Agravo conhecido e provido. RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ACIDENTE DE TRABALHO COM ÓBITO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS COM O USO DE MOTOCICLETA. COLISÃO COM CAMINHÃO. ATIVIDADE DE RISCO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO EMPREGADOR. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA AFASTADA. CONDENAÇÃO DEVIDA. 1. Trata-se de acidente do trabalho com óbito, ocorrido no exercício das atividades laborais com o uso de motocicleta. A teor do acórdão recorrido, o ex-empregado invadiu a pista contrária e colidiu com um caminhão. Nesse contexto, o TRT manteve a sentença quanto ao indeferimento do pedido de indenização por danos morais e materiais, ao registro de que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da vítima. 2. Consideradas tais premissas fáticas, forçoso concluir pela aplicação da responsabilidade objetiva, pois o acidente de que foi vítima o trabalhador ocorreu no exercício da atividade desempenhada em benefício da empregadora, notadamente considerada de risco. Com efeito, o empregado que pilota motocicleta no exercício das atividades laborais está exposto a um risco maior de ser vítima de acidente de trânsito, se comparado aos demais membros da coletividade. 3. Reconhecida, pois, a incidência da responsabilidade objetiva, cabe enfrentar a questão relativa à culpa exclusiva da vítima, que rompera, no entender do Tribunal Regional, o nexo causal, pressuposto da responsabilidade civil da empregadora. 4. E, nesse mister, registra-se que a culpa exclusiva da vítima ocorre quando o acidente do trabalho tem como única causa à conduta do empregado, sem qualquer relação com o risco inerente às atividades laborais por ele exercidas. 5. Assim, não obstante o registro contido no acórdão recorrido, no sentido de que o ex-empregado invadiu a pista contrária e colidiu com um caminhão, o nexo de causalidade não restou excluído, pois o ato culposo da vítima tem ligação com o risco da atividade para a qual foi contratado. 6. A respaldar esse entendimento, destaca-se que ao exame de hipótese análoga, em que o empregado motorista de caminhão invadiu a pista contrária e colidiu com outro veículo, a SDI-I do TST reputou caracterizado o nexo de causalidade, consignando que “eventual erro humano do empregado está absolutamente inserido no risco assumido pela empresa. Ao auferir lucros, dirigir o empreendimento de risco e controlar a atividade laboral do empregado, a empresa internaliza todo o potencial ofensivo de sua atividade. Possível negligência ou imperícia do empregado na sua função de motorista não impede a responsabilização da empresa, visto que a culpa do empregado-motorista faz parte do risco da atividade de transporte rodoviário de cargas, assemelhando-se ao caso fortuito interno (E-RR – 270-73.2012.5.15.0062, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 23/10/2020). 7. Presente o dano (morte do ex-empregado) e o nexo de causalidade (acidente ocorrido no desempenho de atividade laboral de risco), e aplicada à hipótese a responsabilidade objetiva, é devido o pagamento de indenização pelos danos decorrentes do infortúnio que vitimou o ex-empregado. Recurso de revista conhecido e provido”.
Como se verifica, não obstante os autos revelem que o empregado, na direção de motocicleta, tenha invadido a pista contrária e colidido com um caminhão, vindo a falecer, a turma julgadora não afastou o nexo de causalidade entre o dano havido e a atividade empresarial, por entender que se trata de atividade de risco.
E os julgadores entenderam que, por desenvolver o empregador atividade de risco, tal circunstância induz à responsabilidade objetiva, e esse fato supera a imperícia, imprudência ou negligência do empregado, gerando nexo de causalidade entre a atividade desenvolvida e o prejuízo havido, gerando a obrigação de indenizar.
Nesse caso, a 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho reformou a decisão regional, que havia concluído no sentido de que a culpa do reclamante tornava indevida a indenização, por afastar o nexo de causalidade, essencial à obrigação de indenizar.
São duas teses opostas, com prevalência da responsabilidade objetiva da atividade de risco, assim considerado o transporte por meio de motocicleta, e o afastamento dos efeitos da culpa do agente diante da responsabilidade objetiva.
Independentemente da solução que prevalece nesse processo, trata-se de tema que convida à reflexão sobre as várias questões que esse caso suscita, como a natureza da atividade do reclamante, a objetividade ou subjetividade da responsabilidade e as consequências da ação culposa do reclamante frente à responsabilidade empresarial.
Fonte: ConJur