Notícias

Como impor respeito à súmula vinculante

07-12-2014

Depois de muita polêmica, de inúmeras críticas e de intensa discussão, acabou sendo instituída a súmula vinculante em nosso sistema jurídico – apenas para as questões de competência do Supremo Tribunal Federal (STF) e de forma limitada. Isso se deu com a denominada reforma do Judiciário, promovida por meio da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que previu que “o Supremo poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei”.

Sem dúvida nenhuma, a súmula vinculante é um importantíssimo mecanismo que se propõe a enfrentar o grande problema de o Poder Judiciário ter de julgar um elevado número (crescente e incessante) de causas repetidas submetidas à sua apreciação. A súmula vinculante vem com a promessa de proporcionar aos jurisdicionados maior segurança e previsibilidade nos julgamentos. A súmula é adjetivada de vinculante, porque tem “efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”. Significa dizer que todas as autoridades judiciais e administrativas estão vinculadas a decidir de acordo com a súmula vinculante. Todas as decisões judiciais e todos os atos administrativos deverão ser praticados de modo a respeitar a súmula – respeitando, com isso, a autoridade da mais alta corte deste país, o Supremo.

A pergunta que se coloca é: e se a súmula vinculante não for respeitada? Contra o ato administrativo ou a decisão judicial que porventura venha a desrespeitar uma súmula vinculante, ou que venha a aplicá-la indevidamente, caberá reclamação ao Supremo, que, acolhendo-a, poderá anular o ato administrativo ou cassar a decisão judicial reclamada, determinando que outro ato ou outra decisão sejam proferidos, com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso. Logo, a contrariedade ou a aplicação indevida da súmula vinculante abre as portas para uma reclamação, que é uma ação constitucional, que poderá ser ajuizada diretamente no Supremo contra a autoridade administrativa ou judicial que tiver praticado a contrariedade ou a aplicação indevida dessa súmula.

O desrespeito de uma súmula vinculante ocorrerá por não ter sido aplicada a súmula, por ela ter sido aplicada inadequadamente, por ela ter sido aplicada quando não seria aplicável, por ter sido distorcido o conteúdo da súmula em sua aplicação no caso concreto, por terem sido desbordados os limites da súmula ou por ter sido ela interpretada inadequadamente, além de tantas outras situações que, de qualquer modo, acabem configurando um desrespeito da súmula.

Ao julgar uma reclamação, o Supremo pode decidir por aplicar ou não a súmula vinculante, no caso concreto. É que, nos termos da lei, atribuiu-se ao Supremo a qualidade de verdadeiro “comandante” da súmula, conferindo àquele tribunal o poder de decidir se uma determinada súmula terá ou não aplicação, em um dado caso concreto, ou se deverá ou não ser oportunamente aplicada naquele caso.

O julgamento sobre a procedência da reclamação poderá dar ensejo à anulação do ato administrativo ou à cassação da decisão judicial que afrontou a súmula vinculante. Entendendo o Supremo ser o caso de aplicar uma súmula vinculante em um caso concreto submetido à sua apreciação, poderá determinar à autoridade reclamada que emita um ato, ou que profira uma decisão, conforme a súmula. Entendendo, por outro lado, não se tratar de hipótese de aplicação (ou se tratar de aplicação indevida) da súmula vinculante, pode determinar que outro ato ou que outra decisão sejam proferidos pela autoridade reclamada, sem a aplicação da súmula vinculante envolvida na questão.

Na hipótese de o Supremo entender não ser hipótese de aplicação de determinada súmula vinculante, não poderá decidir o caso sob a apreciação da autoridade reclamada. Não pode o Supremo julgar um caso sem que este tenha percorrido todas as instâncias ordinárias e alcançado as decisões pertinentes. Provocado por meio de reclamação, ao Supremo cabe apenas decidir sobre a aplicação ou não da súmula. Caso contrário, violaria vários princípios de nosso sistema jurídico e haveria supressão de grau de jurisdição.

Juntamente com a súmula vinculante, a lei passou a prever que, uma vez acolhida a reclamação fundada na violação de uma súmula vinculante, deverá ser dada ciência à autoridade reclamada (a que desrespeitou a súmula) e ao órgão recursal a que esta estiver subordinada, para que passem a adequar as suas futuras decisões ao quanto decidido pelo Supremo, sob pena de responsabilização pessoal, nas esferas cível, administrativa e penal. A possibilidade de responsabilização pessoal da autoridade administrativa atribui ainda mais força para o Supremo quando tiver que impor o respeito a uma súmula vinculante.

Espera-se, com muita confiança, que a súmula vinculante venha a resolver ou que pelo menos venha a atenuar substancialmente os problemas que se propôs a enfrentar. E o papel do Supremo, neste contexto, é fundamental, sobretudo quando estiver atuando após ter sido provocado por meio de reclamação. Diante da possibilidade de haver inúmeras reclamações, cabe ao Supremo, por seus sábios membros, fazer as adaptações pertinentes nas normas de seu regimento interno para que possa receber e julgar reclamações oriundas de desrespeito de súmula vinculante, de um modo ágil e eficaz.

Leonardo Morato é advogado do escritório Veirano Advogados

Fonte : Valor Econômico